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Com informalidade em alta e promessas de geração de empregos não cumpridas, discussão retorna com novos contornos
A possibilidade de revisão – e até revogação – da reforma trabalhista de 2017 se tornou tema das eleições de 2022. A antecipada corrida eleitoral renovou a discussão sobre as mudanças implementadas na legislação trabalhista – se foram favoráveis ao mercado de trabalho ou se, por outro lado, retiraram direitos dos trabalhadores, que veem o avanço da informalidade e a permanência do alto desemprego.
A campanha prévia do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), líder nas pesquisas de intenção de voto, fala na possibilidade dessa revisão, o que poderia impactar propostas de adversários à Presidência. Em discussões internas, a federação partidária que agrega PT, PCdoB e PV em torno da candidatura de Lula cogitou defender a revogação na proposta de governo.
Porém, em momentos públicos, Lula tem falado em uma revisão em vez de “voltar ao que era antes” – essa é versão mais atualizada do discurso sobre o tema. Nesse sentido, ele tem defendido que a contribuição sindical compulsória não retorne, mas que os sindicatos possam negociar em assembleias com as diferentes categorias de trabalhadores os valores das contribuições. Por outro lado, o petista critica o regime de trabalho intermitente, introduzido pela reforma, e a falta de cobertura a trabalhadores de aplicativos pela CLT.
Do outro lado, o governo de Jair Bolsonaro (PL) também já tocou no assunto reforma trabalhista – nesse caso, não se trataria de rediscutir as mudanças de 2017, mas de fazer uma nova reforma. No final do ano passado, foram divulgados estudos de especialistas convidados pelo Ministério da Economia para pensar em mudanças no mercado de trabalho e na legislação trabalhista.
Entre elas, estavam o fim da multa do FGTS, mudanças no seguro-desemprego, a possibilidade de trabalho aos domingos e a expressa inexistência de vínculo trabalhista entre aplicativos e trabalhadores. O governo Bolsonaro, entretanto, dizia que não necessariamente endossaria ou levaria adiante as propostas.
Ainda, em 2020, o Senado enterrou uma medida provisória do governo que fazia uma minirreforma e criava a “carteira verde e amarela”, que previa redução de encargos, como da contribuição previdenciária, a empresas que contratassem jovens para o primeiro emprego, e dispensava temporariamente o recolhimento do FGTS.
Em entrevista a uma rádio paraense neste mês, Bolsonaro disse que pensa em retomar o projeto. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também reapresentou a proposta para um eventual segundo mandato, em fala em evento da Associação Comercial e Empresarial de Maringá há duas semanas.
Questionamentos à reforma trabalhista no STF
A reforma de 2017 foi contestada em diferentes pontos desde que foi aprovada. Uma série de temas delicados aguarda decisão no Supremo Tribunal Federal (STF), e boa parte dos julgamentos está parada com pedidos de vista ou de destaque. O julgamento que contesta a permissão para o contrato de trabalho intermitente, por exemplo, foi paralisado por um pedido de vista da ministra Rosa Weber em 3 dezembro de 2020. Quinze dias depois da vista, ela liberou o caso para julgamento, que agora depende de ser pautado pelo presidente da Corte, Luiz Fux.
Também falta julgar o teto a indenizações por danos morais; a jornada de trabalho 12 por 36 horas por acordo individual; a preponderância do acordado sobre o legislado; se dispositivos de acordos coletivos podem integrar contratos individuais; e a dispensa da participação dos sindicatos nas demissões sem justa causa
No ano passado, o STF julgou inconstitucionais os artigos da reforma que determinavam que beneficiários da Justiça gratuita pagassem pela perícia e os honorários advocatícios sucumbenciais se perdessem a ação. Foi mantida apenas a cobrança do pagamento das custas processuais em caso de arquivamento injustificado por ausência em audiência. Outro dispositivo que já havia caído permitia o trabalho insalubre a gestantes e lactantes.
O mercado após a reforma e os desafios futuros
As principais críticas à reforma – especialmente na defesa de uma revisão – são de que ela não cumpriu as expectativas de gerar empregos. Isso apesar de ter reduzido a litigiosidade na Justiça do Trabalho – em cerca de 40% entre 2016 e 2020, segundo relatório Justiça do Trabalho.
Durante a tramitação, o governo Michel Temer divulgou estimativa de que ela geraria 6 milhões de empregos em uma década com a aprovação, um terço deles apenas nos dois primeiros anos.
