A ingerência da pesca no governo federal resultou num pedido coletivo de desligamento dos técnicos que faziam parte do Subcomitê Científico do Atum e Afins, o mais antigo e um dos mais importantes grupos de discussão de gestão pesqueira no país. A decisão dos técnicos pode impactar na autorização internacional que o Brasil possui para a captura do peixe – e atingir diretamente frotas que, somente em Santa Catarina, empregam cerca de mil pescadores.
O atum é um peixe que migra durante o seu ciclo de vida, por isso é considerado um recurso internacional. Para garantir que não haja excesso de capturas, os países banhados pelo Oceano Atlântico que pescam atuns estão ligados à Comissão Internacional para Conservação do Atum do Atlântico (ICCAT). Esse órgão estabelece cotas de captura e certifica que a pesca esteja dentro dos limites.
Marco Aurélio Bailon, coordenador técnico do Sindipi, sindicato que representa armadores e indústrias de pesca no país, diz que há cerca de cinco anos os dados estatísticos brasileiros apresentados ao ICCAT são incompletos. Em 2015 o governo liberou recursos para pesquisas em gestão pesqueira, que deveriam, entre outros compromissos, atualizar os dados. Mas a pesca perdeu o status de Ministério, foi incorporada pela Agricultura e o dinheiro se perdeu.
Sem dados e sem o financiamento básico para as pesquisas, os 19 cientistas que compõe o Subcomitê Científico decidiram ‘abandonar o barco’. O problema é que, sem reportar as informações da pesca exigidas pela ICCAT, o Brasil corre o risco de perder as cotas de pesca de várias espécies de atuns, o que significa perder o direito a explorar esses recursos, incluindo a possibilidade de exportar o produto.
Somente em Itajaí há cerca de 60 barcos especializados na pesca do atum, em diferentes modalidades, que poderão ser diretamente impactados com as possíveis sanções.
Armadores perplexos – O setor pesqueiro recebeu as informações sobre a demissão coletiva no Subcomitê Científico do Atum e as possíveis consequências com perplexidade. Deixar de ter a certificação internacional pode ser o fim da linha para empresários como José Kowalsky, de Itajaí, que atua na exportação de pescado. Somente a empresa dele já chegou a enviar 3 mil toneladas de atuns ao ano para o exterior. No ano passado, problemas com a documentação já fizeram com que ele perdesse um carregamento em vias do embarque para a Europa _ um “aperitivo” dos problemas que a falta de certificação poderá trazer.
Além do atum, o órgão internacional também regulamenta a captura de meca _ outro peixe que é enviado ao exterior, especialmente aos Estados Unidos, e que é alvo da pesca catarinense.
Fragilidade – –Diretora-geral da ONG Oceana, que atua em pesca sustentável em todo o mundo, Monica Peres classificou a paralisação coletiva do Subcomitê Científico de atuns e afins como “uma noticia muito triste, que mostra a desestruturação e fragilidade institucional do sistema de gestão pesqueira no país”
Ela afirma que os cientistas são responsáveis por produzir as melhores recomendações cientificas para subsidiar o ordenamento das pescarias, mas eles precisam de dados e de apoio as pesquisas. “Sem dados, não tem gestão. Para a ICCAT, o país que não reporta dados, não pode pescar”, complementa.
Falência – O Coletivo Nacional da Pesca e Aquicultura (Conepe) emitiu nota em que afirma apoiar irrestritamente a decisão dos cientistas que se desligaram do Subcomitê Científico “por entender que estes profissionais e colaboradores tiveram o limite de sua paciência, comprometimento e honradez ultrapassado”. Para a entidade, a decisão é um retrato da falência da gestão pesqueira nacional.