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Contrafactual. Essa é das palavras mais importantes em economia aplicada. A ideia é que os efeitos de políticas públicas são estimados pela diferença entre o que aconteceu e o que deveria ter acontecido, se não houvesse a intervenção a ser estudada.
Rodrigo Zeidan*
No caso da pandemia no Brasil, os resultados são claros: o governo brasileiro foi um dos piores do mundo na luta contra a covid. Dezenas de milhares de brasileiros morreram desnecessariamente. A lista de erros é quase infinita: gripezinha, venda de curas milagrosas, “não vai ter segunda onda”, briga com governadores, defenestração de ministros, corrupção na compra de máscaras e respiradores, desincentivo às medidas de distanciamento social, reação ao auxílio emergencial, atraso na compra de vacinas, discursos negacionistas e muito mais.
E não faltam evidências científicas dos efeitos nefastos do governo. Ajzenman e coautores mostraram que a retórica anticientífica do presidente brasileiro enfraqueceu o distanciamento social no Brasil, algo ainda mais danoso quando a vacina estava para chegar. Esse resultado foi corroborado por Bursztyn e colegas, assim como Block Jr. e coautores.
O discurso do Ministério da Economia de que não iria ter segunda onda em novembro de 2020, quando as vacinas estavam para serem aprovadas, parece criminoso, assim como as 11 recusas do governo em fechar contratos de vacinas com os principais fabricantes mundiais. Quantas vidas teriam sido salvas pelos 70 milhões de doses da vacina da Pfizer que o governo deixou de comprar quando mais precisávamos?
A isso se soma o papel do populismo na disseminação do discurso anticientífico, como mostram Peci e outros. O resultado é inequívoco. Almeida e coautores estimam o efeito da retórica populista no comportamento dos brasileiros e encontram que, a cada ataque a medidas de distanciamento social, a taxa de transmissão do vírus aumentava. A cada avanço contra os governos estaduais, mais gente morria de covid-19.
O Brasil não foi o único país do mundo a ter políticas de combate à pandemia recalcitrantes. Mas foi o único país a sofrer com a disseminação da variante Bolsonaro da covid-19. Os autores mostram que a variante Bolsonaro dominou todas as outras durante 2021; parece que mais gente morreu por essa que pela delta e pela ômicron. Mais de 300 mil mortes poderiam ter sido evitadas por gestão feijão com arroz.
Bastaria um governo federal que coordenasse medidas de distanciamento social e vacinação em massa. Um governo minimamente competente, com preocupação com aumento nas taxas de transmissão, requerimento de máscaras, especialmente antes de as vacinas ficarem prontas, e comunicação efetiva não seria diferente do que teve a maioria dos outros países.
Entretanto, em cada estágio da pandemia, o governo brasileiro atuou contra a população. É esse o legado que deve estar na cabeça de cada brasileiro na eleição de outubro.
Não faltam estudos para corroborar o desastre do governo federal brasileiro na gestão da pandemia. O governo tenta comprar a eleição por meio de uma PEC Kamikaze, mas não podemos esquecer que o desastre do presidente vai muito além da inflação de 2 dígitos e de milhões de brasileiros passando fome.
Realmente, o presidente não é coveiro. Se fosse, ia ter que trabalhar 24 horas por dia para enterrar os mortos pelas suas políticas incompetentes. E provavelmente só acabaria no século que vem.
(*) Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ. Publicado originalmente na Folha de S.Paulo, sexta-feira (22)
FONTE: DIAP