No início do ano, a OCDE, pela primeira vez, criou um grupo de trabalho especialmente dedicado ao monitoramento da corrupção no Brasil. A entidade citou preocupação com o fim "surpreendente" da Lava Jato, o uso da lei contra abuso de autoridade e as dificuldades no compartilhamento de informações de órgãos financeiros para investigações, segundo revelou a BBC Brasil.
As apreensões só aumentaram, diz Drago Kos. "Estou preocupado com o Brasil", disse o esloveno.
"O Brasil era um caso típico de um país altamente corrupto, que explodiu, no sentido positivo, provando, com a Lava Jato, que estaria disposto a lidar até com os casos mais difíceis de corrupção."
Segundo ele, esse "entusiasmo na luta contra corrupção" parece estar desaparecendo, levando-se em conta acontecimentos recentes. Ele citou especificamente a proposta de mudanças no Conselho Nacional do Ministério Público, que poderia enfraquecer o poder do órgão.
"A quantidade de problemas no Brasil está aumentando: os últimos foram as mudanças propostas para o conselho superior do Ministério Público, além de acusações de corrupção envolvendo políticos importantes no país."
"Se você me perguntasse há três ou quatro anos sobre o combate à corrupção no Brasil, eu teria uma resposta muito simples: o Brasil é um dos melhores, provou que pode ir do zero na luta contra corrupção para 100% e isso podia ser dito sobre todas as instituições do país. Agora, há apenas alguns indivíduos e uma ou duas instituições engajadas no combate à corrupção."
O chefe do grupo da OCDE advertiu que o aumento da corrupção tem efeitos devastadores na economia, e isso também vai acontecer no Brasil. "Talvez não seja tão visível, porque vocês também estão lidando com consequências da pandemia, mas o aumento da corrupção no Brasil tem um papel na piora da situação econômica brasileira".
O Brasil enfrenta inflação acumulada superior a 10% e as projeções de crescimento para 2022 já estão abaixo de 1%.
Indagado sobre a possibilidade de o Brasil iniciar o acesso à OCDE no ano que vem, ele disse ser impossível, por causa dos procedimentos necessários para o processo. "Teremos que esperar mais alguns anos para a entrada do Brasil", disse.
"Eu já vi países com menos problemas, e problemas menos importantes, que foram barrados. Mas já vi países com problemas maiores que o Brasil que receberem sinal verde. Depende dos estados-membros", disse Kos.
"Mas os critérios dos estados membros se tornaram mais rígidos recentemente, nós realmente não queremos ter maus alunos na classe. Já temos um número suficiente de maus alunos, não precisamos de mais um."
Indagado pelo moderador, o diretor-geral da Fundação FHC, Sérgio Fausto, se os abusos da Lava Jato, como o uso indiscriminado de delação premiada, foram uma das causas do retrocesso no combate à corrupção, Kos afirmou: "Isso sempre acontece, quando há uma instituição muito eficiente no combate à corrupção, o império, ou seja, os corruptos, contra-atacam. Na Romênia aconteceu algo muito semelhante", disse.
Ele disse esperar que policiais, juízes e promotores que combatem a corrupção respeitem a lei 100% do tempo. Mas afirmou que, por enquanto, ouviu apenas rumores, e vai esperar que as investigações sejam concluídas.
"Vi comunicações entre juízes e promotores, que podem ser entendidas como não muito éticas, mas, mesmo assim, não acho que isso seja um argumento forte o suficiente para dizer que todo o processo [da Lava Jato] era corrupto e juízes e promotores estavam violando a lei e abusando de seu poder. Acho que precisamos esperar por elementos mais concretos."
Chile, México e Colômbia são os únicos países da América Latina que conseguiram entrar na OCDE.
FONTE: FOLHA DE S.PAULO