Assegurar a eficácia do princípio da igualdade, valorizar a diversidade e reforçar a democracia. Estas são as bandeiras de gestão do ministro Lelio Bentes, que assumiu a Presidência do TST em outubro de 2022, com mandato até 2024, no lugar do ministro Emmanoel Pereira, que se aposentou. Já em seu discurso de posse, destacou a importância desse ramo do Poder Judiciário para o combate de todas as formas de discriminação e assédio.
“É uma instituição que faz do oprimido a sua razão de ser. Que dá voz aos invisibilizados. Que faz do Direito instrumento de libertação e devolve a dignidade ao aviltado”. Segundo o ministro, trata-se de “um imperativo constitucional” e não pode ser considerado ativismo judicial.
Para o presidente do TST, gênero, raça, classe e sexualidade são estruturantes das relações sociais e devem ser consideradas conjuntamente na compreensão das relações de trabalho e na pacificação de conflitos trabalhistas.
“As diversas formas de vulnerabilidade social repercutem no mundo do trabalho, concorrendo para as mais variadas formas de exploração”, ressaltou. “Identidades sociais pouco ou nada valorizadas tendem a se tornar vítimas mais fáceis de acidentes de trabalho, de exploração do trabalho infantil ou análogo à escravidão e de submissão a condições de trabalho degradantes.”
No final de 2022, havia 4,5 milhões de processos em tramitação na Justiça do Trabalho. O número de casos novos distribuídos durante o ano coincidiu com a quantidade de decisões assinadas por juízes, desembargadores e ministros do TST: 3,1 milhão.
Os dados mostram que as atividades econômicas com mais ações trabalhistas propostas foram: serviços, indústria, comércio, a administração pública e o setor de transportes. As principais reclamações giraram em torno do pagamento da multa de 40% do FGTS, de horas extras, da multa do artigo 477 da CLT, de aviso prévio e do adicional de insalubridade. Estas causas estão entre as maiores demandas de todo o Judiciário no país.
Os ministros do TST julgaram 443 mil processos em 2022, quase 70 mil a mais que no ano anterior. O aumento da produtividade foi de 18,5%. Em média, cada uma das oito turmas julgou 52 mil ações e cada ministro 16 mil. “Estamos julgando cada vez mais e havemos também de julgar cada vez melhor”, diz o presidente.
Ao contrário da tendência na Justiça do Trabalho como um todo, a distribuição de casos no TST caiu cerca de 10%, de 342 mil para 307 mil. Um reflexo da reforma trabalhista que criou empecilhos para acesso do trabalhador à Justiça ao transferir a ele os custos com o advogado das empresas em caso de derrota na ação.
O acervo do TST passava de 593 mil em dezembro de 2022, aumento de quase 2%. Para o ministro Ives Gandra Filho, uma das causas para que o acervo não diminua “tem sido o fato de as questões não se resolverem mesmo depois de pacificadas pelo STF”. “O TST tem sido refratário a aplicar teses definidas pela Suprema Corte, levantando distinguishings para continuar julgando da mesma forma que fazia antes”, critica.
Cita os Temas 246 e 725, de repercussão geral, relativos à terceirização. “O TST tem reconhecido a responsabilidade subsidiária da administração pública em 80% dos casos, por atribuir o ônus da prova ao ente público, o que gerou novo tema, o 1.118, para ser rejulgado pelo STF, mesmo quando ambas as turmas do STF já tenham sinalizado que o ônus da prova é do empregado”.
O ministro explica ainda que, no que diz respeito à terceirização à atividade-fim, admitida pelo STF, “o TST tem reconhecido o vínculo direto com os tomadores de serviços, ao argumento de que há pessoalidade e subordinação direta. Com isso, os processos nunca terminam e as questões voltam à pauta”.
O Tribunal Superior do Trabalho mantém a sua tendência de julgamentos mais favoráveis ao trabalhador do que às empresas, de acordo com temas indicados pelos ministros, pesquisados no portal do tribunal e analisados pelo Anuário da Justiça. Permanece em discussão na corte se existe vínculo ou não entre motoristas de aplicativo e a empresa. O tribunal apresenta divergências de posicionamento nas turmas e o tema deverá ser julgado pela Subseção de Dissídios Individuais I.
Em relação à reforma trabalhista, o ministro Vieira de Mello Filho, afastado temporariamente das atribuições no TST para atuar como conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, entende que há alguns problemas verificados ao longo dos anos. “Houve uma grande contenção da litigiosidade. Os trabalhadores perderam o acesso à Justiça. Com isso, ficaram fragilizados”, destacou.
Para ele, é necessário que haja mais reconhecimento pela Justiça social no Brasil, já que são os trabalhadores mais vulneráveis que precisam ser atendidos. “Temos que ter cuidado com o direito social e com a legislação trabalhista porque a única fala que eles têm é no tribunal do trabalho. O que vemos é que a demanda acaba potencializando os mais poderosos economicamente. Quanto mais óbices econômicos colocamos no processo, mais dificultamos o acesso a essas pessoas a todas as instâncias da Justiça do Trabalho”, diz.
