É notório aos que atuam na área trabalhista que o seu gargalo chama-se: efetividade na execução. Dados do Relatório Geral da Justiça do Trabalho[1] apontam que (aproximadamente) 70% das execuções na Justiça do Trabalho acabam no famoso jargão popular “ganha, mas não leva”. Não é incomum encontrar nos foros trabalhistas advogados e empregados com o número de um processo embaixo do braço — transitado e julgado em seu benefício — mas com execução frustrada, seja porque a empresa faliu ou sumiu ou ambos, seja porque inexistem bens penhoráveis dos sócios devedores ou seja porque os sócios nada mais eram que “laranjas”.
Muito que bem. Ao se analisar minuciosamente o projeto da Reforma Trabalhista (redação final do PL 6.787-B de 2016 [2]), que agora repousa na Casa Alta, verifica-se que esse cenário dantesco ainda pode piorar. Observam-se os perniciosos desdobramentos que recaem sobre a efetividade da execução trabalhista.
A responsabilidade solidária do grupo econômico permanece. Entretanto, para a configuração do grupo, agora serão necessárias “a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes.” (inclusão do §3º no artigo 2º da CLT). Óbvio que a comprovação desses requisitos não será tarefa fácil para o trabalhador credor, que apenas quer ver seus direitos (já reconhecidos) adimplidos. Cristalino, igualmente, que essas novas condicionantes para a configuração do grupo econômico serão bem exploradas, no sentido protelatório, pelos empregadores devedores.
Já o sócio que se desliga da sociedade só poderá ser responsabilizado por dívidas trabalhistas, de forma subsidiária, no período máximo de até dois anos da respectiva averbação no contrato social (inclusão do artigo 10-A na CLT). A responsabilização solidária do sócio retirante apenas ocorre com a comprovação de fraude na alteração societária [3].
Ademais, se uma empresa adquirir e suceder outra, a responsabilidade das obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa anterior, será da empresa sucessora, sem possibilidade de responsabilização da empresa sucedida, salvo comprovação de fraude na transferência (inclusão do artigo 448-A na CLT). Atualmente, qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa, em regra, não afeta os direitos de seus empregados [4].
A prescrição intercorrente, ora inaplicável na Justiça do Trabalho (Súmula 114/TST [5]), passará a ocorrer no prazo de dois anos a partir do momento em que o exequente deixe de cumprir determinação judicial no curso da execução (inclusão do artigo 11-A na CLT). A declaração da prescrição intercorrente poderá ser efetuada de ofício pelo juiz, em qualquer grau de jurisdição. Ou seja: a ponta da espada de Dâmocles também passa a pairar na cabeça do empregado exequente; que, provavelmente, terá que descobrir o endereço correto do devedor, indicar bens livres e desembaraçados etc., no respectivo biênio, sob pena de ver seu processo arquivado.
No que concerne à desconsideração da personalidade jurídica, para a sua efetivação será imprescindível a instauração de um incidente, que suspenderá o processo e seu acolhimento, na fase de execução, desafiará Agravo de Petição, independentemente de garantia do juízo (adição do artigo 855-A na CLT). Por conseguinte, com a nova disciplina, a possibilidade real de se “levantar o véu” e atingir os bens particulares dos sócios, em vez dos bens da sociedade, será consideravelmente adiada e dificultada.
Uma das grandes diferenças entre a execução trabalhista e a execução civil também desmorona. Tradicionalmente, a execução civil depende de requerimento expresso do credor e a execução trabalhista prescinde desse requisito, podendo ser iniciada de forma automática pelo próprio juiz. Não mais. A nova redação do artigo 878 da CLT deixa claro que “a execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado.”[6].
A atualização dos créditos decorrentes da condenação judicial será feita pela Taxa Referencial (TR), divulgada pelo Banco Central do Brasil (inclusão do § 7º no artigo 879 da CLT). Essa mudança indubitavelmente beneficiará os devedores de créditos trabalhistas, visto que é um índice infinitamente menor que os índices inflacionários (IPCA e IGPM) tradicionalmente utilizados, além de desestimular a vontade conciliatória do empregador.
Com todas essas alterações, é inevitável profetizar que a expressão “ganhei, mas não levei” será ainda mais escutada nos foros trabalhistas. Se, hoje, há a dúvida entre os empregadores se compensa (economicamente) infringir a lei e não pagar no momento correto para pagar, depois de alguns meses, de forma parcelada, em uma conciliação na Justiça do Trabalho; agora, essa conclusão é inexoravelmente afirmativa.
Hodiernamente, muito se discute se a reforma retirará ou não direito dos trabalhadores. De fato, os 34 incisos do artigo 7º da Constituição Cidadã estão intactos, sem nenhuma alteração. Todavia, de que adiantarão direitos em uma folha de papel se, na hora de executá-los na Justiça, desaparecem na névoa da legislação branda?
*Bruno Cesar Gonçalves Teixeira é procurador do Distrito Federal. Ex-advogado da União. Advogado Trabalhista. Pós-graduado em Direito do Trabalho, Direito Civil e Direito Público.
Fonte: ConJur / Bruno Cesar Gonçalves Teixeira*