O fim do financiamento obrigatório (que entidades tentam reverter) é só um dos efeitos da reforma trabalhista sobre os sindicatos —e, se bem usado, pode fortalecê-los, defendem cinco economistas que pesquisaram a atividade no país.
 
"A reforma abre opções de escolhas estratégicas", diz Hélio Zylberstajn, professor da USP e coordenador do Projeto Salariômetro da Fipe.
 
"Se as escolhas forem tacanhas, nada muda. Mas, se os agentes entenderem que estamos num momento de mudança de paradigma, tudo pode melhorar."
 
Promulgada em julho deste ano, a lei nº 13.467 passa a valer em novembro com pelo menos quatro efeitos diretos no mundo sindical:
 
1. Acaba com o imposto sindical
 
2. Permite acordos individuais entre trabalhadores e empresas
 
3. Cria comissões de trabalhadores em empresas com mais de 200 funcionários, que podem negociar com os patrões
 
4. Libera demissões involuntárias da homologação pelo sindicato
 
MENOS VERBAS
 
O fim do desconto de um dia de trabalho de todo empregado afeta as finanças das entidades de trabalhadores.
 
O recurso, conhecido como imposto sindical, chegou a R$ 2,6 bilhões em 2016 (60% do descontado), e é fonte fundamental de manutenção de entidades com poucos associados.
 
Estima-se que cerca da metade dos 7.000 sindicatos de trabalhadores urbanos do setor privado tenha sido criada apenas para receber o imposto, sem atuar pelos interesses de seus representados.
 
A reforma trabalhista determinou que o desconto seja feito apenas dos trabalhadores que o autorizarem.
 
Com a perspectiva de perder essa verba, entidades sindicais negociam com o Ministério do Trabalho outra contribuição obrigatória.
 
Ela seria decidida pela categoria na assembleia que aprova a convenção coletiva. Se 10% da categoria participar da votação e o desconto for aprovado por metade deles mais um, todos os trabalhadores terão o valor descontado.
 
Na prática, a nova fonte de renda pode ser até maior que o imposto sindical, se o valor aprovado em assembleia exceder o de um dia de trabalho.
 
"Se forem atrás dessa migalha, não vamos avançar nada", diz Zylberstajn.
 
Ele defende que trabalhadores de cada empresa decidam, por maioria, se querem contribuir.
 
Para Sergio Firpo, professor do Insper, não contar com receita obrigatória levaria os sindicatos a defender melhor os trabalhadores.
 
"Uma coisa é viver de mesada, outra é ter que trabalhar para se sustentar."
 
CARONA
 
Uma das dificuldades para os sindicatos, porém, é que suas conquistas valem para todos, e não só para os sindicalizados.
 
Isso cria o que os economistas chamam de "free riders", "caroneiros" que não veem incentivo para se associar.
 
Uma forma de atrair membros, diz Firpo, pode ser mostrar que as condições podem piorar se os sindicatos se enfraquecerem: "As conquistas valem para todos, mas elas só haverá conquistas se os sindicatos conseguirem se manter".
 
"É como em um jogo: se cada um achar que o outro vai contribuir, ninguém contribui, e todos perdem", diz Naercio Menezes Filho, também do Insper.
 
Ele acredita que trabalhadores podem aderir espontaneamente se perceberem que isso traz vantagens.
 
Menezes Filho lembra que sindicatos como o dos bancários paulistanos, considerado um dos mais fortes do país, defendem o fim do imposto sindical e devolvem a seus membros o que foi descontado do holerite.
 
"Eles entendem que a adesão voluntária fortalece a entidade. Não lutariam por algo que os prejudica."
 
João Guilherme Vargas Netto, consultor de entidades de trabalhadores, discorda: "Ninguém defende a sério o fim do imposto".
 
"DEFORMA TRABALHISTA"
 
Vargas Netto, que chama a nova lei de "deforma trabalhista", diz que cortar as fontes de financiamento não é a melhor forma de combater sindicatos "de fachada".
 
"É como jogar o bebê junto com a água. A solução correta seria apertar a fiscalização."
 
Mantidas as regras da nova lei, grande parte dos sindicatos deve perecer e dar lugar a entidades mais verticais e mais representativas, dizem os cinco economistas.
 