Em relação ao retorno às atividades presenciais, a corregedora-geral da Justiça do Trabalho, ministra Dora Maria da Costa, destacou que um dos desafios tem sido promover o retorno imediato.
“A adoção, como regra, do formato telepresencial para as audiências e sessões realizadas no âmbito do primeiro e segundo graus de jurisdição vinha impactando negativamente o desempenho da Justiça do Trabalho, como sinalizavam os dados de produtividade dos tribunais ao final do exercício de 2022, em cotejo com o período pré-pandemia, com um aumento expressivo no estoque de processos na fase de conhecimento, elastecimento das pautas de audiências, bem como do tempo médio de duração do processo, a despeito da redução havida na demanda processual a partir da reforma trabalhista”, justificou.
A corregedora destaca que, apesar de ainda haver certa resistência, a volta ao trabalho presencial está ocorrendo em todas as cortes. O foco principal de sua gestão tem sido orientar e fiscalizar esse processo. Também tem buscado remodelar metodologias de trabalho, otimizar as rotinas internas da Corregedoria e impulsionar os Comitês Nacionais do órgão para atuarem como ferramentas de apoio à atividade jurisdicional.
Ainda sobre o tema, ele criou, em janeiro de 2023, um grupo de trabalho que vai propor um programa institucional na Justiça trabalhista para enfrentar o trabalho análogo à escravidão e o tráfico de pessoas e a proteção ao trabalho de imigrantes. “Monta-se um arcabouço coerente com os princípios fundamentais da OIT, particularmente no combate ao trabalho infantil, erradicação do trabalho escravo, combate à discriminação e promoção da segurança e saúde no trabalho”, declarou Lelio Bentes na ocasião.
Para fortalecer uma cultura pela equidade racial no Poder Judiciário, o presidente do TST assinou, juntamente com a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial. Lelio Bentes destacou relatório da Organização das Na-ções Unidas que atestou que o racismo sistêmico é reforçado pela falta de reconhecimento formal da responsabilidade dos Estados e das instituições.
“Essa responsabilidade recai, também, sobre o Poder Judiciário, que cumpre papel fundamental não apenas na interrupção e na reparação das condutas racistas, mas igualmente na promoção da reconciliação e, sobretudo, no desestímulo à sua repetição”, afirmou.
Entre as medidas implementadas pelo TST para promover uma cultura antirracista estão: a criação de uma comissão de estudos sobre questões raciais na Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat), a inclusão da legislação antidiscriminatória no programa do Concurso Nacional da Magistratura do Trabalho, e a instituição do Grupo de Trabalho em Estudos de Gênero, Raça e Equidade na Justiça do Trabalho.
“Nesse contexto, o TST e a Justiça do Trabalho reafirmam seu integral comprometimento com a luta antirracista, cientes de nosso papel institucional na promoção dos direitos humanos no mundo do trabalho”, ressaltou.
Em dezembro de 2022, foi lançado o Guia sobre Capacitismo. De acordo com Lelio Bentes, o objetivo é disseminar informações para rever uma cultura capacitista que perpassa no dia a dia. “Expressões utilizadas, atitudes que se consolidam ao longo do tempo e cuja importância e impacto na dignidade das pessoas com deficiência não nos apercebemos, dessa forma também dificultando a sua plena integração.”
Esse viés social do TST foi percebido pelos ministros ao longo de 2022. “O TST teve uma atuação jurisdicional rica na solução de questões de direito, apesar de ainda estar convivendo com as limitações decorrentes da crise sanitária. Formalizou o uso do lema ‘O Tribunal da Justiça Social’. Conforme Plano Estratégico para o período de 2021 a 2026, a promoção da valorização das pessoas, do trabalho decente e da sustentabilidade, bem como o incentivo ao respeito à diversidade, são valores da Justiça do Trabalho”, destacou a ministra Kátia Arruda.
“No decorrer de 2023 serão realizadas diversas ações temáticas voltadas preferencialmente à divulgação de trajetórias de personalidades pertencentes a grupos sociais historicamente vulnerabilizados, como mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência, jovens, idosos e pessoas da população LGBTQIAP+”, afirmou.
Em 2022, o TST se despediu dos ministros Emmanoel Pereira e Renato Lacerda, que se aposentaram ao completar 75 anos. Uma das cadeiras foi preenchida em dezembro pela ministra Liana Chaib. “Hoje é o coroamento de 32 anos de carreira. É um momento grandioso para mim. Espero poder contribuir aqui no TST com o meu trabalho”, disse ela no dia da posse. A outra vaga, que ainda vai ser preenchida, é reservada à Ordem dos Advogados do Brasil.
*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2023, lançado no dia 10 de maio, no Supremo Tribunal Federal.
FONTE: REVISTA CONSULTOR JURÍDICO/CONJUR