Empresas e trabalhadores terão mais dificuldade para ter seus processos analisados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a partir da entrada em vigor da reforma trabalhista (Lei nº 13.467) no dia 11. Os ministros da Corte passarão a adotar o polêmico filtro de processos chamado de "princípio da transcendência".
Com o novo mecanismo, serão apenas admitidos recursos com relevância econômica (alto valor da causa), política (violação de jurisprudência sumulada do TST ou do Supremo Tribunal Federal), social (tratar de direitos constitucionalmente assegurados) ou jurídica (questão nova sobre interpretação da legislação trabalhista).
O ministro sorteado como relator do processo será o responsável por avaliar se estão presentes esses critérios. Em caso de recurso de revista, se a decisão for desfavorável, ainda caberá recurso à turma do TST. Para agravo de instrumento em recurso de revista - cerca de 80% do que chega ao tribunal-, a decisão será irrecorrível, segundo a nova lei. O agravo é utilizado quando a segunda instância nega o encaminhamento do recurso ao tribunal superior.
"A transcendência vai limitar o acesso ao TST porque serão julgados temas e não casos. Se não formos mais radicais na limitação, será impossível cumprirmos a nossa missão", afirma o presidente do TST, ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho. De acordo com ele, os recursos de revista que ingressarem a partir de 11 de novembro já serão julgados com base no princípio. "Não tem sentido um tribunal superior como o TST ter 250 mil processos para julgar. Você fica só represando processos."
O princípio da transcendência não é novo. Foi estabelecido pela Medida Provisória nº 2.226, em 2001. Com a ferramenta, o objetivo, na época, era reduzir em 70% o volume processual no TST. Contudo, o instrumento nunca chegou a ser regulamentado pelos ministros. Os magistrados formaram comissões para a implementação e desistiram por entender que seria incompatível na Justiça do Trabalho. Levaram em consideração o fato de cada processo conter, geralmente, mais de dez pedidos, o que dificulta a seleção de um deles.
Em 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) chegou a analisar uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra o mecanismo. Os ministros negaram o pedido e autorizaram o uso do filtro pela Justiça do Trabalho. Agora, o princípio da transcendência está previsto no artigo 896-A da Lei nº 13.467.
De acordo com o presidente do TST, no regimento interno já existem as adaptações necessárias ao novo Código de Processo Civil e também à reforma trabalhista que permitem o uso imediato do princípio da transcendência. "A transcendência é um filtro melhor que a repercussão geral. Você já diz o que vai julgar ou não e não deixa um monte de processos sobrestados", diz.
O novo filtro deve ser benéfico para os trabalhadores e empresas, na opinião do ministro. "É bom para o trabalhador porque 80% dos recursos são dos empregadores. E também para a empresa. Ela mesma vai fazer uma análise se o que está gastando com o processo compensa o que está deixando de pagar para o trabalhador", afirma.
Advogados trabalhistas, porém, estão receosos com a aplicação do filtro. Segundo o advogado James Siqueira, do Augusto Siqueira Advogados, há uma preocupação dos que militam no direito do trabalho de que exista um esvaziamento de recursos no TST. Hoje, acrescenta, a maioria dos recursos - cerca de 70% - já tem sua admissão negada.
Para chegar ao TST o recurso de revista tem que ser admitido pela segunda instância. Em caso de decisão desfavorável, há possibilidade de agravo ao tribunal superior, que agora ficará apenas nas mãos do relator.
O fato, aliado à determinação de que os recursos de revista ficarão limitados às turmas preocupa especialistas. "Podemos ter casos semelhantes julgados por turmas diferentes, que poderão divergir e não caberá recurso. Não podemos esquecer que temos oito turmas", diz Siqueira.
Outra preocupação é que o artigo que normatizou o princípio da transcendência na nova lei trata do tema de forma geral e sucinta, sem se aprofundar. "Acho um pouco arriscado deixar essa decisão apenas nas mãos do relator, quando se trata de agravo. O relator terá total discricionariedade para decidir sobre a transcendência", afirma o advogado Aldo Martinez Neto, sócio do Santos Neto Advogados.
Segundo o advogado, os critérios são muito subjetivos e dependerão do juízo de cada ministro, além do que está previsto também que podem existir outros pressupostos, sem discriminá-los. "Tudo isso traz insegurança jurídica, pelo menos em um primeiro momento", diz.
Ainda fica a questão se os ministros deverão analisar se estão presentes todos os requisitos previstos na lei ou se apenas um bastaria, segundo o advogado. "Por via das dúvidas, vou tentar enfrentar todos eles nos meus recursos", afirma o advogado.
O princípio da transcendência, com essa regulamentação, pode até gerar efeito inverso, na opinião de Martinez Neto, e aumentar o número de recursos no TST. Isso porque, com a entrada em vigor da reforma trabalhista que alterou mais de cem artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), muitos recursos deverão tratar de nova interpretação da lei, um dos pressupostos para a transcendência. "Ainda poderá haver esse efeito colateral."
Para o advogado Ronaldo Tolentino, do escritório Ferraz dos Passos, a nova regulamentação é muito vaga e traz insegurança jurídica. "É de uma subjetividade muito grande. Vai acabar sendo analisado caso a caso, o que não é salutar. O Judiciário tem que ter previsibilidade."
Fonte: Valor Econômico