Na semana em que a Constituição Federal completa 30 anos de existência, o questionamento ao qual sempre esteve submetida permanece atual e forte. Esse é um reflexo do próprio processo da Constituinte, em que foram motivos de disputas, com destaque, as pautas do federalismo, da amplitude e especificidade do texto, das garantias de direitos e das vinculações orçamentárias.
Por Grazielle David*
Ao longo dos anos essas questões seguiram sendo disputadas, mudando apenas a forma de questionar a existência dos direitos fundamentais, que deveriam ser promovidos por meio de políticas públicas com orçamento público dedicado.
O slogan mais atual é que “a Constituição não cabe no orçamento”, para justificar as diversas medidas de austeridade adotadas no país em meio à crise político-econômica dos últimos anos, como a reforma trabalhista, a tentativa de reforma previdenciária, a EC 95 do “teto dos gastos”, as privatizações do patrimônio nacional, entre outras.
Com uma campanha pautada no medo e no discurso de solução única para enfrentar o déficit fiscal, Temer avançou a austera agenda de redução de direitos via corte de orçamento para as políticas públicas. O principal instrumento desse ataque foi a Emenda Constitucional nº95 aprovada em dezembro de 2016, que não apenas congelou por 20 anos as despesas sociais e de investimento, mas na verdade as reduziu quando avaliamos o valor que será investido per capita e em porcentagem do PIB ao longo do período.
Para implantar esse ‘Novo Regime Fiscal’ no Brasil, Temer, Meirelles & Cia recorreram a uma estratégia perversa, promoveram mudanças em artigos constitucionais de disposição transitória, que sequer deveriam estar ainda vigorando, para mudar a essência da Constituição. Isso é, retiraram a natureza cidadã e solidária do texto para implantar a ditadura fiscal. Inverteram a lógica de existência do Estado: ao invés do orçamento público servir para atender aos interesses da sociedade, ele deve se dedicar prioritariamente a recompensar o sistema financeiro.
O pior, tal medida sequer cumpre o propósito que promete de reduzir o déficit fiscal. As projeções sugerem fortes evidências de que a emenda pouco contribuirá para a redução do déficit, porém retardará o crescimento econômico. Assim, os custos econômicos dessa austeridade agravam os custos sociais.
Nesse cenário, em seu aniversário de 30 anos, a Constituição precisa ser reafirmada e recomposta. Para isso é essencial que a EC 95 seja revogada. Entre os 5 candidatos com maior intenção de votos a Presidência, somente Fernando Haddad e Ciro Gomes se comprometeram com o fim da EC 95.
Também é necessário que os direitos e o interesse público voltem a ser prioritários no país, com a economia se organizando para cumprir os preceitos constitucionais ao invés de tentar reduzi-los. Somente com uma política fiscal que se organiza a partir da garantia de direitos será possível superar o déficit e retomar a economia.
Existem alguns passos para isso. Um essencial é avançar no entendimento de que são “os privilégios que não cabem no orçamento”. Alguns dos exemplos mais impactantes são: A) crimes tributários são crimes sem pena no país. Assim, sonegar passou a ser negócio. B) lucros e dividendos não são tributados no imposto de renda pessoa física. O resultado disso é que, enquanto a renda dos assalariados é tributada, a renda dos mais ricos não é. C) enquanto as despesas sociais são reduzidas, os gastos tributários são ampliados. Isso é, recursos financeiros deixam de ser aplicados em serviços públicos para que empresas deixem de pagar seus tributos devidos, com promessas raramente cumpridas. A Campanha #SóAcreditoVendo vendo denuncia a falta de transparência, participação social e monitoramento das renúncias tributárias. São R$ 300 bilhões anuais em média isentos, sem que saibamos em detalhes quem são os beneficiários, quanto estão recebendo e se estão cumprindo suas promessas de geração de emprego e fortalecimento da economia local.
*Grazielle David é assessora política do Inesc e especialista em Orçamento Público