Entidades vinham perdendo espaço desde a reforma trabalhista; com crise do coronavírus, assinaram 840 acordos coletivos em abril
Sindicatos têm sido procurados por trabalhadores, empresas e entidades patronais para negociar acordos coletivos de reduções de jornada e salários, suspensão de contratos e garantia de empregabilidade previstos pela MP 936.
Foram assinados 170 convenções e 670 acordos coletivos até esta quinta-feira (30) para aplicar a medida provisória que visa dar fôlego às empresas e evitar demissões em meio à pandemia da Covid-19.
A norma, que aguarda aprovação na Câmara, possibilita redução de jornada com corte proporcional de salários por até 90 dias e suspensão de contratos por até 60 dias.
Em contrapartida, prevê estabilidade no emprego por até 90 dias e o pagamento de compensações pelo governo que têm como base o valor do seguro-desemprego ao qual o trabalhador teria direito.
O STF decidiu que acordos individuais têm efeito imediato e não podem ser alterados por sindicatos. Mesmo assim, entidades e advogados trabalhistas dizem que negociações coletivas ainda são a regra.
“Os sindicatos têm buscado acordos criativos para preservar empregos na crise, com dispositivos como licenças remuneradas, uso de banco de horas, garantias de estabilidade”, diz o advogado Antonio Carlos Aguiar, do escritório Peixoto & Cury.
As entidades têm adotado a estratégia da negociação rápida, aprovada em assembleias virtuais, e refutam os acordos individuais, segundo Douglas Izzo, presidente da CUT (maior central do país) em São Paulo. As tratativas da empresa diretamente com o empregado ainda precisam ser comunicadas ao sindicato.
“Buscamos negociação rápida com entidades patronais ou empresas. O ideal é fechar convenção que vale para toda a categoria, mas buscamos acordos com empresas quando há heterogeneidade no setor e muitos negócios pequenos.”
Segundo ele, a adesão dos trabalhadores aumentou com votações virtuais, por meio de sites ou aplicativos como o Zoom e o WhatsApp.
“Isso facilitou a interação. É possível ter uma adesão massiva de categorias como a de porteiros, que presencialmente seria quase impossível”, diz Clemente Ganz Lucio, assessor das centrais sindicais.
É o caso do Sindicato dos Comerciários de São Paulo. “Usamos nosso site para colocar exemplos de acordos para quem não precisasse da nossa interlocução. Cerca de 80% dos trabalhadores estavam na primeira faixa que poderia ter negociação individual. Fizemos o máximo de acordos possível”, diz o presidente da entidade, Ricardo Patah.
“Muitos trabalhadores entenderam que o momento é de crise e que buscar a negociação via sindicato é mais vantajoso, minimiza perdas. As empresas também sabem que os acordos coletivos têm mais segurança jurídica”, afirma João Carlos Gonçalves, o Juruna, secretário-geral da Força.
“As negociações coletivas trazem proteção jurídica maior. Um empregado pode dizer na Justiça que se sentiu coagido a assinar um termo individual”, diz João Pereira Neto, do escritório Machado Meyer.
Até agora, há quase 10 mil ações trabalhistas que citam o coronavírus, segundo levantamento da empresa Datalawyer e do Consultor Jurídico. Só semana passada, foram 2.433 ações judiciais novas. O estudo leva em conta apenas processos públicos, de acordo com Caio Santos, coordenador da pesquisa.
As centrais têm pressionado deputados a eliminar do texto da MP a possibilidade de acordos individuais ou restringir a possibilidade dessa tratativa.
“Um dos argumentos a favor dos acordos individuais é que o momento exige rapidez nas negociações, mas os sindicatos têm feito negociações rápidas, com opções de acordos em seus sites”, diz Juruna.
Categorias mais organizadas, como a de químicos, bancários e metalúrgicos, têm conseguido acordos que preveem, por exemplo, a manutenção do pagamento do salário líquido dos trabalhadores.
Na Grande São Paulo, o tradicional sindicato dos metalúrgicos do ABC já celebrou 30 acordos para a aplicação da MP, segundo o presidente da entidade, Wagner Santana.
“Metade da categoria já está contemplada nessas negociações e todas foram assinadas depois da decisão do Supremo sobre os acordos individuais”, diz.
Santana defende a priorização da negociação de convenções gerais primeiro e, em empresas maiores, a realização de acordos com mais garantias. “As convenções dão acesso a milhares de empresas que não podem negociar diretamente com o sindicato”.
A entidade fechou acordos, por exemplo, com as montadoras Volkswagen, Scania e Mercedes-Benz que garantiam compensações pagas pelas empresas além dos valores desembolsados pelo governo.
Os sindicatos que representam 150 mil trabalhadores das indústrias químicas e de plásticos em São Paulo aprovaram convenção que garante ressarcimento, por meio de banco de horas, da perda com cortes e suspensões de jornadas.
O valor das reduções de salário será subtraído da compensação paga pelo governo para o cálculo de horas a serem compensadas pelos funcionários após o fim do acordo, que vence no fim do ano.
“São 4.950 empresas no setor, e 500 delas reúnem 82% da categoria. Se fizéssemos por meio de acordo coletivo, muita gente ficaria sem essa proteção”, diz Sergio Luiz Leite, presidente da Federação dos Trabalhadores da Indústria Química de São Paulo.
Outra categoria historicamente organizada, os bancários têm evitado até o momento a redução de salários para funcionários dos maiores bancos, afirma Juvandia Moreira, presidente da Contraf (confederação nacional de trabalhadores do ramo financeiro).
No segmento de confecções, 40% dos empregados já foram contemplados por acordos, diz Eunice Cabral, da Conaccovest (confederação nacional de trabalhadores do setor). "O setor é muito heterogêneo, com muitas microempresas. Quando é possível, fazemos acordo coletivo com maior tempo de estabilidade".
FONTE: FOLHA DE S.PAULO