O juiz do Trabalho Marcelo Azevedo Chamone diz que o ano de 2017 foi marcado pela “infame” Lei da Reforma Trabalhista, analisada a toque de caixa, que deixa para 2018 incertezas e insegurança jurídica.

“Jurisdicionados e advogados aguardam uma definição do que efetivamente será dessa reforma”, afirma.

Segundo Chamone, a lei –complementada por medida provisória– tem “o manifesto propósito de cortar excessos do Judiciário Trabalhista e trazer maior estabilidade às relações trabalhistas”.

No seu entender, “trouxe, na prática, muita polêmica”.

Remanesce para 2018 a esperança de um rápido processamento de uma dezena de Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, que, ao final, poderá revelar “um quadro totalmente diverso daquele que temos hoje”.

“Será um ano longo e sem falta de novidades e temas para debate”, prevê o magistrado.

Marcelo Azevedo Chamone é Juiz do Trabalho e vice-presidente da AMATRA-2 (Associação dos Magistrados do Trabalho da 2a Região). A entidade representa os magistrados de São Paulo (capital), região metropolitana e Baixada Santista.

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O ano de 2017 foi bastante atribulado para a Justiça e o Direito do Trabalho.

Tivemos que continuar vivendo com as recorrentes dificuldades orçamentárias e as incessantes desinformações e mentiras espalhadas para fundamentar uma campanha contra a Justiça do Trabalho – não, ela não é invenção nem exclusividade brasileira e nem concentra mais da metade das ações trabalhistas no mundo.

Além disso, foi promulgada a infame Lei da Reforma Trabalhista (Lei n. 13.467, complementada pela MP 808), alterando diversos pontos da CLT com o manifesto propósito de cortar excessos do Judiciário Trabalhista e trazer maior estabilidade às relações trabalhistas. Trouxe, na prática, muita polêmica.

Questionada por uma dezena de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) no STF e cheia de lacunas, a lei teve seu texto analisado a toque de caixa e sem debates, vindo impregnada de incertezas e inseguranças quanto à interpretação a ser dada tanto nos aspectos processuais quanto nos materiais.

Esse quadro causou uma corrida à distribuição de novas ações, inflacionando os números nas semanas que antecederam o dia 11 de novembro, e uma retração no período posterior enquanto jurisdicionados e advogados aguardam uma definição do que efetivamente será dessa reforma.

Um dos pontos mais emblemáticos foi a alteração das regras relacionadas à assistência judiciária, o que já tem se mostrado como principal fator de inibição ao ajuizamento de novas ações, causando uma redução artificial de novos casos – não há menos violações à lei, mas receio das consequências financeiras (pagamento de custas e honorários) caso não se consiga provar a ilegalidade ou se trate de matéria de interpretação controvertida nos tribunais.

Se é certo que há (havia?) um déficit de conteúdo ético em muitos dos processos trabalhistas (tanto por parte dos empregados quanto dos empregadores), alimentado inclusive por uma renitência de juízes (sobretudo nos tribunais) em aplicar sanções por litigância de má fé, o texto reformador claramente foi além em diversos pontos – é sintomático que este tenha sido precisamente o único objeto da ADI ajuizada pela Procuradoria-Geral da República questionando a nova lei.

Outro ponto de destaque, o trabalho intermitente é colocado como solução para o aumento da formalidade do trabalho (idealmente deveria absorver os trabalhadores eventuais), mas por outro lado é demonização como meio de redução de padrão salarial com alteração dos contratos daqueles empregados hoje registrados por tempo integral.

Trata-se do ponto mais poroso da reforma, cheio de inconsistências e omissões, parcialmente emendadas pela MP 808.

O mais provável é que ambas as previsões se concretizem, a depender muito mais do perfil e índole do empresário (se “cliente” habitual da Justiça do Trabalho ou preocupado em aplicar corretamente as regras legais) do que da própria regulamentação, se será utilizado como meio de formalização ou precarização das relações de emprego. Este tema deixa bastante claro que o propósito de aumento da segurança jurídica não foi alcançado, nem sequer minimamente.

Outro ponto polêmico, e onde mais uma vez a reforma se mostra capenga, é o tabelamento dos danos morais. Muito embora um pouco amenizada pela MP 808, o principal defeito permanece.

Nos sistemas estrangeiros onde há tabelamento do valor das indenizações a regulamentação é acompanhada pela instituição de um seguro coletivo, objetivação da responsabilidade (desconsidera-se se o empregador agiu ou não com culpa) e o prêmio pago pelo empregador varia de acordo com a ocorrência (ou não) de sinistros.

A reforma trouxe apenas o tabelamento, deixando de fora todos os demais mecanismos de fechamento daquele sistema, criando uma regulamentação perversa que ao invés de incentivar a prevenção estimula a incorporação do valor da indenização nos custos da empresa.

Remanesce para 2018 a esperança de um rápido processamento das ADIs, superando-se este momento de incertezas, e a revelação do texto final da conversão da MP 808 em lei, vez que conta com mais de 800 emendas apresentadas por deputados e senadores, e ao final poderá apresentar um quadro totalmente diverso daquele que temos hoje.

Será um ano longo e sem falta de novidades e temas para debate.

 

Fonte: Blog Interesse Público / Folha de S. Paulo