IMAGEM: ET BUREAU/THE ECONOMIC TIMES

 

Aprovada na 42ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, a Convenção nº 111 da OIT [1], em seu artigo 1o, conceitua discriminação como "toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão; bem como, qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão (...)".

Assim, discriminar, no Direito do Trabalho, é negar ao trabalhador a igualdade garantida constitucionalmente para a admissão, contratação ou extinção do contrato de trabalho. Esta garantia de igualdade limita o poder de direção do empregador, que não pode dispensar ou deixar de contratar um empregado por motivos arbitrários.

No entanto, infelizmente, ainda em nossos dias, a discriminação, especialmente, a etária (por idade) ocorre com muita frequência no mercado de trabalho.

Segundo pesquisa do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em 2021, dos 210 milhões de brasileiros, 37,7 milhões são pessoas idosas (com 60 anos ou mais), sendo que dessa população, 18,5% ainda trabalham e 75% contribuem para a renda de onde moram. Em 2030, de acordo com dados do Ministério da Saúde, o Brasil terá a quinta população mais idosa do mundo e, pelos dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), metade da força de trabalho do Brasil terá mais de 50 anos até 2040.

Diante disso, é essencial que a Justiça do Trabalho puna de forma exemplar o preconceito por idade, também chamado de discriminação etária; discriminação generacional; etaísmo; etarismo; ou, velhofobia.

Afinal, muitas pessoas já se viram desclassificadas ao disputar uma vaga de emprego ou ao concorrer a uma promoção por terem idade superior ao de seus concorrentes; ou ainda, dispensadas porque o empregador deseja que a empresa tenha uma imagem ou uma aparência "mais jovem".

Em recente decisão, a 8ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho determinou a reintegração de um empregado que foi dispensado em razão de discriminação etária. No caso, a empregadora dispensou 110 trabalhadores, escolhidos em razão de ter idade suficiente para se aposentar pelo INSS, sob a justificativa de estar enfrentando dificuldades econômicas. No entendimento da empresa, esta seria uma oportunidade de redução de despesas com o menor dano social, já que tais trabalhadores teriam outra fonte de renda permanente.

O relator do recurso de revista, ministro Agra Belmonte, entendeu que tal dispensa deveria ser considerada nula por abuso de direito e ilegalidade, por restar comprovado que a empresa pretendia desligar empregados com idade avançada de seu quadro de pessoal, em clara discriminação etária:

