IMAGEM: TST
Falta de proteção social, vulnerabilidade econômica e acesso limitando a benefícios e direitos trabalhistas estão entre os principais efeitos da falta de vínculo.
Quase 40 milhões de trabalhadores não têm carteira assinada no Brasil, segundo a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Longe de ser exceção no universo do trabalho, a informalidade opera com 36,2% da força de trabalho brasileira e na maioria das vezes cobra seu preço: condições de trabalho precárias, insegurança econômica, falta de proteção legal, aumento do risco de acidentes e acesso limitado à assistência médica estão entre os principais impactos negativos na vida de trabalhadoras e trabalhadores que constituem este setor.
Neste domingo (28), Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho, a Justiça do Trabalho, por meio do Programa Trabalho Seguro, reforça a importância de assegurar um trabalho digno e seguro a todas e todos. Apesar de configurar como fonte de renda primordial para muitas famílias, o trabalho informal não garante os mesmos direitos e proteções que o trabalho formal.
Exemplos na vida real
Muitas vezes, a falta de oportunidades formais é que levam as pessoas à informalidade no mercado de trabalho. Nessas condições, a vulnerabilidade cresce. Os exemplos são diversos. Entre eles, trabalhadores que desempenham suas atividades na rua, como camelôs e ambulantes, sujeitos à exposição ao calor e ao sol, muitas vezes sem sequer terem acesso a banheiros. São pessoas que, no curto e médio prazo, podem passar a sentir os impactos da atividade: dores de cabeça, desidratação, insolação, envelhecimento precoce e câncer de pele são riscos comuns a que esses trabalhadores estão sujeitos.
Para se ter uma ideia, em situações semelhantes, um trabalhador formal teria direito a adicional de insalubridade, nos termos da NR 15 do Ministério do Trabalho e Emprego, além de serem assegurados equipamentos de proteção individual, para minimizar os riscos da exposição ao sol e ao calor, como roupas de mangas compridas, chapéus e filtro solar.
Outro exemplo é o trabalho rural, em que também é alto o grau de informalidade, com impactos à saúde difíceis de se mapear, embora presentes e muito prejudiciais, como comenta o ministro do TST e coordenador nacional do Programa Trabalho Seguro da Justiça do Trabalho, Alberto Balazeiro. “Tem sido um desafio mensurar os impactos do uso de agrotóxicos na saúde dos trabalhadores”, alerta o magistrado.
Ele lembra, também, a situação daqueles que atuam em instalações improvisadas, como na produção de fogos de artifício e de calçados. Na atividade pirotécnica, é comum a utilização de mão-de-obra de mulheres, crianças, jovens e idosos que estão expostos ao risco de explosões que podem resultar em mortes ou sequelas. Na produção de calçados, há maquinários e mobiliário por vezes improvisados, alto nível de ruído, ventilação e iluminação inadequadas, bem como exposição das pessoas ao cheiro de cola e ao pó de couro. “São situações em que os trabalhadores tendem a desempenhar suas funções sem preparo técnico, resultando daí maior número de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, sem que possam usufruir de proteção do sistema previdenciário”, observa Balazeiro.
O ministro também ressalta o impacto na saúde mental do trabalhador, decorrente da falta de estabilidade financeira e, frequentemente, das jornadas excessivas de trabalho. “Essa ansiedade, quando excessiva, repercute na qualidade do sono, no apetite (comendo-se demais ou pouco) e na organização. Isso, por consequência, termina por repercutir também na saúde física”, pontua.
Acidentes de trabalho no Brasil
Em 2022, foram notificados 612.920 acidentes de trabalho no Brasil, de acordo com o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab). Desses, 2.538 resultaram em mortes. Os dados dizem respeito apenas a trabalhadores com vínculo empregatício regular, não englobando, portanto, o grande e complexo universo do trabalho informal. A estimativa de subnotificação de acidentes de trabalho que resultaram em afastamento previdenciário é de 115.954 casos.
