Os 18 portos públicos do Brasil administrados por companhias docas aplicaram apenas 36,7% (R$ 8,3 bilhões) do total de R$ 22,6 bilhões previstos no orçamento da União para o setor nos últimos 25 anos. O Porto de Santos, no litoral paulista, maior porta de entrada e saída do comércio exterior brasileiro, lidera o ranking com uma perda de R$ 3,9 bilhões. Os dados estão reunidos em um levantamento encomendado pela Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (ABTRA).
O estudo “Em Busca de Mar Calmo” traça um diagnóstico dos avanços e limitações operacionais do sistema portuário brasileiro desde a edição, em 1993, da chamada Lei de Modernização dos Portos, até os dias de hoje. O trabalho ainda inclui uma pauta de reivindicações, que está sendo entregue aos candidatos à Presidência da República, políticos e autoridades dos principais estados portuários.
Segundo o levantamento, o Governo Federal havia previsto um aporte de verbas de R$ 22,6 bilhões para investimentos em obras nos 18 portos públicos administrados pelas companhias docas federais, em valores de dezembro de 2017. Porém, os repasses efetivos ficaram limitados a R$ 8,3 bilhões, causando, portanto, uma redução de R$ 14,3 bilhões.
A Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), que administra o Porto de Santos, registrou a maior perda financeira, de R$ 3,9 bilhões, com a taxa de eficiência orçamentária média de somente 41,63%.
A segunda maior perda financeira coube à Companhia Docas do Rio de Janeiro (CDRJ), com o valor de R$ 3,3 bilhões, cerca de 37,52% do que havia sido programado. A Companhia Docas do Rio Grande do Norte (Codern) também teve destaque, com eficiência orçamentária de 41,52%, assim como a Companhia Docas do Ceará (CDC), com 40,51%.
O valor de R$ 8,3 bilhões liberado para investimentos nos portos correspondeu a apenas 0,51% do total de R$ 1,6 trilhão repassado para todas as empresas estatais federais.
Segundo apontado pelo levantamento, entre as justificativas para os cortes de investimentos, está o atraso na execução de obras por força de revisão de projetos ou em função de problemas na aprovação de licenças ambientais. A não realização das benfeitorias no prazo estabelecido resulta na perda do recurso previsto para o exercício.
Em contrapartida, a movimentação de cargas nos portos tem crescido nos últimos anos, principalmente no Porto de Santos. A grande concentração fica em cinco dos 37 portos marítimos do Brasil, sendo que, desses cinco, apenas o cais santista figura como unidade portuária vinculada diretamente ao Governo Federal. As demais (Portonave, Paranaguá, Rio Grande e Embraport) são unidades privadas ou delegadas.
Os cinco principais complexos exibem excelente desempenho em relação a 1993, época da promulgação da Lei de Modernização dos Portos. O de Santos exibiu uma expansão de 265,99%, entre 1993 e 2017; a evolução de Itaguaí foi de 108,43%; a de Paranaguá, 203,32%; a do Rio Grande, 141,29%; enquanto o Porto de Suape alcançou 1.093,38%.
Em 2017, a Codesp apresentou um movimento de cargas de 129,8 milhões de toneladas, um avanço de 14,1% na comparação com 2016 (17,9 milhões de toneladas). O Porto de Santos representa 28% das transações comerciais brasileiras no comércio exterior.
Porto de Santos
O levantamento da ABTRA também apontou a liberação de recursos de acordo com os mandatos presidenciais.
No Porto de Santos, quando Fernando Henrique Cardoso estava no governo, a Codesp utilizou R$ 1.089.677.109 de R$ 1.936.702.083 previsto inicialmente, uma perda de 56,26%. Entre 2003 e 2010, durante o governo de Luis Inácio Lula da Silva, foram utilizados R$ 520.495.904 de R$ 1.965.938.975 previsto, ou seja, apenas 26,48%.