"ACÓRDÃO DO REGIONAL PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO DO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Deixa-se de analisar a preliminar nesta fase processual, em face da possibilidade de conhecimento do recurso de revista quanto ao tema de mérito. II – RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE NULIDADE DO ACÓRDÃO DO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Deixa-se de apreciar a preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional arguida por vislumbrar êxito na análise do mérito recursal, conforme autorizado pelo art. 282, § 2º, do CPC/2015. DISPENSA COLETIVA BASEADA EM CRITÉRIO DE APOSENTADORIA E APTIDÃO PARA A APOSENTADORIA. A lide versa sobre o reconhecimento de possível dispensa discriminatória em razão da idade. A Corte Regional manteve a r. sentença que considerou válida a dispensa do reclamante, ao fundamento de que “a motivação adotada pela reclamada para proceder à dispensa do autor não foi discriminatória visto que aplicado o critério do menor impacto” (pág. 2.169), considerando, ainda, que ficou demonstrada a precariedade financeira do grupo econômico, apta a ensejar as dispensas ocorridas. O quadro fático retratado pelo Regional revela que o reclamante foi admitido em 17/12/1986 e dispensado sem justa causa em 28/3/2006, quando a empresa promoveu uma dispensa coletiva de 110 empregados, cuja motivação se assentou na “sustentabilidade econômico-financeira da Companhia reclamada, que alega, em defesa, a necessidade de redução da folha de pagamento, optando, para tanto, selecionar pessoas que tivessem renda e sustento (INSS e complementação de aposentadoria) como alternativa de menor impacto social.” (pág. 2.161). O Regional salientou, ainda, que o critério utilizado fundou-se no menor dano-social e não em critério de discriminação pela idade, salientando que “empregados com idades aproximadas obtiveram tratamento diferente, conforme estivessem ou não em condições de se aposentar, ou já aposentados.”. O art. 1º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos determina que "os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social." A Convenção 111 da OIT sobre discriminação em matéria de emprego e ocupação, por sua vez, dispõe que os Estados-membros para os quais esta convenção se encontre em vigor devem formular e aplicar uma política nacional que tenha por fim promover, por métodos adequados às circunstâncias e aos usos nacionais, a igualdade de oportunidade e de tratamento em matéria de emprego e profissão, com objetivo de eliminar toda discriminação nessa matéria. O art. 6º da Convenção 168 da OIT, relativa à promoção do emprego e proteção contra o desemprego, dispõe: 'Todos os Membros deverão garantir a igualdade de tratamento de todas as pessoas protegidas, sem discriminação com base na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional, nacionalidade, origem étnica ou social, deficiência ou idade.' O art. 1º da Lei Federal 9.029/95, por sua vez, veda a adoção de quaisquer práticas discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, dentre outros. As empresas estatais, quando atuam na exploração de atividade econômica, submetem-se a regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. Assim, não passam ao largo da proibição de prática de conduta discriminatória, conforme se extrai do art. 173, §1º, da Constituição Federal. Do arcabouço jurídico elencado, observa-se a notável 'diretriz geral vedatória de tratamento diferenciado à pessoa em virtude de fator injustamente qualificante', máxime no âmbito das relações trabalhistas. Na hipótese dos autos, é assente que a saída do autor foi resultante de dispensa coletiva que recaiu sobre os empregados já aposentados ou na iminência de se aposentar, justificada pela existência de fonte de renda diversa. Segundo posto no voto vencido, é evidente, no caso, que a recuperação da sustentabilidade econômico-financeira das reclamadas não dependia da redução da folha de pagamento. Com efeito, a documentação juntada aos autos demonstra que a dita sustentabilidade já havia sido recuperada antes da despedida do autor. 'Não erige do v. acórdão recorrido outra conclusão se não a de que a ora ré PRETENDEU DESLIGAR EMPREGADOS COM IDADE AVANÇADA DE SEU QUADRO FUNCIONAL. São notórios a ILEGALIDADE E O ABUSO DE DIREITO no ato perpetrado pela CEEE, sendo insofismável então que A IDADE AVANÇADA DO AUTOR SE CONSTITUIU COMO ÚNICO FATOR PARA SEU DESLIGAMENTO, sob o pretexto de que o critério utilizado fundou-se no menor dano-social, importando OFENSA AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, não havendo como ser chancelado pelo Poder Judiciário, impondo a declaração de sua nulidade, sob pena de considerar o empregado, após longos anos de dedicação ao trabalho, como mero custo a ser extirpado do balanço financeiro/contábil da empresa. Portanto, o v. acórdão recorrido, mediante o qual se concluiu que a dispensa do reclamante não possui caráter discriminatório, não sendo passível de reconhecimento de nulidade, não se mostra consentâneo com a jurisprudência do c. TST e com o ordenamento jurídico. Conheço, pois, do recurso de revista por afronta aos arts. 1º, III, da Constituição Federal e 373-A, II, da CLT." (PROCESSO Nº TST-RRAg-20665-84.2017.5.04.000)

Portanto, mesmo que a justificativa tenha sido o "menor dano social possível", restou comprovado que a dispensa se deu por um único motivo, o etarismo.

Ora, a dispensa fundada decorrente da idade do trabalhador violou seus direitos, sua dignidade, caracterizando-se como discriminatória, nula e decorrente de abuso de direito. Assim, o direito à reintegração ou o recebimento em dobro do período de afastamento, nos termos da Lei nº 9.029/95, bem como o direito à indenização por dano moral são devidas, devendo a prática de atos discriminatórios ser reprimida pela Justiça e por toda a sociedade.

 

[1] Convenção nº 111, DISCRIMINAÇÃO EM MATÉRIA DE EMPREGO E OCUPAÇÃO (Aprovada na 42a reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra-1958), entrou em vigor no plano internacional em 15/6/60. No Brasil, foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº 104, de 24/11/64; ratificada em 26 de novembro de 1965; promulgada pelo Decreto nº 62.150 de 19/1/68 e entrou em vigência nacional em 26 de novembro de 1966).

FABÍOLA MARQUES - é advogada, professora da PUC na graduação e pós-graduação e sócia do escritório Abud e Marques Sociedade de Advogadas.

FONTE: REVISTA CONSULTOR JURÍDICO/CONJUR