Repercussão dos acidentes de trabalho na Justiça do Trabalho
Em 2023, a Justiça do Trabalho recebeu, aproximadamente, 78 mil novos processos envolvendo indenizações por dano moral vinculado a acidente de trabalho, e cerca de 60 mil envolvendo indenizações por dano material vinculado a acidente de trabalho, totalizando mais de 138 mil novos casos. Desses, 3.713 chegaram no TST.
Para o ministro Balazeiro, a atividade jurisdicional do TST nesses processos contribui para que se possa assentar padrões mínimos que assegurem saúde e segurança no trabalho. Mas, para quem está na informalidade, reivindicar direitos representa um desafio. “O fato é que, já que muitos dos ocupados no trabalho informal desenvolvem atividades em condições precárias, auferindo baixa remuneração, muitas vezes nem mesmo têm consciência dos direitos que possuem”, pondera.
Como mudar a realidade de trabalhadores informais
Balazeiro considera, entre as principais medidas necessárias para mitigar os riscos à saúde e segurança dos trabalhadores informais, a necessidade de se buscar a transição da economia informal para a economia formal, conforme consta na Recomendação 204/2015 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“É fato que essa transição envolve mudanças econômicas estruturais, que não se operam em curto espaço de tempo. Enquanto se caminha nesse sentido, há outras medidas que podem ser adotadas, tais como ampliação das atividades de inspeção do trabalho, de capacitação profissional e de cobertura de assistência à saúde e previdência social”, observa o magistrado.
Outro passo importante, destaca Balazeiro, é reconhecer que, para além do papel essencial do poder público na implementação de melhorias para a saúde e segurança dos trabalhadores informais, agentes do setor privado também podem contribuir significativamente.
“Nas últimas décadas, com a ampliação da terceirização e do fenômeno da globalização, muitos produtos finais e serviços envolvem toda uma cadeia produtiva. Em alguma etapa, essa cadeia pode contar com o trabalho informal. Assim, passa a constituir responsabilidade social da empresa cuidar da saúde e segurança no trabalho não apenas de seus empregados, mas também de todos os envolvidos na cadeia produtiva”, alerta o ministro.
Caminhos possíveis para a formalização
- Registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS): quando o trabalhador é contratado por uma empresa ou microempreendedor individual, o empregador é obrigado a registrar o seu contrato na Carteira de Trabalho. Dessa forma, a empresa procederá com o cadastro no Programa de Integração Social (PIS), registro essencial para que a pessoa trabalhadora tenha acesso a benefícios trabalhistas, como seguro-desemprego e abono salarial, e também previdenciários, como aposentadoria, auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) e salário-maternidade.
- Microempreendedor Individual (MEI): a formalização como MEI permite ao trabalhador que atua por conta própria ter um CNPJ, o que possibilita à pessoa acesso a benefícios previdenciários. Com as contribuições mensais em dia e cumprindo a carência necessária para cada benefício, o microempreendedor individual tem direito à aposentadoria programada; auxílio por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez); auxílio por incapacidade temporária e salário-maternidade. Para os dependentes, são garantidos o auxílio-reclusão e pensão por morte. Saiba mais sobre o MEI acessando o Portal do Empreendedor.
- Atuação institucional para um trabalho decente
Na Justiça do Trabalho, o Programa Trabalho Seguro, que atua há mais de uma década em políticas e campanhas de saúde e segurança, surgiu como parte do esforço coletivo para alertar e contribuir com uma resposta concreta ao alarmante número de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais no Brasil.
O programa tem buscado oferecer diversos subsídios, por exemplo, formalizando parcerias com instituições públicas e privadas, promovendo seminários e debates em ambientes acadêmicos, além de divulgação jurídica sobre o tema. “Recentemente, formalizamos convênio com a Universidade de São Paulo voltado para o desenvolvimento legislativo envolvendo as Normas Regulamentadoras nºs 1 (Disposições Gerais), 12 (Máquinas e Equipamentos) e 14 (Fornos) do Ministério do Trabalho”, adianta Balazeiro.
FONTE: TST