O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta quarta-feira 16 uma série de discussões sobre vacinação e combate à pandemia do novo coronavírus no País.
Na pauta, há uma ação de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso que discute se pais podem deixar de vacinar os filhos por convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais.
De acordo com a advogada Mérces da Silva Nunes, especialista em Direito Médico, a decisão dos ministros da Corte deve criar uma jurisprudência para casos semelhantes.
“A ação discute exatamente a obrigatoriedade das vacinas em crianças e adolescentes em razão de uma família vegana que alega que não quer usar processos invasivos nos filhos. Ali vamos ter uma amostra se teremos uma vacina obrigatória ou se a obrigatoriedade vai ser exclusivamente para crianças e adolescentes que não têm autonomia para decidir sobre a própria vida”, diz Mérces em entrevista a CartaCapital.
Com relatória de Ricardo Lewandowski, há ainda duas ações que discutem, além da obrigatoriedade da vacina, se cabe a estados e municípios ou ao governo federal impô-la.
Na ação ajuizada pelo PDT, o partido quer que o Supremo reconheça a competência de estados e municípios para determinar a vacinação compulsória. Já o PTB pede pede que a possibilidade seja declarada inconstitucional.
“Nós temos duas leis opostas. A 6.259, que trata do Programa Nacional de Imunização coordenado pelo Ministério da Saúde, e a 13.979, de fevereiro deste ano, que permite a autoridades tomarem medidas de enfrentamento da pandemia. Foi com base nessa última lei que o Supremo decidiu que estados e municipios têm autonomia para lidararem e tomarem as medidas necessárias para enfrentar o coronavírus. mO STF me parece vai ter que decidir qual das duas leis vai prevalecer”, afirma a advogada.
Para quinta-feira 17, estava agendada a discussão de duas outras ações, também de relatoria de Lewandowski, sobre o plano de imunização e a compra de vacinas pelo governo federal. No entanto, o presidente do STF, Luiz Fux, suspendeu o julgamento a pedido do relator, que recebeu um cronograma de vacinação do Ministério da Saúde e pediu mais tempo para analisá-lo.
Leia o que pode ser definido pelo Supremo a partir de hoje.
Leis opostas
Segundo Mérces, o STF deve decidir entre legislações divergentes.
“A lei 6257, que trata do Programa Nacional de Imunização coordenado pelo Ministério da Saúde e temos a lei 13.979, de fevereiro deste ano, que permite que as autoridades tomem medidas de enfrentamento. Foi com base nessa última que o Supremo decidiu que estados e municipios têm autonomia para lidareme tomarem as medidas necessárias para enfrentar o coronavírus”, afirma.
“Agora, o STF vai ter que decidir qual das duas vai prevalecer. Pela primeira, deve prevalecer o Ministério da Saúde como coordenador e a segunda é a autonomia dos estados e municipios. Eu não acho que seja um retrocesso o Supremo reconhecer que, na questão da distribuição da vacina, seja indicada a coordenação do Ministério. Nem acho que tira a autonomia dos estados e municipios. Para mim, por uma questão de ordem do processo, é preciso ter alguém centralizando. As duas coisas coexistem”, esclarece.
Obrigatoriedade da vacina
A discussão a partir das ações sob relatoria de Barroso e Lewandowski pode definir um entendimento sobre a obrigatoriedade ou não da vacinação. É o que esclarece Mérces.
“Estamos com uma ação pautada no STF e ela vai ser uma referência do que vamos enfrentar por aí, pois discute exatamente a obrigatoriedade das vacinas em crianças e adolescentes em razão de uma família vegana que alega que não quer usar nos filhos processos invasivos. O relator é o ministro Barroso e ali vamos ter uma amostra do entendimento”.
Autonomia dos estados para planejar calendários de vacinação
Para a advogada, a discussão pode levar à uma desigualdade na distribuição dos imunizantes disponíveis.
“É possível que o Supremo decida pela autonomia, mas vai ser uma chancela que fará de alguns estados mais privilegiados do que outros. São Paulo, por exemplo, com a riqueza que tem contra estados como Piauí, Maranhão, Alagoas… As populações de lá não podem ser tratadas de forma diferenciada do paulista. Eu acho que o STF vai dizer que a coordenação é nacional e vai obrigar o Ministério da Saúde colocar isso em prática”, opina a especialista.
“São Paulo tem uma produção aqui do Instituto Butantan e tem milhões de doses que foram compradas da Sinovac. As doses produzidas aqui vão estar disponíveis no começo do próximo semestre. Não é possível que o Supremo crie classe de brasileiros regionais. O STF deve dizer que a distribuição deve ser coordenado pelo Ministério da Saúde dentro da rede pública, como faz com outros programas de imunização. Para o acesso de todos os brasileiros, a coordenação não pode ser regional, tem que ser nacional”, acrescenta.
O Ministério da Saúde pode confiscar vacinas dos estados?
Mérces lembra que a lei 13.979 de combate à Covid-19 já permite requisição administrativa em situações emergentes.
“O que eu não acredito é que o STF vai autorizar essa requisição. A minha opinião é que o Supremo vai dizer que, de acordo com a legislação que criou o Programa Nacional de Imunização, a coordenação da distribuição das vacinas tem que ficar na mão do Ministério da Saúde, pois se tivermos autorização do Supremo para distribuição setorizada e regionalizada, vamos ter o caos”, opina.
“Tem que ser algo lógico e que permita que o governo federal coloque no [Sistema Único de Saúde] SUS as doses necessárias e que os estados e municípios fiquem responsáveis pela vacinação”, completa.
Registro da Coronavac na Anvisa
A especialista em Direito Médico não descarta que, na ausência de registro da Coronavac, vacina chinesa do laboratório Sinovac produzida em parceria com o Instituto Butantan, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), levo o caso ao Supremo.
“Estamos em uma situação atípica, de pandemia, em que as regras podem sofrer uma certa flexibilidade. Até o momento, a Sinovac não apresentou os resultados da fase 3. Sem eles, a Anvisa não pode registrar o imunizante. Portanto, se for um motivo técnico, o STF vai ter que pensar se valida isso ou não, pois a Corte não pode submeter a população ao risco. Se a negativa for técnica, dificilmente o Supremo vai passar por cima da agência e autorizar”, aponta.
FONTE: CARTA CAPITAL