Com a nova ordem constitucional de 1988, o STJ e o STF reconheceram que, enquanto não for criado por lei o órgão competente para registro sindical (CF, artigo 8°, I), cabe ao Ministério do Trabalho fazer esse registro, não como antes, com discricionariedade, mas estritamente vinculado à lei, com a finalidade de cumprir a unicidade sindical assegurada no artigo 8º, II, da Constituição Federal.
Com isso, o papel ministerial é de receber os pedidos de registro sindical e, em observância ao referido princípio da unicidade sindical, exigir a documentação necessária do interessado e abrir prazo para impugnações, se houver (cf. Portaria nº 17.593/2020 do Ministério da Economia, que dispõe sobre os procedimentos administrativos para o registro de entidades sindicais).
Não havendo impugnação e estando em ordem formal a documentação juntada pelo interessado, e observada a unidade sindical, ele emitirá o registro sindical.
Havendo impugnação e estando em ordem formal a documentação juntada pelo interessado, o Ministério do Trabalho instará as partes divergentes a solucionarem o conflito, que poderá resultar de autocomposição, mediação ou arbitragem, cabendo a escolha aos interessados.
Não havendo solução amigável para o conflito, sua tarefa estará concluída, cabendo aos interessados buscarem solução judicial ou por meio da arbitragem. É dizer, o Estado, administrativamente, está proibido pelo artigo 8º, caput, da CF de interferir sobre categorias e bases territoriais, tanto que deixou de existir a antiga Comissão de Enquadramento Sindical, que era encarregada de resolver questões inerentes às disputas de representações sindicais.
Assim, na nova ordem constitucional brasileira a partir de 1988, somente ao Estado-juiz cabe dizer se uma categoria deve existir ou não. Na nova ordem constitucional cabe, se for chamado, ao Estado-juiz resolver conflitos de representação sindical, e não mais ao Estado-Administração, como ocorria antes de 1988.
Isso porque "É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um município" (grifos do autor).
Pela CF, respeitada a unicidade sindical e a área de um município, quem decide sobre a organização sindical são os trabalhadores e/ou empregadores interessados, conforme o caso, respeitada a unicidade sindical. É a assembleia dos interessados que decidirá como querem se organizar.
Quando da criação, fusão ou desmembramentos de sindicatos, pode, na prática, surgirem conflitos, o que será resolvido pelas vias formais próprias e, se for o caso, até por decisão judicial, mas nunca pelo Estado-Administração, que, com a CF de 1988, passou a fazer o registro sindical vinculado estritamente aos comandos constitucionais e legais, e não mais como antes, de forma discricionária.
Essas balizas foram firmadas pelo STF logo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, como ilustra a decisão seguinte:
"EMENTA: I. Mandado de injunção: ocorrência de legitimação 'ad causam' e ausência de interesse processual. 1. Associação profissional detém legitimidade 'ad causam' para impetrar mandado de injunção tendente a colmatação de lacuna da disciplina legislativa alegadamente necessária ao exercício da liberdade de converter-se em sindicato (CF, artigo 8). 2. Não há interesse processual necessário a impetração de mandado de injunção, se o exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa constitucional da requerente não esta inviabilizado pela falta de norma infraconstitucional, dada a recepção de direito ordinário anterior. II. Liberdade e unicidade sindical e competência para o registro de entidades sindicais (CF, artigo 8, I e II): recepção em termos, da competência do Ministério do Trabalho, sem prejuízo da possibilidade de a lei vir a criar regime diverso. 1. O que é inerente à nova concepção constitucional positiva de liberdade sindical e, não a inexistência de registro público — o qual é reclamado, no sistema brasileiro, para o aperfeiçoamento da constituição de toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado —, mas, a teor do artigo 8, I, do texto fundamental, 'que a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato': o decisivo, para que se resguardem as liberdades constitucionais de associação civil ou de associação sindical, e, pois, que se trate efetivamente de simples registro — ato vinculado, subordinado apenas à verificação de pressupostos legais —, e não de autorização ou de reconhecimento discricionários. 2. A diferença entre o novo sistema, de simples registro, em relação ao antigo, de outorga discricionária do reconhecimento sindical não resulta de caber o registro dos sindicatos ao Ministério do Trabalho ou a outro oficio de registro público. 3. Ao registro das entidades sindicais inere à função de garantia da imposição de unicidade — esta, sim, a mais importante das limitações constitucionais ao princípio da liberdade sindical. 4. A função de salvaguarda da unicidade sindical induz a sediar, 'si et in quantum', a competência para o registro das entidades sindicais no Ministério do Trabalho, detentor do acervo das informações imprescindíveis ao seu desempenho. 5. O temor compreensível — subjacente à manifestação dos que se opõem à solução —, de que o hábito vicioso dos tempos passados tenda a persistir, na tentativa, consciente ou não, de fazer da competência para o ato formal e vinculado do registro, pretexto para a sobrevivência do controle ministerial asfixiante sobre a organização sindical, que a Constituição quer proscrever — enquanto não optar o legislador por disciplina nova do registro sindical —, há de ser obviado pelo controle jurisdicional da ilegalidade e do abuso de poder, incluído a omissão ou o retardamento indevidos da autoridade competente" (MI 144 — Tribunal Pleno - relator ministro SEPÚLVEDA PERTENCE — 3/8/1992 — grifos do autor).
A Súmula nº 677 do STF consubstancia esse entendimento ("Até que lei venha a dispor a respeito, incumbe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade").
RAIMUNDO SIMÃO DE MELO é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos.
FONTE: REVISTA CONSULTOR JURÍDICO/CONJUR