Fonte: Valor Econômico
Em uma rara decisão, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo condenou o ex-presidente do banco americano J.P. Morgan no Brasil Cláudio Freitas Berquó a pagar R$ 9,2 milhões por litigância de má-fé. Ele foi multado por pedir verbas trabalhistas quitadas anteriormente. O valor é o dobro do que recebeu de indenização por meio de um acordo extrajudicial firmado em 2013, de R$ 4,6 milhões, que teria sido omitido no processo.
A decisão, da 14ª Turma do TRT, foi unânime. Para advogados, é um importante precedente na Justiça do Trabalho para que acordos extrajudiciais com executivos sejam aceitos. Ainda cabe recurso.
Cláudio Berquó comandou o J.P. Morgan no Brasil de novembro de 2009 até o início de 2013, quando o banco anunciou que Berquó continuaria à frente do private banking. Meses depois foi demitido, em 3 de setembro de 2013.
Na ocasião, ele recebeu, segundo o processo, R$ 1,1 milhão de verbas rescisórias e firmou um acordo extrajudicial em troca da quitação geral do contrato de R$ 4,6 milhões. O executivo trabalhava na instituição americana desde 1994.
A primeira instância julgou extinto o processo, ao verificar o acordo extrajudicial. A defesa de Berquó, porém, recorreu com a alegação de que o FGTS é direito indisponível e não poderia ter sido objeto de transação. Alegou também que as parcelas recebidas possuem natureza salarial e devem integrar a remuneração para todos os fins. E que os veículos oferecidos pelo banco devem ser considerados salário utilidade.
O banco, por sua vez, também recorreu pedindo a condenação do ex-presidente por litigância de má-fé. Os advogados alegaram que deveria ser aplicado ao caso o artigo 940 do Código Civil.
O dispositivo estabelece que "aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição". Ainda pediram que seja reconhecida a prescrição total dos direitos do ex-presidente.
Segundo decisão do relator do caso, juiz Marcos Neves Fava, trata-se de um executivo de um dos maiores bancos de investimentos do mundo. "Não se trata, portanto de um hipossuficiente no sentido mais estrito da palavra, ou seja, um trabalhador que mal conhece seus direitos ou não possui trato com negociações inclusive em relação ao seu contrato de trabalho", diz na decisão.
Ainda acrescenta que "sob o aspecto formal/documental operou-se, efetivamente, transação extrajudicial, em que o recorrente deu quitação de todos os títulos advindos do extinto contrato de trabalho". O magistrado levou em consideração que o executivo teria participado da elaboração dos termos do documento do acordo.
Para o relator, Berquó teria agido de má-fé ao omitir o acordo extrajudicial na ação. Segundo a decisão, "buscasse, com lealdade, seus direitos, iniciaria por dizer que, em razão de qualquer outro motivo - que, aliás, aos autos não veio até esta altura -, firmou equivocadamente o favorável ajuste de contas extraordinário e pediria sua revisão, por nulidade, ainda que parcial". Assim, o magistrado entendeu que o banco tem razão ao pedir a condenação por litigância de má-fé e foi acompanhado pelos demais desembargadores.
Especialista em direito do trabalho, a advogada Fernanda Nasciutti, do Barbosa, Müssnich, Aragão (BMA), afirma que diversas companhias se preocupam com a validade desses acordos extrajudiciais. Como existem os princípios da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas e da proteção aos empregados considerados hipossuficientes, acrescenta, muitas vezes a Justiça tem anulado esses acordos.
Contudo, no caso, segundo Fernanda, como o processo é de um alto executivo esclarecido, que foi assistido por advogado e participou dos termos do acordo, a Justiça considerou que não se trata de um trabalhador hipossuficiente. Portanto, a transação extrajudicial seria válida. "A decisão foi calcada em questões peculiares, mas abre um precedente para que acordos extrajudiciais que envolvam altos executivos sejam validados", diz.
A advogada Daniela Yuassa, do Stocche Forbes Advogados, afirma ser muito comum acordos extrajudiciais ou transação na saída de executivos. Além do pagamento dos valores devidos, a empresa pode incluir cláusulas, de não concorrência e confidenciabilidade, importantes para os negócios.
Geralmente, a empresa oferece uma versão do acordo e o executivo pode consultar seus advogados e propor alterações. Nesses casos, não têm sido comum a contestação judicial, segundo a advogada.
Procurado pelo Valor, o escritório Machado Meyer, que assessora o J.P. Morgan, não quis comentar. O escritório Mascaro Nascimento Advogados, que defende Cláudio Freitas Berquó, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não se manifestaria por questões de sigilo profissional.