Leilão petróleo União

IMAGEM: ANDRE RIBEIRO/AGÊNCIA PETROBRAS

 

Uma decisão da Justiça de Brasília sobre royalties de petróleo pode prejudicar os cofres de 3 municípios do Rio de Janeiro e beneficiar outros 3, que passaram a receber valores substancialmente superiores em questão de 1 mês.

Em 19 de julho de 2022, o juiz Frederico Botelho de Barros Viana, substituto da 21ª Vara Federal Cível de Brasília, deu uma sentença favorável aos municípios de São Gonçalo, Magé e Guapimirim, que passaram a ser considerados como Zona de Produção Principal, o que assegura às cidades maior parcela em royalties. Antes, eram Zona de Produção Secundária.

Com a decisão, passaram a ganhar mais, a partir de agosto:

  • São Gonçalo – R$ 4,2 milhões em julho, R$ 49 milhões em agosto (+1.066%);
  • Magé – R$ 18 milhões em julho, R$ 42 milhões em agosto (+133%);
  • Guapimirim – R$ 15,9 milhões em julho, R$ 31 milhões em agosto (+95%).

E passaram a receber menos:

  • Niterói – R$ 101 milhões em julho, R$ 52 milhões em agosto (-49%);
  • Rio de Janeiro – R$ 35 milhões em julho, R$ 26 milhões em agosto (-26%);
  • Maricá – 240 milhões em julho, R$ 213 milhões em agosto (-11%).

As 3 cidades que viraram Zona de Produção Principal também receberam royalties referentes à participação especial trimestral. São Gonçalo recebeu R$ 219 milhões, Magé, R$ 186 milhões, e Guapimirim, R$ 121 milhões em agosto, apurou o Poder360.

Segundo a Prefeitura de Maricá, a redução terá impacto direto nas finanças do município.

“Cabe ressaltar os prejuízos e o forte impacto à população maricaense de baixa renda: a redução na arrecadação dos royalties será superior a 50% nas finanças municipais”, disse ao Poder360. Leia a íntegra da nota no final da reportagem.

A “SOMBRA DE ILHA”

O caso foi julgado em Brasília porque São Gonçalo, Magé e Guapimirim entraram com a ação contra o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), responsável por definir os municípios que fazem parte da Zona de Produção Principal, e a ANP (Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), que executa o pagamento dos royalties a partir dos critérios definidos pelo IBGE.

Para calcular quanto vai para cada município, o IBGE traça linhas imaginárias paralelas a partir do limite dos municípios litorâneos. A proporção que as linhas ocupam nos poços de petróleo produtivos é a mesma proporção que as cidades podem receber em royalties. É um modo de definir se um município é ou não Zona de Produção Principal.

Outro jeito é a partir da quantidade de instalações industriais ou de apoio envolvendo a produção e distribuição de petróleo que estão ativas em um determinado território. Segundo o IBGE, São Gonçalo, Magé e Guapimirim não se enquadram na definição de Zona de Produção Principal, de acordo com os 2 critérios.

Entre os argumentos da ação está o de que o IBGE teria mudado em 2020 seus critérios quando há saliências no litoral brasileiro, e aplicado o novo cálculo ao distribuir royalties referentes a São Sebastião, Ilhabela e Caraguatatuba, no litoral de São Paulo. A mesma medida, diz a ação, não teria sido usada no Rio.

Ocorre que não se tratou de novo critério do IBGE, mas de uma mudança de cálculo pontual em casos envolvendo ilhas que fazem “sombra” em outros municípios, bloqueando as linhas traçadas pelo IBGE.

O juiz, no entanto, aceitou o argumento de que o método deveria ser usado também no Rio, como se alguns municípios que não são ilhas devessem ser assim considerados quanto às linhas definidas pelo IBGE. Eis a íntegra da decisão (55 KB).

“Pelas projeções hoje aplicadas, os municípios do Rio de Janeiro e Niterói, especialmente, fazem sombra sim aos municípios autores, impedindo o traçado de linhas geodésicas a partir dos limites geográficos dos autores […], as projeções geodésicas são traçadas como se Rio de Janeiro e Niterói fossem sim ilhas, sendo incontroverso que os dos municípios fazerem barreira e impedem a projeção de linhas dos autores [São Gonçalo, Magé e Guapimirim]“, disse o juiz.

O magistrado é substituto. Assumiu a 21ª Vara Federal Cível durante o plantão do Judiciário e tomou a decisão de mérito 1 dia depois de tomar o posto.

Tanto o IBGE quanto a ANP enviaram pareceres contrários à decisão. Disseram que o conceito de “sombra de ilhas” é pontual e não deveria ter sido aplicado, salvo em casos que de fato envolvem ilhas. 

“É inviável considerar a hipótese de que os municípios de Niterói/RJ e Rio de Janeiro/RJ realizem ‘sombra de ilhas’ sobre os municípios requerentes, pois eles não são municípios com sede insular [uma ilha]“, disse o IBGE.

Segundo Rodrigo Mascarenhas, especialista em direito público e de petróleo e gás, a decisão é “absurda”. Ele também criticou o fato de a ação ter sido julgada em Brasília, e não no Rio, já que envolve outros municípios do Estado, e que a ANP e o IBGE têm sede na capital fluminense.

“Essa história da sombra não tem a menor aderência com os critérios da ANP e IBGE. Foi muito espantoso ter a decisão que envolve um critério super técnico, contra as diretrizes da ANP e sem ouvir a ANP”, afirmou ao Poder360.

“Não tem base técnica. E causa estranheza a decisão ter sido tomada em Brasília. Embora isso não seja ilegal, são disputas de municípios contra municípios”, disse.

Segundo apurou o Poder360, Rio, Niterói e Maricá, que passaram a receber menos com a nova divisão, só souberam do caso quando foram notificados da decisão. Ou seja, não foram ouvidos na tramitação da ação.

Depois disso, conseguiram reverter a decisão na 1ª Instância do Rio. Perderam, no entanto, em 2ª Instância. O presidente do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), Messod Azulay, derrubou a liminar (decisão provisória) favorável aos 3 municípios, mantendo os efeitos da sentença de 19 de julho, dada pelo juiz substituto. O caso agora está no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

PROCURADORIA VAI AO TCE

Para entrar com a ação, os municípios de São Gonçalo, Magé e Guapimirim contrataram os escritórios Djaci Falcão Advogados Associados e Binato de Castro Advogados Associados, que têm boa entrada em Brasília. Djaci é filho do ministro Francisco Falcão, do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

A Procuradoria Geral de Niterói foi ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro contra a contratação dos escritórios. Diz que os municípios não fizeram licitação e que os contratos devem ser suspensos. Também foi contratado o Nupec (Núcleo Universitário de Pesquisas, Estudos e Consultoria).

Também questiona a porcentagem dos honorários pagos aos escritórios, de 20%. Só com a sentença e a liberação em royalties mensais e especiais trimestrais pagos em agosto, os advogados e a Nupec já teriam recebido R$ 100 milhões.

O contrato é de 36 meses. Até o final, estima-se o pagamento de R$ 1 bilhão em honorários só referentes aos valores a menos recebidos por Niterói, segundo estimativas feitas pela Procuradoria do município.

Em nota, a prefeitura de São Gonçalo disse que a contratação foi feita “dentro dos trâmites legais, tendo em vista que a Procuradoria não dispõe de corpo técnico com expertise necessária para litigar sobre o tema em questão”. 

FONTE: PODER360