Antes da mudança na legislação, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua mostrava desocupação 12,6%. No trimestre móvel encerrado em fevereiro, a taxa de desocupação estava em 11,2%, após ter chegado a atingir 14,7% em maio de 2021. Cerca de 50% dos trabalhadores são informais.
Ao observar esses números, é preciso levar em conta que, além de fatores como a emergência sanitária, o mercado de trabalho brasileiro tem problemas estruturais mais duradouros, como alta informalidade e rotatividade, que pesam para os resultados – isto é, não se trata de uma simples relação de causa e efeito sobre as mudanças na legislação.
“Não é uma reforma trabalhista que gerará empregos, mas o incremento da economia. Ela trouxe ganhos importantes, como a valorização da negociação coletiva”, diz Alexandre Furlan, presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O número de acordos para rescisão de contratos de trabalho em 2017 era de 6 mil e saltou para 204 mil em 2021, de acordo com o novo Caged, registro de admissões e dispensa de empregados usado pelo governo federal. Nesta modalidade, prevista na reforma de 2017, como há acordo e não rescisão unilateral, os encargos para empresas são menores.
“Somos favoráveis a reformas que possam trazer avanços e somos abertos a uma revisão, mas a lei foi fruto de muito debate, então é importante que ela não se desnature. Falar em revogação é da boca para fora, porque não funciona assim no Congresso”, completa Furlan.
Os números do período mostram que não houve a explosão de empregos almejada, inclusive nos novos modelos, como o trabalho intermitente. Dois anos após a reforma, o saldo desses contratos foi de cerca de 143 mil, segundo o novo Caged.
No mês de fevereiro de 2022, o saldo de criação de vagas foi de 328 mil postos de trabalho adicionais, sendo 8,8 mil intermitentes. Nesse modelo, o trabalhador tem carteira assinada pelo empregador que o aciona quando há demanda; as horas trabalhadas devem ser pagas com salário mínimo proporcional, que, no final do mês, pode ser menor do que aquele pago a quem tem contrato integral.
A ideia é que os trabalhadores possam firmar mais de um contrato e ir complementando a renda. No entanto, também em fevereiro, apenas 36 trabalhadores tinham mais de um vínculo de contrato intermitente.
“Antes da reforma, havia uma estrutura legislativa que não era excessivamente protetiva e ela deve ser encarada também como uma questão civilizatória, e não só para gerar empregos”, afirma o economista Vitor Filgueiras, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador da Rede de Estudos e Monitoramento da Reforma Trabalhista (Remir-Trabalho).
A redução de litígios significa que processos por reconhecimento de vínculo deixaram de ser ajuizados, por exemplo. “Boa parte dos informais tem empregador, mas não carteira assinada. Além de lei, precisa haver efetividade e fiscalização”, diz Filgueiras, que, entre 2007 e 2017, foi também auditor fiscal do trabalho.
Além da alta taxa de desocupação, a retomada da economia brasileira após a fase mais aguda da pandemia de Covid-19 preocupa justamente pelo aumento da informalidade – que já se apresentava como um problema relevante no mercado de trabalho nacional nos últimos anos, especialmente após a crise de 2016. Esse cenário é difícil de atacar apenas com legislação.
“Vemos a recuperação do mercado de trabalho para níveis anteriores à pandemia, mas o que está destoando em relação a outros momentos é que isso só aconteceu puxado pelo crescimento do setor informal”, diz Carlos Henrique Corseuil, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) especializado em conjuntura do mercado de trabalho.
O caso da Espanha
Frequentemente, quando se fala da possibilidade de uma revisão da reforma no Brasil, é trazido à tona o caso da Espanha, que teve uma flexibilização semelhante à brasileira em 2012 e, no início deste ano, reverteu algumas das alterações com uma nova lei. Durante viagem à Europa no ano passado, Lula se encontrou com Yolanda Díaz, ministra do trabalho da Espanha e uma das articuladoras das recentes mudanças no país.
Há dez anos, a Espanha lidava com os efeitos de uma crise econômica na Europa, com desemprego que chegou a atingir 20% da população. Com a urgência para reverter o cenário, o Congresso espanhol aprovou a flexibilização das leis trabalhistas, na expectativa de gerar mais empregos ao reduzir exigências do setor produtivo na hora de contratar.
