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Estudo mostra que um trabalho de má qualidade pode aumentar os níveis de estresse e, como tempo, causar alguma doença

Diante do desemprego, ainda mais quando prolongado, a necessidade de ter uma renda fixa e o mínimo de estabilidade pode fazer com que escolhamos a primeira opção que surgir (mesmo que pague pouco). Afinal, qualquer trabalho é melhor do que trabalho nenhum, não é mesmo?

Não necessariamente. É verdade que alguns estudos mostram que pessoas desempregadas por muito tempo têm o dobro de risco de desenvolver doença mental, como depressão e ansiedade, e altas chances de ter ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral (AVC).

Porém, um estudo publicado recentemente no International Journal of Epidemiology alerta que qualquer trabalho não é necessariamente melhor do que trabalho nenhum. Na verdade, um emprego de má qualidade pode aumentar o estresse e, com o tempo, causar alguma doença.

Pesquisadores da Universidade de Manchester selecionaram 1.116 pessoas, entre 35 e 75 anos, que estavam desempregadas em 2009 e as acompanharam por dois anos. Eles mediram indicadores de estresse crônico, como colesterol 'ruim', níveis de proteína C reativa (produzida pelo fígado quando há inflamação) e pressão sanguínea, por exemplo.

Se comparadas com aquelas que foram para um emprego bom, as pessoas que transitaram para um trabalho de má qualidade apresentaram níveis mais altos de inflamação e menor taxa de depuração da proteína C, fator negativo para a saúde.

A qualidade dos ganhos, segurança do mercado de trabalho e qualidade do ambiente de atuação também foram consideradas, assim como satisfação, ansiedade, autonomia e insegurança em relação ao trabalho.

Quem foi para um emprego ruim teve níveis mais altos de indicadores de estresse do que aqueles que continuaram desempregados. Ou seja, o simples fato de ter um emprego não melhora a saúde física e mental.

“Para as pessoas, é muito importante ter um emprego de boa qualidade porque, além da renda, o trabalho traz muitos benefícios sociais, psicossociais e de saúde”, disse ao E+ Tarani Chandola, professor de sociologia médica e pesquisador que responde pelo estudo.

Segundo ele, mesmo que ter uma renda seja bom, um trabalho ruim não traz esses benefícios se comparado com estar desempregado. Além disso, pessoas em um emprego ruim têm maiores taxas de mortalidade e saúde mais fraca, assim como as que não têm emprego.

É importante notar que altos níveis de inflamação não significam necessariamente que a pessoa em um emprego de má qualidade estava doente. Os indicadores são o primeiro sinal que podem levar a alguma doença.

Do sentimento ao físico. Os sentimentos gerados pela ausência de trabalho ou de um trabalho ruim vêm do significado que damos a essa atividade social. “Se você tem o trabalho como algo importante desde o nascimento – porque os pais saíam de casa para isso –, e que traz bons resultados, a partir do momento que fica sem, é um sentimento de menos valia, de fracasso, ser útil perde o sentido”, diz o psicólogo e orientador profissional Valdemar Bacalhau.

Ele explica que quando esses sentimentos não são elaborados, ou seja, a pessoa não fala sobre os problemas que a afligem e não ressignifica o valor do trabalho, eles se transformam em doenças físicas. “Se aquilo não for trabalhado em psicoterapia, o corpo vai pagar o preço, porque o que não é elaborado na fala se transforma em sintoma físico”, explica. “[A pessoa] precisa ter um espaço de escuta para que possa falar”, completa.

De acordo com o pesquisador Chandola, salário baixo é um dos fatores que afetam a saúde em um trabalho de má qualidade. Ele diz que a maioria das pessoas nessa condição ganhava cerca ou abaixo do salário mínimo no Reino Unido, onde a pesquisa foi feita.

Outro fator que contribui negativamente para a saúde é a falta de controle no trabalho. “Para muitos trabalhadores, ter algum grau de flexibilidade sobre as horas de trabalho é importante para que eles gerenciem outros estressores da vida deles”, pontua Chandola.

Readaptação. Bacalhau diz que é muito comum entre a geração a partir da década de 1990 ter duas formações profissionais. “Algumas conseguem, na primeira profissão, segurança financeira, realizar sonhos. Depois, elas fazem o que querem. Isso ocorre com homens e mulheres no Brasil aos 40 anos de idade”, afirma.

Nessa fase, quando não se vê crescimento no trabalho e sentido na vida, procurar uma reorientação profissional pode ajudar. Outra saída é ter o controle da própria carreira, que não precisa estar dentro de uma organização. “Cria-se um produto próprio e vende para os locais onde trabalhava”, exemplifica o psicólogo.

Essa decisão, porém, é mais difícil, pois se o cenário do mundo do trabalho é negativo, o medo da instabilidade e o significado que o trabalho tem para a sociedade podem barrar essa ideia, mesmo que a atividade afete a saúde. “O trabalho é uma parte muito grande da nossa vida e precisa ter sentido”, diz Bacalhau.

Para quem está desempregado, ele orienta repensar a carreira e fazer um planejamento, buscar todos os serviços disponíveis para se reinserir no mundo do trabalho e elaborar o sentido dele de maneira terapêutica.

 

Fonte: O Estado de S. Paulo