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Sistema abrange diversas ações voltadas à garantia da qualidade de vida do brasileiro que nem sempre são visíveis para boa parte da população
São Paulo – Entre as diversas faces da importância do Sistema Único de Saúde (SUS) estão as ações direcionadas para garantir a saúde do trabalhador, um dos pontos debatidos em live organizada pela CUT-SP na terça-feira (6).
“Por ser um sistema sem interesses de lucro e cuja base pressupõe o trabalho como um dos determinantes da saúde, o SUS pode, com isenção, exercer a vigilância dos ambientes de trabalho, tirando das mãos das empresas o monitoramento autodeclarado. Se o que as empresas declaram de suas condições de trabalho fosse verdade, não teríamos o número de acidentes e doenças que nós temos hoje”, disse a médica e pesquisadora Maria Maeno.
A interlocutora de saúde do trabalhador no Grande ABC Eliana Pintor complementou, ressaltando o amplo alcance do sistema no Brasil. “(A ação do SUS) vai além da consulta médica, ela adentra os ambientes de trabalho e vai corrigir na causa. Qual convênio (médico) que tem isso? Quando muito perguntam onde você trabalha. Agora, quem faz o nexo, quem vai interditar a máquina que amputou é o SUS”, pontua. “Tem de saber como estão acontecendo as doenças, como elas estão evoluindo, como estão morrendo os trabalhadores e para onde é que precisam ser direcionadas políticas em torno dessa questão de proteção à vida e proteção à saúde.”
Além do aprofundamento nas análises das condições laborais, o atendimento agrega ainda o caráter humanitário. “Fazer o enfrentamento da violência e do assédio moral são coisas também que estão colocadas dentro do SUS. Nenhum médico do convênio vai fazer esse tipo de coisa. A gente atende trabalhadores no Cerest (Piracicaba/SP) e escuta eles dizerem assim: ‘olha, eu tenho convênio, mas prefiro ser atendido aqui’. A pessoa se sente compreendida, atendida de fato”, acrescenta Eliana.
Grande desconhecido
Apesar de fundamental, a extensa ramificação de ações voltadas para assegurar a qualidade de vida dos trabalhadores não é percebida pela sociedade como parte do sistema de saúde pública. “Sempre digo que o SUS é um grande desconhecido de uma parte da população brasileira, embora todas as pessoas usufruam. Parte da população pensa que o SUS se resume a assistência em UPAs, AMAs e hospitais”, afirma Maeno.
A médica elenca outras frentes de atuação do Sistema Único de Saúde. “Quando a gente vai a um restaurante, ou bar, e come comida boa, não estragada, foi a vigilância do SUS que fiscalizou. Quando se entra em um lugar fechado e não se tem um monte de gente fumando, é a vigilância sanitária a responsável. Quem faz o controle de focos e mosquitos da dengue e da febre amarela, por exemplo, é o SUS. Quando alguém precisa de transfusão de sangue, quem garante a qualidade do sangue é o SUS também. Quando a gente toma alguma medicação é a Anvisa, do SUS, que liberou.”
“Se alguém tem Aids, não morre como acontecia há 30 anos. Recebe tratamento gratuito, que permite uma boa vida por muitos anos. Se alguém quer parar de fumar, encontra equipes também, prontas para ajudar com medicamentos. E quando alguém precisa de um transplante de órgão, é o SUS que garante, porque 96% dos transplantes do país são custeados por ele. O Brasil tem o maior sistema de transplante de órgãos do mundo”, afirma. “A lista é enorme, mas o projeto neoliberal é fazer um pacote mínimo para a população carente e passar o restante para a iniciativa privada, com planos de baixa qualidade. São muitos os ataques de quem não quer um Estado de bem-estar social no Brasil.”
Sob ataque
A ofensiva da política neoliberal ocorre, de acordo com Maria Maeno, em campos como a da grande mídia e espaços de poder público. “(Há uma) propaganda cotidiana contra o SUS e incentivo à adesão aos planos privados, grande parte deles tendo o sistema financeiro por trás, com seus parlamentares, deputados e senadores, a votarem leis e emendas constitucionais que prejudicam o sistema público e favorecem o privado de saúde e seguros”, afirma.
“Os grandes veículos de comunicação disseminam, há anos, imagens de filas e problemas nas unidades de saúde, que existem, claro, mas sem nunca falar nas coisas positivas. Piadas, quadros cômicos em horário nobre com comediantes populares, por anos a fio, fazem com que as pessoas sintam vergonha de serem usuárias do SUS. Totalmente oposto de outros países, onde o cidadão tem orgulho de seus sistemas de saúde. Todos os sistemas têm problemas. A opção é lutar para enfrentá-los e não boicotar os princípios que garantam serviços de saúde para todos.”
A pesquisadora citou mais “maldades”, como o subfinanciamento. Neste ponto, Douglas Izzo apresentou números assustadores. Citando a Emenda Constitucional 95, que implementou o teto de gastos, o presidente da CUT-SP mostra que só em 2019 foram retirados do SUS R$ 20 bilhões. “Estamos em 2021, são R$ 60 bilhões que poderiam estar sendo investidos e não estão, em função do teto de gastos que foi implementado pelo governo Michel Temer”, acrescenta.
Ele lembra também da extinção da CPMF, em 2007, “pra fazer a disputa política com o governo Lula”. Segundo Izzo, a decisão do Congresso Nacional de acabar com a fonte de financiamento retirou R$ 32,85 bilhões por ano. “Durante esse período, desde 2007, a saúde deixou de receber R$ 400 bilhões.” Outro desfalque vem dos próprios convênios médicos, que acumulavam dívidas de R$ 5,7 bilhões ano passado por conta de pacientes atendidos em hospitais públicos, mas tenham o convênio. Nesses casos, o SUS cobra do plano de saúde, que, muitas vezes, não repassa. “O paciente é atendido no sistema público, a empresa cobra o plano de saúde desse paciente e não repassa para o SUS.”
“É bom a gente ter clareza que esses recursos existem e há uma opção do governo em não investir em saúde pública no país”, resume Douglas Izzo. “Aqui em São Paulo, o governo do estado retirou R$ 800 milhões e aumentou em 70% as verbas de publicidade”, diz.
Controle social
Um dos pilares da importância do SUS é o controle social, previsto, segundo a conselheira estadual de Saúde em São Paulo Ivanice da Silveira, no artigo 198 da Constituição. “Não dá pra fazer saúde só com a cabeça do gestor, só de um lado, tem que ter a sociedade pensando no que é melhor”, diz Ivanice. “Nós não somos intrometidos, fazemos parte, está garantido na Constituição”, acrescenta.
Ivanice aproveitou também para lembrar que o que garantiu a participação da sociedade foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. “Antes disso teve uma luta muito grande”, lembrou. Aliás, não foi “apenas” o controle social que nasceu lá. “Na conferência teve a unificação do sistema de saúde, foi onde nasceu o Sistema Único de Saúde.”
FONTE: REDE BRASIL ATUAL