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A ideia do novo presidente é aproveitar esses meses que antecedem a posse para adiantar alguns temas de sua agenda, para que possa se dedicar à luta política contra os movimentos sociais e os partidos de esquerda, enquanto seus operadores tocam a chamada agenda estrutural, ou seja, as reformas de grande interesse do Estado, como as mudanças nos marcos regulatórios da economia, a reforma administrativa e uma robusta reforma da Previdência.

Antônio Augusto de Queiroz*

O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) sabe que sua “lua de mel” com os eleitores — caracterizada por aquele período de 6 meses de condescendência da sociedade — começa a contar desde a eleição, e não a partir da posse, como em governos anteriores. Pensando nisso, quer aproveitar o período de transição e a coincidência de agenda liberal e fiscal entre ele e o governo Michel Temer para aprovar alguns pontos da pauta econômica, especialmente aqueles remanescentes da chamada agenda 15, apresentada por ocasião da suspensão da votação da reforma da Previdência, além de adiantar algumas medidas fiscais.

Entre os pontos remanescentes que podem ser objeto de deliberação ainda no atual Congresso podemos mencionar os projetos de lei e medidas provisórias em tramitação nas 2 Casas do Congresso, que tratam dos seguintes temas:

1) agenda da chamada melhoria do ambiente de negócio,

2) concessão pública e venda de ativos, e

3) projetos sobre matérias com impactos fiscais e tributários.

No 1º grupo das proposições, que dispõem sobre a chamada melhoria do ambiente de negócio, podemos citar:

1) o projeto de lei que trata do cadastro positivo, pendentes de votação destaques na Câmara;

2) o projeto de lei das telecomunicações, sob exame do Senado;

3) o projeto da autonomia do Banco Central, que poderá receber substitutivo na Câmara a partir de sugestão da Presidência do Banco Central; e

4) o projeto que muda as regras sobre distrato nas operações de compra e venda de imóveis, sob exame do Senado.

No 2º grupo sobre concessão e venda de ativos, o 1º projeto trata da cessão onerosa do excedente do pré-sal, sob exame do Senado; a 2ª proposição disciplina e regula os poderes e atribuições das agências reguladoras, que aguarda manifestação da Câmara, após ter sido aprovado no Senado; e o 3º projeto dispõe sobre a privatização da Eletrobras, que aguarda manifestação do plenário da Câmara dos Deputados. Desse grupo, este último projeto poderá ter dificuldade de aprovação.

No 3º grupo, dos temas fiscais, podemos mencionar a proposta orçamentária para 2019, que sofrerá ajustes por sugestão do novo governo; o projeto de lei que trata do teto remuneratório, sob exame da Câmara dos Deputados; o projeto de lei de tributação dos fundos de investimentos, que também aguarda manifestação da Câmara dos Deputados, além da Proposta de Emenda à Constituição da reforma da Previdência, que espera manifestação do plenário da Câmara, mas depende da suspensão da intervenção federal na segurança do estado do Rio de Janeiro.

Todas as propostas já mencionadas, sem nenhuma exceção, foram encaminhadas ao Congresso pelo governo de Michel Temer ou partiu de sua base de apoio e têm seu incondicional apoio, o que prova que o futuro governo Bolsonaro, ao contrário do que disse na campanha, é de continuidade, já que faz sua praticamente toda a agenda liberal/fiscal remanescente.

Além dos temas que fazem parte da agenda Michel Temer ou da agenda “Ponte para o futuro” e das “maldades” via medida provisória, o governo Bolsonaro quer aproveitar esses 2 últimos meses de funcionamento do Congresso para incluir alguns temas de sua pauta conservadora, particularmente relacionada a pontos como Escola sem Partido, desfiguração do Estatuto do Desarmamento, votação de proposta de emenda à Constituição sobre redução da idade penal, entre outros compromissos com as bancadas evangélica, ruralista e da bala.

A ideia do novo presidente é aproveitar esses meses que antecedem a posse para adiantar alguns temas de sua agenda, para que possa se dedicar à luta política contra os movimentos sociais e os partidos de esquerda, enquanto seus operadores tocam a chamada agenda estrutural, ou seja, as reformas de grande interesse do Estado, como as mudanças nos marcos regulatórios da economia, a reforma administrativa e uma robusta reforma da Previdência.

O interesse pela reforma da Previdência agora seria apenas um remendo para dar uma primeira satisfação ao mercado, com aumento da idade mínima, enquanto prepara o pacote previdenciário, que inclui:

1) um pilar assistencial, com valor em torno de 70% do salário mínimo;

2) um pilar público contributivo, em torno de 2 salários mínimos; e

3) um pilar privado, no regime de capitalização, de caráter complementar e facultativo.

Paralelamente ao novo desenho, válido para os futuros segurados, seriam modificadas as regras dos atuais segurados, possivelmente com a instituição de redutor nas aposentadorias dos servidores, o provável aumento da contribuição previdenciária, a provável desvinculação dos benefícios assistenciais do salário mínimo, a possível desvinculação dos pisos previdenciários, urbanos e rurais do salário mínimo, e ampliação dos requisitos, tanto de idade quanto de tempo de contribuição, além de mudança no cálculo do benefício.

Quanto à reforma administrativa, a equipe do novo governo discute e elabora propostas com vistas a:

1) fim da estabilidade ou a adoção da avaliação de desempenho para efeito de dispensa de servidor;

2) reestruturação das carreiras de Estado, com redução do salário de ingresso;

3) redução drástica de novos concursos;

4) transferência de atribuições da União para estados e municípios;

5) ampliação da terceirização, incluindo áreas que atualmente são exercidas por servidores de carreira; e

6) redução do número e transversalidade das carreiras, que poderão servir em qualquer área do governo.

Ainda no período de transição — e o aliado Michel Temer já se colocou à disposição — o novo governo pretende “alugar” a mão e a caneta do atual para editar uma série de medidas provisórias com a adoção de várias medidas impopulares, especialmente na área fiscal. Estariam entre as prováveis medidas restrições graves nos critérios para concessão de benefícios previdenciários, inclusive a revogação da fórmula 85/95, instituída para os segurados do INSS durante o governo Dilma.

Esse conjunto de medidas e ações faz parte do ideário do governo Bolsonaro e, se depender dele, parte dos temas será aprovada ainda durante o atual governo, aproveitando os 2 meses de trabalho do governo Temer e do atual Congresso Nacional.

Os desafios, como se pode ver, são muitos e ameaçadores, porque pressupõem o desmonte do Estado e dos direitos sociais e previdenciários dos trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público. Entender e resistir é preciso.

(*) Jornalista, consultor, analista político e diretor de Documentação do Diap. Texto publicado originalmente na revista eletrônica Teoria & Debate