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Custo de transporte de carga nas principais rotas mundiais já é o dobro do praticado até 2019. Crise só não é maior do que a do auge da pandemia de Covid, em 2020
Os ataques dos rebeldes Houthi iemenitas a navios mercantes que se dirigem para o Canal de Suez através do Mar Vermelho estão causando uma das maiores perturbações no comércio global desde a pandemia. Pelo menos 18 companhias marítimas, incluindo a gigante dinamarquesa Maersk, já redirecionaram suas rotas através da África do Sul para evitar a passagem pelo estratégico Golfo de Aden.
A mudança aumenta significativamente os custos e prolonga as viagens entre a Ásia e a Europa. O impacto nos preços do frete foi praticamente instantâneo: quase triplicaram desde meados de dezembro, quando os ataques se intensificaram.
A plataforma de reserva de carga Freightos.com estima que transportar produtos em um contêiner de 40 pés (12 metros de comprimento, 2,3 de largura e 2,4 de altura) da Ásia para o norte da Europa custa agora US$ 4 mil dólares (€ 3.650), 173% a mais do que em meados de dezembro, informa a Bloomberg.
Para carga da Ásia para o Mediterrâneo, o preço sobe para US$ 5.668 (€ 5.175), e algumas empresas cobram até US$ 6 mil nas rotas que partirão em meados de janeiro. Da Ásia aos EUA, as taxas sobem menos, 55%, para US$ 3.900.
Outro dos índices de referência, o Shanghai Containerized Freight Index (SCFI), que mede as taxas de transporte de produtos importados da China, aumentou 161% desde 15 de dezembro, passando de US$ 1.029 para US$ 2.694.
Todos esses preços são aproximadamente o dobro dos de 2019, antes da Covid-19 atingir o comércio global, mas ainda estão bem abaixo dos valores máximos registrados durante a pandemia. Nos momentos de maior colapso naquele ano, os preços do índice SCFI ultrapassaram os US$ 5 mil, o dobro dos níveis atuais.
A milícia rebelde afirma ter como objetivo punir Israel pela guerra em Gaza. O aumento dos custos dos transportes ameaça a economia global com um novo revés inflacionista, embora os especialistas estejam confiantes de que o efeito será limitado.
O aumento dos preços dos transportes surge em um momento delicado para a situação econômica, marcada pela incerteza e pela ressaca de uma escalada inflacionista (e seus efeitos) que começava a abrandar.
O impacto da atual crise no Oriente Médio é considerável. As companhias marítimas estão alterando seus itinerários para evitar o Mar Vermelho, rota por onde circula entre 12% e 15% do comércio mundial, muitas vezes contornando o Cabo da Boa Esperança.
“Um número significativo de companhias marítimas, cerca de 18, já decidiu redirecionar os seus navios em torno da África do Sul para reduzir os ataques aos navios e limitar o impacto que isso tem”, afirmou o secretário-geral da Organização Marítima Internacional (IMO), Arsenio Domínguez, em discurso para o Conselho de Segurança da ONU. Para os cargueiros isso significa acrescentar em média 10 dias às viagens e mais gastos com combustível. A crise causou uma redução de 25% no tráfego comercial através do Canal de Suez.
Os ataques contra esta rota comercial já começaram em novembro, pouco depois da invasão terrestre de Gaza por Israel, na sequência dos ataques terroristas do Hamas, em 7 de outubro. E pioraram desde dezembro. “O objetivo inicial era navios ligados a Israel, mas com base nas informações que recebemos em acontecimentos recentes isso já não parece ser o caso”, alertou Domínguez.
Desde meados de novembro, 23 navios comerciais foram atacados. O último ocorreu no fim de semana passado, contra a gigante dinamarquesa Maersk, apesar de os Estados Unidos terem lançado uma operação para patrulhar a área.
A Maersk anunciou esta semana que vai pausar mais uma vez as rotas que passam pelo Canal de Suez, seguindo os passos da companhia marítima alemã Hapag-Lloyd. A francesa CMA-CGM anunciou um aumento de 100% nas tarifas nas rotas entre a Ásia e o Mediterrâneo. As empresas aumentam as suas tarifas quando a sua capacidade de carga e a frequência das viagens são reduzidas, neste caso porque as viagens são consideravelmente alongadas pela necessidade de alterar itinerários.
Aumento no mercado de ações
Os investidores interpretam que, ao aumentarem as taxas, conseguirão maior rentabilidade, mesmo que o tempo de transporte e os custos de combustível cresçam. E isso se refletiu nos mercados de ações. O Goldman Sachs acaba de elevar sua recomendação para compra de ações da Maersk, que subiram 30% no último mês. No caso da Hapag-Lloyd, as ações valorizaram quase 50% no mesmo período.
Garantir a segurança na área é muito complicado. O Estreito de Bab el Mandeb, principal acesso ao Mar Vermelho, entre a Península Arábica e o Chifre da África, mede apenas 30 quilômetros. Os navios têm de passar lentamente e em linha, com pouca capacidade de manobra. As embarcações se tornam, assim, alvos fáceis para os drones lançados pela milícia Houthi, que se opõe ao governo oficial do Iémen e controla 30% do território. O objetivo dos rebeldes, cujo principal patrocinador é o Irã, é punir os navios que comercializam com Israel.
Até que ponto esses ataques podem alterar o fornecimento de produtos na Europa? Nos primeiros dez dias do ano, o tráfego no Canal de Suez caiu 28% em relação ao mesmo período de 2023, segundo dados do Portwatch, plataforma do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Universidade de Oxford. Ou seja, 3,1% do comércio mundial estão sendo redirecionados do Mar Vermelho para outras rotas.
“A maior duração das viagens, de sete a 14 dias adicionais dependendo da rota, traduz-se em prazos de entrega mais longos para os importadores e pode congestionar os portos se, quando os calendários forem alterados, transportarem vários navios ao mesmo tempo, embora, no momento não tenhamos evidências de que isso esteja acontecendo”, explica Judah Levine, analista principal da Freightos em seu site. O especialista diz que as companhias marítimas estão adicionando navios às suas rotações e navegando em velocidade mais alta para compensar o aumento da duração da viagem.
“Mesmo que houvesse congestionamento ou falta de abastecimento, as empresas de transporte estão mais bem posicionadas agora do que durante a pandemia”, acrescenta. Entre 2021 e 2022 também houve problemas de oferta, mas porque a procura disparou muito acima da oferta: “A indústria tem agora um certo excesso de capacidade”, ou seja, há muito mais margem.
Paradas Michelin
Mas algumas tensões já podem ser sentidas na indústria. O fabricante de pneus Michelin anunciou há uma semana que irá parar a produção nas suas quatro fábricas na Espanha por falta de borracha, matéria-prima fundamental para o fabricação de pneus.
Os custos do transporte têm um grande impacto inflacionário. Os gargalos registrados durante a pandemia acrescentaram um ponto percentual à inflação, segundo o FMI. Eles representam 7% dos custos das importações de longa distância em circunstâncias normais (em 2020 aumentaram 25%).
Rhys Davies, consultor da empresa Flint Global, afirmou há poucos dias no The Guardian que o impacto da crise do Mar Vermelho sobre a inflação será provavelmente limitado: “Os efeitos penetram na economia muito lentamente, até 12 meses depois ” do pico (nos custos de carga), portanto, se a interrupção for limitada no tempo, como esperamos, será compensada por outros impactos desinflacionários.”
FONTE: EL PAÍS/MADRI