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Em pleno século 21, é profundamente decepcionante constatar que boa parte da sociedade contemporânea orienta suas ações e comportamentos por ganância, vaidade e ressentimento, em vez de valores como empatia, ética, responsabilidade e justiça social.

Antônio Augusto de Queiroz*

Esses 3 impulsos — ganância, vaidade e ressentimento — têm moldado as atitudes das pessoas, ampliado o individualismo, a polarização e a fragmentação na sociedade. Estes condicionam tanto comportamentos individuais quanto coletivos, influenciando decisões nos âmbitos social, político e econômico.

O resultado é o aumento da desigualdade, do assédio moral e das campanhas de ódio, que alimentam os desejos e interesses daqueles que seguem esses vetores egoístas. Se não forem controladas, essas forças podem desestabilizar a sociedade, acirrando desigualdades e polarizações, além de colocar em risco a democracia.

Antes de prosseguir, entretanto, é fundamental conceituar cada 1 desses 3 vetores — ganância, vaidade e ressentimento.

A ganância amplia a distância entre ricos e pobres, criando ambiente de competição e exploração em que o bem-estar coletivo é ignorado. Associada ao desejo excessivo de acumular riquezas e poder, a ganância impulsiona indivíduos e instituições a buscarem mais do que precisam, sem considerar as consequências para a sociedade. Esse vetor molda economias e estruturas sociais, alimentando práticas predatórias tanto no mundo corporativo quanto na política. A busca pelo lucro e poder a qualquer custo, muitas vezes em detrimento do bem comum, é reflexo claro desse impulso.

A vaidade, por sua vez, promove o culto à imagem e à superficialidade, afastando o foco de questões mais profundas e relevantes, tanto na vida pessoal quanto na esfera pública. Definida como o desejo humano por reconhecimento e validação social, a vaidade influencia escolhas que vão desde a construção da imagem pública até decisões políticas e empresariais.

Na era digital, essa busca por aprovação se intensifica, com líderes mais preocupados em autopromoção e popularidade, muitas vezes em detrimento de questões essenciais que poderiam trazer reconhecimento por ações reais.

O ressentimento, o mais corrosivo dos 3, desgasta as relações sociais e políticas, aprofunda divisões e rancores, e mina os alicerces da democracia. O ressentimento surge como resposta à percepção de injustiça ou privação e é frequentemente explorado em campanhas de ódio, que utilizam desinformação e simplificação de causas para fomentar divisões sociais e políticas.

As redes sociais amplificam essas campanhas, divulgando discursos polarizadores e extremistas que dividem ainda mais as pessoas.

As campanhas de ódio começam com a identificação de “inimigo” ou “alvo”, que pode ser grupo social, étnico, religioso ou político. A retórica visa desumanizar ou demonizar esse grupo, tornando-o responsável por problemas complexos, como crises econômicas, desemprego, ou questões culturais e identitárias.

Aspecto essencial dessas campanhas é a simplificação de causas e efeitos, oferecendo soluções simples e fáceis para problemas multifacetados, atraindo o apoio de pessoas insatisfeitas ou ressentidas.

Em tempos de dissonância cognitiva1, em que a percepção da realidade é fragmentada e muitas vezes distorcida, esses vetores encontram terreno fértil para se fortalecerem. A tecnologia, especialmente as redes sociais, potencializa essa dinâmica, promovendo a disseminação rápida de desinformação e discursos de ódio, criando sociedade cada vez mais reativa e polarizada.

A lógica dos algoritmos que priorizam o engajamento, amplificando conteúdos extremos e polarizadores, contribui para o crescimento desses impulsos.

No entanto, o reconhecimento desses problemas é o primeiro passo para superá-los. A promoção de valores como empatia, ética, solidariedade, compaixão, responsabilidade e justiça social é fundamental para contrapor esses impulsos destrutivos. A construção de sociedade mais justa e coesa exige que o coletivo prevaleça sobre o indivíduo, e que a verdadeira vontade popular se manifeste de maneira consciente, sem manipulações de qualquer natureza.

Superar esses vetores destrutivos exige esforço coletivo e individual, tanto no âmbito social quanto no político. No plano coletivo, as instituições devem ser fortalecidas para garantir que o interesse público prevaleça sobre interesses particulares ou corporativos.

Isso inclui a promoção de políticas que priorizem a justiça social, a redução das desigualdades e o fomento de cidadania ativa e participativa. As instituições desempenham papel crucial para equilibrar esses impulsos, regulando o comportamento dos atores econômicos e políticos que buscam explorar a sociedade em benefício próprio.

No plano individual, a educação é uma ferramenta essencial. Formar cidadãos conscientes, críticos e éticos é o caminho para mitigar os efeitos desses vetores na vida cotidiana. Educação que fomente o pensamento crítico e a capacidade de discernimento ajuda a diminuir o impacto da ganância, da vaidade e do ressentimento nas relações sociais.

É preciso cultivar a cultura de respeito mútuo e valorização do outro, superando a lógica da competição desenfreada e da busca incessante por bens e poder.

Por fim, transformar esses impulsos negativos em forças positivas requer esforço contínuo de promoção de valores democráticos, como o diálogo, a transparência e a inclusão. Isso implica ampliar as formas de participação política e social, garantindo que a diversidade de vozes seja ouvida e respeitada, ao mesmo tempo em que se busca o consenso e a harmonia social.

A construção de sociedade mais equilibrada, justa e democrática depende da nossa capacidade de ir além desses vetores destrutivos, promovendo projeto de sociedade baseado na solidariedade e empatia, e não em forças que confundem e dividem. O futuro da sociedade está em nossa capacidade de equilibrar essas forças e redirecionar as ações que avançam para o desenvolvimento humano em todas as suas dimensões.

(*) Jornalista, analista e consultor político, mestre em Políticas Públicas e Governo (FGV). Ex-diretor de documentação do Diap, idealizador e coordenador de Os “Cabeças” do Congresso. É autor dos livros Por dentro do processo decisório - como se fazem as leis e Por dentro do governo - como funciona a máquina pública.
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1A dissonância cognitiva é fenômeno que ocorre quando há conflito entre crenças, sentimentos e ações de uma pessoa.

FONTE: DIAP