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Cabe ao empregador proporcionar boas condições de trabalho e, se o ambiente de trabalho ocasiona dano, ele deve arcar com a responsabilidade decorrente da assunção dos riscos do empreendimento. Esse entendimento é do juiz Eduardo Nuyens Hourneaux, da 3ª Vara do Trabalho de Santos (SP), e serviu para condenar um operador portuário em decorrência de acidente sofrido por um estivador a bordo de um navio. No entanto, o magistrado considerou que a mesma fundamentação não se aplica à armadora.
"O artigo 33, parágrafo 2º, da Lei nº 12.815/13 estabelece expressamente a responsabilidade solidária do Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo) e do operador portuário pela indenização decorrente de acidente de trabalho, mas não imputa responsabilidade alguma ao armador, não cabendo, aqui, interpretação extensiva da referida norma. Diante o exposto, julgo improcedente a ação em face da reclamada Mitsui Osk Lines", justificou Hourneaux. Apenas a Libra Terminal Santos foi condenada.
O advogado Maximino Pedro representa o estivador e interporá recurso ordinário ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) porque pleiteia tanto a responsabilização da armadora quanto da operadora, que está em recuperação judicial. "A responsabilidade das empresas deve ser solidária, porque ambas seriam beneficiadas pelo trabalho do autor. Embora a Libra tenha cuidado diretamente da operação, o acidente ocorreu no navio Mol Gateway, cuja responsável é a Mitsui".
Outro ponto que será objeto das razões recursais do advogado diz respeito ao grau de culpa do trabalhador no episódio. Segundo o juiz assinalou na sentença, datada do último dia 17, o acidente de trabalho é incontroverso e, apesar de a responsabilidade pela sua ocorrência ser de natureza objetiva, "no caso em específico, a culpa está comprovada até mesmo pela documentação trazida em defesa". Mas o julgador se baseou no documento para concluir que o autor concorreu para o acidente por suposta imprudência.
Conforme relatório, a largura e o espaçamento dos degraus da escada do navio onde o autor escorregou são irregulares, fora do padrão normativo brasileiro, e estavam escorregadios no momento do acidente. O documento também aponta como uma das causas determinantes para o evento a ausência de percepção, pela vítima, do risco ao pisar nos degraus para acessar a passarela. "Poderia o reclamante ter evitado o acidente, caso tivesse sido mais prudente", ressalvou Hourneaux.
Com o reconhecimento da culpa concorrente "por parte do autor, que foi imprudente, e por parte da reclamada (Libra), que foi negligente", o juiz determinou o pagamento de uma pensão vitalícia mensal ao reclamante no valor equivalente a 50% da média remuneratória daquilo que ele recebeu nos últimos 12 meses antes do afastamento previdenciário. O valor atribuído à causa é de cerca de R$ 1 milhão, mas o estivador faria jus à metade, conforme a sentença, por ser também considerado culpado pelo acidente.
A sentença estabelece o pagamento da pensão em parcela única, que deve ser calculada a partir da data da concessão da aposentadoria por invalidez (23/5/2018) até quando o autor completar 78 anos, média da expectativa de vida, ou antes, na hipótese de falecimento. Hourneaux também condenou a operadora portuária a indenizar o estivador em R$ 10 mil, a título de dano moral, "em razão da evidente dor íntima e psíquica de natureza emocional pela frustração de encontrar-se inválido para o labor".
"É fato notório que a lesão física causada pelo acidente de trabalho é suficiente para presumir a dor moral, uma vez que a incolumidade física e pessoal é uma garantia e proteção do direito à vida e à dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988", frisou o juiz. A indenização foi fixada a partir de alguns critérios, entre os quais a proporcionalidade entre a conduta lesiva e o dano e a função pedagógica-punitiva da penalidade para evitar futuros infortúnios.
Recurso ordinário
De acordo com o magistrado, ficou constatada a incapacidade total e permanente do reclamante para o trabalho, tanto que lhe foi deferida a aposentadoria por invalidez acidentária. Ele ponderou que o benefício previdenciário, por si só, não afasta o direito à pensão requerida na inicial, pois tais títulos possuem natureza e objetivos diversos, não podendo ser confundidos. A decisão, contudo, acolheu parcialmente o pedido do advogado, que pleiteia a responsabilidade solidária das duas rés e a culpa exclusiva delas.
"Ao estivador cumpria executar o trabalho no navio tal como ele oferecido pelas rés. Não fazia parte de sua obrigação fiscalizar as condições da praça de trabalho e corrigir eventuais problemas que fossem constatados. Além de não ser responsável legal por essa tarefa, ele também não pode ser cobrado sob o ponto de vista técnico, porque não possui a percepção do risco. Aliás, presume-se que todo e qualquer risco foi extirpado por aqueles que se beneficiariam do serviço do autor", argumentou Maximino Pedro.
Segundo o advogado, eventuais falhas constatadas no relatório juntado aos autos pela própria parte contrária, como escada escorregadia pelo tempo chuvoso, falta de dispositivo antiderrapante e desconformidade das dimensões da escada com as normas nacionais, são de cumprimento, fiscalização e verificação da alçada exclusiva das corrés.
Maximino citou duas leis que discorrem sobre a responsabilidade dos armadores para embasar a sua tese. Uma delas é a 9.537/1997. Em seu artigo 2º, inciso IV, ela define "comandante, também denominado mestre, arrais ou patrão, como o tripulante responsável pela operação e manutenção de embarcação, em condições de segurança, extensivas à carga, aos tripulantes e às demais pessoas a bordo".
Já o parágrafo 2º do artigo 27 da Lei 12.815/13 estabelece que "a atividade de movimentação de carga a bordo da embarcação deve ser executada de acordo com a instrução de seu comandante ou de seus prepostos, responsáveis pela segurança da embarcação nas atividades de arrumação ou retirada da carga, quanto à segurança da embarcação".
Incapacidade permanente
O acidente aconteceu no dia 7 de março de 2015, no extinto terminal da Libra, no cais do armazém 35 do Porto de Santos. O estivador trabalhava no embarque de contêineres quando escorregou na escada de acesso ao convés do navio. Ele fraturou a perna direita, sendo submetido a cirurgia com colocação de prótese. Após 15 dias de internação, ele enfrentou mais 11 meses com o uso de gesso e tala. Uma perícia atestou a incapacidade total e permanente do autor para as atividades laborativas e ele se aposentou por invalidez.
FONTE: REVISTA CONSULTOR JURÍDICO/CONJUR