IMAGEM: Artur Moês (Coordcom/UFRJ)
Procurador-geral do Trabalho diz que o interesse coletivo deve prevalecer sobre o individual
A portaria que proíbe a demissão de trabalhadores que se recusaram a tomar a vacina contra a covid-19 “não terá condições de prevalecer por muito tempo”. Foi o que disse o procurador-geral do MPT (Ministério Público do Trabalho), José de Lima Ramos Pereira.
A proibição da demissão de quem não se imunizou contra a covid-19 foi anunciada na 2ª feira (1º.nov.2021) pelo governo de Jair Bolsonaro, por meio de uma portaria assinada pelo ministro do Trabalho e Previdência Social, Onyx Lorenzoni. O ministro falou que a portaria “preserva o direito à liberdade”.
A portaria, no entanto, foi questionada por advogados trabalhistas e por profissionais de saúde. Advogados dizem que a portaria é inconstitucional, porque o assunto deveria ser tratado por projeto de lei. Já os profissionais de saúde dizem que a exigência da vacinação diminui os riscos de contágio à covid-19.
Os partidos Rede Sustentabilidade e PSB (Partido Socialista Brasileiro) ingressaram com ações no STF (Supremo Tribunal Federal) pedindo a suspensão da portaria. O procurador-geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, diz que as ações podem ser atendidas.
Em entrevista ao Poder360, José de Lima Ramos Pereira questionou a constitucionalidade da portaria editada pelo governo de Jair Bolsonaro e afirmou que a medida vai na direção contrária de outras decisões do Judiciário sobre o assunto. Ele disse, por exemplo, que o STF entende que é constitucional cobrar a vacina.
O MPT também afirma que empresas podem demitir por justa causa os empregados que se recusarem a tomar a vacina contra a covid-19, desde janeiro de 2021. O órgão ainda passou a exigir o comprovante de imunização para que as pessoas tenham acesso a suas dependências.
Ao Poder360, o procurador-geral do Trabalho afirmou que o direito à saúde coletiva deve prevalecer sobre o direito individual de escolha. Disse ainda que, nesse sentido, a demissão de quem se recusou a tomar a vacina não deve ser tratada como um “ato discriminatório”, como faz a portaria do governo. Por tudo isso, disse que “a portaria não terá condições de prevalecer por muito tempo”.
“A vacina deu certo, não só no Brasil, mas no mundo. A obrigatoriedade da imunização pela vacina está garantida pelo Supremo e as instituições estão seguindo esse caminho. Ninguém quer a demissão por justa causa, este é o último ato. Mas tem que prevalecer direito coletivo a um ambiente de trabalho saudável”, afirmou José de Lima Ramos Pereira.
Eis os principais pontos da entrevista do procurador-Geral do Trabalho, José de Lima Ramos Pereira, ao Poder360:
Constitucionalidade
A portaria de 1º novembro tem esse obstáculo, a impropriedade de tratar de matérias de previsão legal em forma de portaria. Entendo que fere o que a Constituição prevê no artigo 22, que diz que a União e o Congresso Nacional devem fazer a legislação sobre o direito do trabalho através do processo legislativo. A portaria não passa por todo o processo legislativo e obedecer o processo é importante, porque é uma matéria de alta relevância. A portaria elimina a possibilidade de a sociedade e o Congresso discutirem o assunto. Fica só a opinião do estado. Além disso, não é suficiente para criar direitos.
Legislação
A lei 13.979 de 2020 trata das medidas de enfrentamento à covid. Entre essas medidas, estão a vacinação e outras medidas profiláticas. E a própria legislação diz que as pessoas devem se sujeitar ao cumprimento dessas medidas. Há uma previsão legal para a vacina e o STF já declarou que é constitucional. O Supremo disse na ADI 6586 que o poder público pode determinar que as pessoas se submetam à vacinação. Já a portaria diz o contrário, vai contra o que determina a legislação.