Não haverá impacto com o desaparecimento de vários sindicatos, afirma José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio, porque eles já não funcionam na prática.
 
"Os que hoje são fortes e mobilizam trabalhadores já se constituíram assim. Os outros, que sofrerão com as mudanças na lei, não cumprem nenhuma função", diz Camargo.
 
Na avaliação do professor da UnB Jorge Arbache, secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, o atual sistema sindical brasileiro não faz bem nem para os sindicatos nem para as relações de trabalho.
 
No Brasil, cada categoria é representada por apenas um sindicato por município -a chamada unicidade sindical. A falta de competição, o financiamento garantido e a possibilidade de o trabalhador pegar carona desestimulam a associação. Em 2015, eram 18,4 milhões os trabalhadores com 16 anos ou mais sindicalizados, 19,5% de um total de 94,4 milhões de empregados, segundo o IBGE.
 
Como comparação, as taxas variam de 50% a 80% nos países escandinavos e ficam perto de 30% na Itália, no Canadá e no Reino Unido.
 
NEGOCIAÇÃO INDIVIDUAL
 
A segunda mudança da lei trabalhista que afeta os sindicatos é a que permite acordos individuais de aspectos como duração diária do trabalho, horas extras, banco de horas, compensação de jornada (para trabalhadores mais qualificados).
 
A lei também cria comissões de trabalhadores em empresas com mais de 200 funcionários, com poder para negociar com a empresa diretamente.
 
Esses pontos são considerados graves por Vargas Netto, porque ferem a capacidade de representação dos sindicatos.
 
Segundo ele, entidades de metalúrgicos de várias tendências já estão discutindo uma estratégia comum para as negociações do segundo semestre.
 
"As próprias entidades vão descobrir condições de resistência."
 
VALE O ACORDO
 
Os acordos sem o sindicato são fortalecidos por outra mudança na lei, que dá ao que for negociado prevalência sobre o que está na legislação, impedindo que os acordos sejam desfeitos na Justiça do Trabalho.
 
A prevalência dos acordos também favorece os sindicatos que conseguirem boas negociações coletivas.
 
"Antes, todo o esforço de negociação ia por água abaixo, porque a Justiça do Trabalho depois determinava que as concessões contrariavam a legislação. A nova regra vai legitimar a ação dos sindicatos", diz Firpo.
 
Para Arbache, essa mudança vai exigir um grau de aprendizagem de todos os lados, mas pode levar as relações de trabalho a um outro patamar.
 
"É preciso criar um sistema que favoreça o compartilhamento de interesses. A economia global exige respostas mais sofisticadas, é preciso olhar para fora da porta da fábrica."
 
Zylberstajn afirma que não só trabalhadores, mas empresários precisam encarar as novas opões trazidas pela reforma com um olhar diferente, que traga crescimento para os dois lados.
 
Por fim, a nova lei dispensa a homologação sindical nas demissões imotivadas.
 
ROBÔS RIVAIS
 
Arbache considera fundamental que os sindicatos passem a se preocupar com interesses de médio e longo prazo, e não só os de curto prazo.
 
"Robôs muito baratos, softwares gratuitos, inteligência artificial e muitas outras inovações tecnológicas vão transformar ainda mais a forma como se produzem bens e serviços."
 
Segundo Arbache, se não se preparar para esse futuro, o país perderá competitividade e demandas trabalhistas ficarão inviáveis tanto para empresas quanto para governos (que não conseguirão manter benefícios como seguro desemprego).
 
O professor da UnB diz que a saída é sindicatos e empresas agirem juntos para levar seus setores à liderança, com a criação de tecnologias e novas formas de emprego.
 
"A mudança pode doer agora, mas os sindicatos podem voltar com uma agenda muito mais forte que a atual."
 
Hélio Zylberstajn, da USP, concorda que o país precisa se preparar para as mudanças na forma de produção, mas considera que o impacto ainda é remoto no Brasil.
 
"Há muito a ser construído, muito espaço até exaurir o mercado de trabalho."
 
Mudanças grandes no mercado de trabalho, como terceirização, pejotização e trabalho compartilhado também devem levar a novas revisões do sistema.

 

Fonte: Folhapress