O texto atual da reforma trabalhista impõe um desafio muito maior do que o fim do imposto sindical às entidades que representam os trabalhadores. Especialistas ouvidos pelo Valor apontam pelo menos outros cinco pontos que retirariam relevância dos sindicatos caso o Projeto de Lei 6.787, que tramita no Senado como PLC 38, seja aprovado em definitivo.
Fazem parte do grupo o fim da homologação obrigatória feita pelos sindicatos para demitidos com mais de um ano de serviço, fim da obrigatoriedade por parte das empresas de notificação de demissões coletivas, possibilidade de negociação direta entre empresas e trabalhadores de banco de horas, de eleição de representantes nos locais de trabalho não necessariamente ligados às entidades sindicais e total liberdade para que funcionários com remuneração superior a R$ 11 mil negociem diretamente suas condições de trabalho.
“O projeto privilegia a relação entre indivíduos, e não entre coletivos”, diz Regina Camargos, economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Para ela, medidas como a do artigo 49, que prevê a negociação direta de banco de horas, além de retirar poder dos sindicatos, podem fazer com que trabalhadores sejam “pressionados” a aceitar condições de trabalho que à priori não desejariam. O banco de horas, afirma, hoje só é estabelecido mediante acordo e seu cumprimento é monitorado continuamente por uma comissão.
“Ao dar autonomia às partes, o peso maior fica do lado do mais forte”, diz Giancarlo Borba, sócio trabalhista do escritório Siqueira Castro Advogados, referindo-se ao artigo. Para ele, seria preferível que, à semelhança de outras medidas contidas no PL, também nesse caso houvesse corte por remuneração, um nível salarial mínimo para que os trabalhadores pudessem discutir banco de horas sem intermediação do sindicato. “As pessoas estão despreparadas para esse tipo de negociação”, completa.
O corte salarial previsto no artigo 444, que estabelece que os trabalhadores portadores de diploma que recebam mais de duas vezes o limite máximo do INSS – hoje um valor ligeiramente superior a R$ 11 mil – prescindam da negociação coletiva para estipular mudanças nas cláusulas de seus contratos de trabalho, é considerado positivo pelo advogado. Assim, esses funcionários poderiam definir diretamente com seus empregadores, por exemplo, a duração da jornada de trabalho, a troca de dias de feriado e a prorrogação de jornada em ambientes insalubres.
“Essa medida tira todo o nível gerencial do alcance dos sindicatos”, ressalva Sergio Batalha, advogado trabalhista à frente do escritório que leva seu nome, crítico à restrição proposta para o conceito de trabalhador hipossuficiente. O funcionário que hoje recebe mais de R$ 11 mil, em sua avaliação, não está necessariamente fora do alcance de uma eventual “coerção patronal”.
Para ele, a reforma trabalhista cria uma contradição “que não existe em lugar nenhum” quando, de um lado, dificulta a sobrevivência, inclusive financeira, dos sindicatos e, de outro, dá às entidades “enorme poder de negociação” quando prevê as 13 situações em que o acordos e convenções coletivas podem se sobrepor à lei. “Isso talvez favoreça as negociações fraudulentas”.
Em sua avaliação, a redução do passivo trabalhista das empresas tornou-se central na proposta após sua passagem pela Câmara dos Deputados. “O negociado sobre o legislado virou uma ‘cortina de fumaça”, comenta Batalha. Um exemplo nesse sentido foi a inclusão do termo de quitação anual, que seria assinado pelos funcionários e teria eficácia liberatória das parcelas nele especificadas. “A ideia é que o termo de quitação sirva como mais um instrumento de prova, no caso de ser ajuizada ação trabalhista”, diz o texto do relatório do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN).
Tanto Batalha quanto Borba, do Siqueira Castro Advogados, avaliam que esse tipo de documento, na prática, não seria acolhido na Justiça do Trabalho, por ter pouco amparo na lei.
Para Regina, do Dieese, a possibilidade de eleição de representantes no local de trabalho nas empresas com mais de 200 funcionários, que consta no artigo 510A, também terá impacto negativo importante na estrutura das entidades trabalhistas. “Na prática, essas comissões teriam a mesma atribuição dos sindicatos”.
A economista pondera que a estrutura atual da representação de trabalhadores precisa ser reformada e que críticas antigas ao modelo brasileiro também têm eco dentro das próprias entidades. Entre os principais exemplos estão os princípios constitucionais da territorialidade da representação e da unicidade sindical, que, na prática, estabelecem que trabalhadores de uma mesma categoria de determinada região terão de ser representados por um mesmo sindicato. Para especialistas, esses pontos, que só poderiam ser modificados por emenda constitucional, ferem a liberdade sindical.
“O problema é que propuseram uma reforma sem consultar os sindicatos”, comenta Regina. Esses e outros pontos, segundo ela, estão contemplados na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 369, de 2005, que está parada na Câmara.
Para o consultor João Rached, que já foi negociador de empresas como Volkswagen e HSBC, o modelo atual está “vencido”. Sua estrutura de financiamento e legal, que permite a proliferação de entidades e favorece práticas como o nepotismo, deveria ser transformada especialmente para ampliar a representação dos trabalhadores. “Como negociador, eu quero tratar com líderes sindicais fortes”, diz.
Ele defende a atualização da legislação trabalhista, que considera excessivamente protecionista, mas afirma que o ideal seria haver um “ponto de equilíbrio”.
Fonte: Valor Econômico