Compulsório
Não se pode forçar fisicamente ninguém a tomar a vacina. O que ocorre é a aplicação de sanções indiretas e medidas restritivas para, compulsoriamente, fazer com que as pessoas se sintam obrigadas a se vacinar. Por exemplo, o comprovante de vacinação pode ser exigido no acesso a lugares fechados, podendo ter a aplicação de multas e sanções indiretas. Isso vale para entrar em um show, por exemplo. Vale para a relação de trabalho também? Evidentemente que sim, porque, um empregado contagiado pode passar o vírus para outros empregados, que levam o vírus para casa e isso um gera um problema de saúde pública.
Ambiente de trabalho
O empregador tem o dever de garantir um meio ambiente de trabalho sadio e a vacina é uma das medidas para isso. O empregador assume o risco do empreendimento. Alguém que adquirir a doença, por exemplo, pode recorrer à Justiça, pedir danos morais e ressarcimento em função do não cumprimento de medidas para garantir um ambiente saudável. É mais razoável que isso ocorra do que o contrário. Não vejo a Justiça do Trabalho determinando a indenização de um empregado que foi demitido por uma empresa que está cumprindo a vacinação.
Individual x Coletivo
É preciso garantir que o interesse público e coletivo prevaleça sobre o interesse individual. Situações de limitações do direito individual não são incomuns, pois vivemos em uma sociedade e o artigo 8º da CLT estabelece que, nas decisões judiciais, o interesse coletivo deve prevalecer sobre o individual. Uma decisão sua não pode colocar em risco a saúde a e vida das pessoas.
Ato discriminatório
A discriminação tem um intuito negativo. Quando se exige a vacina, está se buscando um ato positivo, que é a proteção da saúde e da vida. Vacina protege você e protege os outros. Quando você viaja de avião, por exemplo, precisa usar máscara ou não entra. Não é uma discriminação, é um problema de saúde.
Posição do MPT
O MPT tem um guia de vacinação, que serve de orientação para os empregadores e especifica como tratar o assunto, de uma simples advertência à dispensa por justa causa. Ninguém quer que chegue à dispensa, por isso o assunto deve ser acompanhado e conversado com o empregador. Pode haver alguém, por exemplo, com contraindicação à vacina. Além disso, editamos uma portaria nacional exigindo a vacinação no acesso às dependências do MPT.
Exceção
A portaria viu a situação de uma forma diversa. Vem em sentido oposto das outras decisões judicias do Tribunal do Trabalho, do STF, dos atos internos do MPT. No direito do Trabalho, prevalece o princípio tutelar, protetivo. O empregador é cobrado a garantir um meio de ambiente sadio.
Ações no STF
Quem decide é o Supremo. Mas, em princípio, pelos sinais que vejo, a portaria não terá condições de prevalecer por muito tempo, porque o Supremo já definiu que, para entrar no seu ambiente de trabalho, precisa de vacinação. A PGR, o MPT e outras instituições do Poder Judiciário também estão prevendo a necessidade da vacina para o ingresso em suas unidades. Pelos sinais dados internamente para os servidores, não acredito que o Supremo mudará de opinião.
Retroagir
Não vejo a portaria nem sendo aplicada, nem retroagindo. O acesso à Justiça é universal. Se o trabalhador entender que tem respaldo e pode pedir danos morais, pode pedir. Mas, como a portaria vem criando direitos e obrigações que deveriam ser criados por lei, não vejo sentido.
Orientação
O que digo para o empregador é que siga o que tem certeza e a certeza hoje é de que o empregador tem a responsabilidade de garantir um ambiente seguro. Pautar-se em um ato que está sendo pressionado por outras decisões que são a favor da vacinação… Eu iria pela vacinação, iria pela segurança jurídica da decisão do Supremo de que é necessário se vacinar. Agora, cada um tem sua opinião, o importante é assumir os riscos.
FONTE: PODER360