Entre as mudanças, estava a dispensa de justificar que eventuais demissões eram necessárias para garantir a rentabilidade do negócio, além de redução na indenização obrigatória para esses casos — em vez de 45 dias de salário por ano de trabalho até um teto de 42 meses de remuneração, a indenização passou a ser de no mínimo 33 dias de remuneração a máximo 24 meses.
De forma semelhante à reforma brasileira, os acordos coletivos firmados diretamente entre empregados e empresas, sem intermediação de sindicatos, passaram a ser possíveis e priorizados. Assim, empresas passaram a poder negociar acordos e cláusulas contratuais diretamente com os trabalhadores.
Para estimular o mercado de trabalho, foram criados benefícios fiscais para: incentivar contratações, como a efetivação de estagiários; que o trabalhador que recebia o seguro-desemprego mantivesse um percentual desse benefício após ser contratado; e possibilitar contratos temporários com prazo mais amplo.
O principal motivador para a revisão, defendida pelo primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez, do Partido Socialista Operário Espanhol, é que a reforma fez explodir contratos temporários de trabalho, que tem menor proteção em relação aos trabalhadores permanentes. Assim, a reformulação legislativa na Espanha focou nessa seara — não se tratou de uma revogação completa.
Com a revisão, contratos do tipo receberam limitação de renovação por até seis meses ou um ano no caso de haver acordo coletivo. Além disso, ficou previsto que o acúmulo de 18 meses de contrato temporário em um período de 24 meses representa, automaticamente, um vínculo permanente.
“Há muitos problemas, mas essa reforma resolveu os principais. Embora se pedisse uma revogação total, a situação política e a necessidade de consenso não permitiam isso”, disse Rosa Maria Virolés Piñol, ministra do Tribunal Supremo da Espanha, durante fala no Congresso Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Conamat), nesta quinta-feira (28/10). “Havia uma precariedade laboral por excesso de contrários temporários, porque os trabalhadores poderiam ter 100 contratos ao ano, então o que se tinha que fazer é contratar e ponto”, disse a ministra
No Brasil, o desafio é que a cobertura atinja maior número de trabalhadores, que, praticamente, não tem qualquer adequação fora da CLT. “Temos que pensar seriamente em como o nosso sistema de proteção social pode incorporar os trabalhadores ‘por conta’, já que a nossa seguridade é muito pensada para o trabalhador formal”, diz o pesquisador do Ipea. “O emprego formal é o melhor para o empregado e também para o crescimento da produtividade, já que os trabalhadores são incentivados a se manter em um emprego”, explica.
Após a crise de 2008, outros países europeus, como Alemanha e França, em vez de alterar as legislações trabalhistas, como no caso da Espanha, criaram programas temporários de incentivo financeiros às empresas para contratação de trabalhadores formalizados. Analistas apontam que esse tipo de ação é mais eficiente para introduzir o trabalhador fixo sem carteira assinada no mercado formal.
“Os resultados são positivos, porque faz a roda começar a girar. No contexto do Brasil, isso poderia ser limitado aos trabalhadores que recebem salários mínimos e evitaria contratação sem carteira”, aponta Corseuil, pesquisador do Ipea, sobre esse tipo de ação para momentos de desemprego em alta.
Na Espanha, a recente revisão dividiu o Parlamento local. A proposta foi ratificada com 175 votos a favor e 174 votos contra, sendo que um político de oposição ao governo votou errado de forma favorável. Por lá, a proposta foi aprovada como decreto-lei (semelhante à medida provisória no Brasil), e não como projeto de lei, que permitiria alterações.
O governo espanhol defendeu que a proposta fora alvo de amplo escrutínio da sociedade, em discussões que incluíram a sociedade civil, trabalhadores, sindicatos, empresas e o governo ao longo de nove meses anteriores. No Brasil, Lula tem dito que pretende fazer a revisão após um fórum nacional envolvendo os setores econômicos, de modo similar ao implementado anteriormente em seu governo.
“A revogação também não vai gerar 6 milhões de empregos, se não houver políticas públicas e de valorização da renda. Apenas revisar leis também é perigoso, porque encobre questões centrais, como falta de investimento público voltado ao emprego de jovens”, diz Liana Carleial, professora da Universidade Federal do Paraná, pesquisadora do Núcleo de Estudos em Economia Social e Demografia Econômica.
FONTE: JOTA