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PLP 210/2024 propõe limitar utilização de créditos tributários em caso de déficit nas contas públicas, o que poderia impactar FMM e FDEPM
Representantes da indústria naval demonstraram preocupação com o projeto de lei complementar do ajuste fiscal (PLP 210/2024), que tramita no Senado e autoriza o governo a limitar a utilização de créditos tributários em caso de déficit nas contas públicas, para aperfeiçoar o arcabouço fiscal (LC 200/2023). Eles temem que o texto final tenha dispositivos que possam prejudicar o uso de recursos de fundos setoriais, como o Fundo da Marinha Mercante (FMM) e o Fundo do Ensino Profissional Marítimo (FDEPM).
Durante audiência na Comissão de Trabalho (CTRAB) da Câmara dos Deputados, na última terça-feira (3), o presidente da Transpetro, Sérgio Bacci, lamentou que o tema, já afastado no passado, tenha voltado às discussões. Bacci alertou para as ameaças de retirar o dispositivo do Repetro da legislação brasileira, o que, segundo ele, inviabilizaria a indústria naval. Ele contou que foram apresentadas emendas para garantir o regime especial, que é uma ferramenta importante para as atividades da indústria naval.
Na mesma sessão, o secretário nacional de hidrovias e navegação, Dino Antunes Batista, disse que, além do Repetro, o PLP 210 ameaça a manutenção do benefício do Registro Especial Brasileiro (REB). Batista contou que o governo vem tentando sensibilizar o Senado e que o relator da regulamentação da Reforma, senador Eduardo Braga (MDB/AM), tem indicado a necessidade de mobilizar o governo sobre a matéria. “Temos trabalhado nesse sentido porque, se não conseguirmos manter o REB, nada disso adiantará porque acabaremos com a indústria naval brasileira. Precisamos manter o REB no final da Reforma Tributária”, apontou Batista.
A audiência na CTRAB discutiu o projeto de lei 1.319/2024, apresentado em abril, que prevê mudanças na Lei 14.301/2022, que cria o programa BR do Mar. A deputada Jandira Feghalli (PCdoB-RJ), autora do PL, disse que houve entendimento de que não seria viável revogar o texto do BR do Mar integralmente, mas que o foco deveria ser alterações para preservar o conceito de empresa brasileira de navegação (EBN), a geração de empregos e a possibilidade de desenvolvimento da indústria naval.
“O BR do Mar, como está, inviabiliza o segmento naval brasileiro, inviabiliza a indústria”, afirmou. Jandira disse que, a partir do relatório do PL 1.319, será feita a articulação, a partir do ano que vem, o que demandará esforços do governo e diálogo com entidades setoriais e Marinha. Ela também defendeu o debate do projeto de lei complementar para impedir o contingenciamento do FMM e também do FDEPM, importante para a formação de marítimos. “O conteúdo do ajuste fiscal está em debate. Precisamos entrar com uma emenda que suprima o contingenciamento dos fundos”, sugeriu.
Bacci considera que as propostas do BR do Mar discutidas nos últimos anos tiveram interesse de acabar com navios de bandeira brasileira, com a indústria naval nacional e com empregos para metalúrgicos e marítimos do país. Ele considera que a abertura do BR do Mar foi na contramão de tudo que acontece no mundo, inclusive dos Estados Unidos, que possui medidas protecionistas desde a década de 1930, por conta do Jones Act. “Essa legislação nada mais foi do que uma grande liberação de impostos para quem quer trazer navio importado. Ninguém paga nada, afreta para a Petrobras e remete divisas lá para fora. Ganha quando entra sem pagar imposto e com as divisas”, comentou.
Bacci comparou que a Lei 10.893/2004, que trata dos instrumentos de financiamento da indústria, foi construída com debate entre todas as representações da comunidade marítima. “Precisamos, a partir do projeto, sentar e construir uma solução negociada entre as partes para que o projeto efetivamente chegue no plenário e seja aprovado”, avaliou.
O secretário de hidrovias e navegação lembrou que, durante a tramitação do projeto de lei 14.301/2022 existiam visões dentro do Congresso a favor de uma abertura maior ainda, o que dificultou as negociações. “Foi bastante complicada a negociação para que não tivéssemos essa abertura total da cabotagem. De certa forma, conseguimos manter alguns controles, por exemplo, do afretamento a tempo ser realizado a partir da subsidiária integral de EBNs”, destacou Batista.
O secretário conta que há preocupação de uma nova tramitação desse assunto polêmico, há pouco mais de três anos de um período de debates conturbados. “Temos que pensar no ambiente legislativo para ver se vamos ter efetivamente a possibilidade de resolver problemas que a Lei 14.301 trouxe relacionados à abertura do mercado para embarcações de bandeira estrangeira”, analisou Batista.
A avaliação é que o projeto de decreto proposto para regulamentar o BR do Mar traz a possibilidade de trabalhar alguns elementos da abertura feita na 14.301. “A preocupação é se temos ambiente legislativo que permita resolver os problemas da 14.301 e não aumentá-los. É uma preocupação real que temos, considerando a realidade do Congresso e sua composição”, ponderou Batista.