Na gestão de Dilma Rousseff, entre 2011 e 2016, de R$ 2.665.866.807 previstos, o maior aporte entre todos os mandatos, foi investido R$ 1.147.128.725, cerca de 43,03%. Já no governo de Michel Temer, em 2017, estava previsto um montante de R$ 267.693.752, mas foram utilizados apenas 33,21%, cerca de R$ 88 milhões.
Para Bayard Freitas Umbuzeiro Filho, presidente do Conselho de Administração da ABTRA, mesmo com a perda financeira, o cais santista continuou crescendo, segundo ele, graças à iniciativa privada.
"Para que elas [companhias docas] possam utilizar esse dinheiro, não basta estar no orçamento, é necessário que o Governo Federal desbloqueie essa verba. O empresariado fez a sua parte, e as companhias docas ficam reféns do Governo Federal", afirmou.
Reivindicações
O estudo está sendo entregue aos candidatos à Presidência da República, políticos e autoridades dos principais estados portuários. O documento, além dos dados, ainda inclui uma pauta de reivindicações.
“Para que eles tomem atento daquilo que estamos precisando. Nós fizemos a nossa parte, o governo é que deixou de fazer, e muito, tudo aquilo que o Brasil precisa" disse Bayard.
Os empresários do setor pedem que, na elaboração do Programa Geral de Displêndidos das Empresas Estatais, produzido pelo Governo Federal, as companhias docas tenham uma participação mínima de 5% no valor global, e que a União assuma uma programação mínima de investimentos entre os anos de 2019 e 2022.
"O que nós temos é que foi utilizada, nesses últimos 25 anos, uma quantia irrisória, menos de 1% do previsto no orçamento do Governo Federal. É impossível ter uma eficiência como a gente necessita, por conta da iniciativa privada”, disse o presidente da ABTRA.
Outro pedido refere-se à gestão portuária. Os empresários pedem que o Governo Federal promova um amplo diagnóstico econômico-financeiro das companhias docas federais, e determine o que pretende fazer diante da situação. Eles também pedem alterações na Lei nº 10.893/2004, permitindo a utilização de parte do Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) para a realização de serviços de dragagem.
A quarta e última reivindicação é quanto à segurança jurídica. Os empresários pedem que os assuntos mais complexos dos portos sejam tratados apenas sob a ótica das leis, por ter sido detectado o uso exagerado de decretos e resoluções que geram transtornos na aplicação prática.
“Há necessidade de um plano estrutural para o sistema portuário nacional. Não é só Santos, é o Brasil inteiro. Para que sejam realizadas obras de infraestrutura. A gente vê a dificuldade das rodovias, o custo do frete, linhas férreas paradas. Você tem que escoar para a exportação, e tem que chegar a um porto”, afirma o presidente da ABTRA.
Outro lado
Em nota, a Codesp informou que aplicou todos os recursos enviados pelo Governo Federal para investimentos no Porto de Santos. O fato dos valores estarem previstos no orçamento não significa que tenham sido disponibilizados para investimentos.
Já o Ministério dos Transportes, Portos e Aviação, também por meio de nota, disse que é importante esclarecer que há questões transversais nas companhias docas que afetam os investimentos como um todo. A "judicialização excessiva" e o "intrincamento da malha normativa" são dois fatores que diminuem o ritmo de execução orçamentária. Além disso, existe também a judicialização dos contratos de dragagem de aprofundamento, como o do Porto de Santos, que gerou uma disputa judicial em torno das garantias oferecidas pela primeira colocada na licitação pública.
No Porto do Rio, a dragagem de R$ 100 milhões contratada pela CDRJ já terminou, mas o pagamento à empresa responsável pelos trabalhos ficou meses suspenso por ausência de aprovação de todos os órgãos responsáveis. Mesmo com a aprovação do Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) e de fiscais da própria companhia docas, ainda faltava o aval da Marinha para liberação.
Ainda segundo o ministério, a demora para o acerto de contas faz com que as empresas prestadoras de serviços acabem embutindo o custo do atraso no valor dos contratos assinados com a União. Em 2017, os investimentos do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil em portos e hidroviasforam de R$ 496 milhões. Já de janeiro a julho deste ano, já foram investidos R$ 321,8 milhões.
Fonte: G1