IMAGEM DE ARQUIVO/AGÊNCIA BRASIL
O aumento de vagas com carteira assinada nos últimos meses em meio à pandemia, registrado pelo Ministério da Economia, pode não ser tão bom quanto parece, diz Daniel Duque, pesquisador na área de mercado de trabalho da FGV IBRE (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas). O problema são os dados sobre demissões enviados pelas empresas ao governo.
Em agosto, o Brasil registrou saldo positivo de 249.388 vagas, o segundo mês seguido no azul, de acordo com os dados mais recentes do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados). Segundo o pesquisador, esse número está muito diferente de outras pesquisas sobre trabalho, realizadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Também há divergências com dados de seguro-desemprego. Os números sobre demissões podem não ter sido enviados.
O governo comemorou o saldo positivo como uma mostra de recuperação da economia e da efetividade de medidas de controle do desemprego, como o BEm (Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda), que permite a suspensão de contratos de trabalho ou a redução de jornadas e salários.
Pesquisador vê subnotificação Duque, porém, vê evidências de que essa alta no emprego está sendo inflada por uma subnotificação de dados, ou seja, o atraso ou não envio de informações sobre demissões por parte das empresas, em meio à paralisação de atividades e dificuldades econômicas.
O UOL questionou o Ministério da Economia se gostaria de comentar as evidências apontadas pelo pesquisador, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem. No início do ano, o governo chegou a suspender a divulgação do Caged referente aos dados de janeiro e fevereiro, justamente por causa da subnotificação de demissões por parte das empresas.
Em entrevista, Daniel Duque explicou por que considera que há essa defasagem de dados. Confira os principais trechos.
Por que acha que há uma subnotificação de informações de empresas ao Caged?
Há um desalinho muito grande entre o Caged e a Pnad Contínua (pesquisa de desemprego do IBGE que leva em conta tanto o emprego com carteira, quanto sem). É claro que são pesquisas diferentes, mas tivemos diferenças desde 2013 de até 100 mil vagas entre as duas pesquisas no acumulado de 12 meses. Esse tinha sido o máximo, e não é uma diferença pequena.
No entanto, quando a gente olha o que aconteceu nesses últimos meses, pegando julho, por exemplo, a diferença foi de cerca de 300 mil vagas. Ou seja, foi o triplo do máximo até 2019. Realmente é um desalinho muito grande e, mesmo considerando que são pesquisas diferentes, fica estranho esse tipo de disparidade.
A Pnad Covid (pesquisa semanal do IBGE realizada desde maio), que é outro tipo de pesquisa, é muito mais próxima dos dados da Pnad Contínua do que do Caged, também. Quando olhamos outros dados administrativos do mercado de trabalho, como os de seguro-desemprego, que anda mais ou menos junto com o número de desligamentos, também vemos um certo desalinhamento, no acumulado de 12 meses.
Se a redução de desligamentos fosse totalmente explicada pelas políticas, por exemplo, do programa de proteção de renda e emprego, o BEm, ou por uma redução da mobilidade do mercado de trabalho, que faria com que houvesse um menor número de desligamentos, a gente não teria esse desalinhamento do Caged com essas três pesquisas, a Pnad Contínua, a Pnad Covid e o seguro-desemprego. Tudo isso leva a crer que há algo que esteja inflando esse saldo de empregos do Caged.
E parece que de fato (a falta de notificação sobre) os desligamentos são um potencial explicador dessa inflação de empregos gerados, porque a gente tem tanto uma redução muito grande de empresas reportando movimentações no Caged, quanto a gente tem também uma estranha correlação positiva entre queda do número de estabelecimentos e aumento do saldo de vagas. Municípios que tiveram queda do número de estabelecimentos em relação ao início do ano registraram um saldo acumulado (de vagas) a partir de junho maior do que aqueles que não tiveram queda (nos estabelecimentos). Geralmente é o contrário, há um saldo maior quando a gente tem criação de estabelecimentos, e vice-versa.
Então o programa de redução de jornada e salários explica em parte esse saldo positivo de vagas com carteira nos últimos meses, mas não completamente?
Exatamente. Não tem por que o BEm criar discrepância no Caged em relação às outras pesquisas. Porque se a pessoa está com o contrato de trabalho suspenso, ela vai ser registrada na Pnad Contínua e na Pnad Covid como uma pessoa afastada do emprego, mas não desocupada. A gente não tem motivo para crer que o BEm seria uma causa dessa discrepância.
Dados de demissões têm uma defasagem maior do que os de contratações porque empresas que estão em pior situação ou fechando têm menos condições administrativas de passar essas informações ao governo, enquanto as que estão bem, contratando, têm maior facilidade de reportar os dados?
Exatamente, mas não é só isso. Uma empresa que está contratando é, no mínimo, ativa. Enquanto uma empresa em que já ocorreram desligamentos pode ter entrado em inatividade. Tanto se foi à falência, quanto se fechou temporariamente, como um restaurante durante a pandemia, por exemplo. São estabelecimentos que fecharam temporariamente e que podem não ter reportado desligamentos que tenham feito. Agora, se a empresa está contratando ela está, pelo menos, ativa.
Então a subnotificação pende muito mais para um lado.
Há uma previsão se a subnotificação vai se estabilizar nos próximos meses, com a melhora da situação econômica do país ou com o fim da pandemia?
Eu acho que a gente vai começar a ver já a partir dos próximos meses uma volta dos desligamentos, e dezembro vai ser o mês em que necessariamente esses números vão entrar mais em conformidade com a realidade. Ainda que as empresas tenham uma obrigação legal (de informar os dados ao Caged), se ela fechou ou está hibernando, o processo tende a se atrasar mesmo.
E isso não é neste ano, apenas. Todo ano há em dezembro um número de desligamentos muito alto, justamente porque tem empresas que atrasam para reportar desligamentos. Então o que a gente deve observar neste dezembro é um saldo ainda mais negativo do que o normal. Aí poderemos dizer de fato qual foi o tamanho da queda de 2020, olhando o Caged.
FONTE: UOL ECONOMIA