(Imagem: Reuters/Sergio Moraes)
"O fatiamento da Petrobras é uma política que não encontra respaldo na estratégia de nenhuma das grandes empresas do ramo de energia", avalia a economista Juliane Furno, que completa: "a justificativa para esse crime de lesa pátria encontra respaldo na mesma lógica que sustentou a Operação Lava Jato. A idéia de que mais Estado significa mais corrupção e distorção de preços"
Desde ontem, dia 30 de setembro, O Supremo Tribunal Federal julga a Reclamação nº 42.576 – feita pelo Congresso Nacional – que exige que o processo de venda de subsidiárias de da Petrobras passe pelo Parlamento. A proposta do governo, motivada por uma denúncia de prática anticorrencial, é vender o controle de 8 das 11 refinarias da Petrobrás. A proposta, no entanto, é um atentado a razão! Na coluna de hoje quero argumentar essa hipótese com base nos seus aspectos tanto políticos quanto econômicos.
A Petrobras é um patrimônio do povo brasileiro. Sua criação é fruto da maior manifestação de massas por uma pauta de soberania vista até então na nossa história. Seu símbolo representa o anseio e a posterior conquista da autossuficiência energética e seu desenvolvimento caminha lado a lado com o fortalecimento de uma grande cadeia de fornecedores nacionais. A Petrobrás foi o maior instrumento da política industrial brasileira até hoje, provendo não apenas a preços baixos a principal energia do capitalismo – o petróleo – senão que, sobretudo, mobilizando nosso parque produtivo interno a partir do seu enorme poder de compra.
Do ponto de vista político, a ação vai na contramão das referências internacionais. Das 20 maiores empresas petroleiras mundiais, as primeiras quatro são estatais. Desse montante, no total, 13 são controlas por Estados Nacionais e nenhum deles projeta vendê-las.
A indústria de petróleo mundial foi controlada – no seu nascedouro – por grandes empresas privadas. As chamadas “Sete Irmãs”, para fazer referência ao cartel das sete maiores empresas petrolíferas, que dominaram o mercado de petróleo mundial até a década de 1960.
De lá para cá os Estados Nacionais foram assumindo o controle das suas reservas e construindo grandes empresas para operar a exploração dessa grande riqueza natural. Ou seja, a tendência mundial – em se tratando de um recurso estratégico como o petróleo – tem sido de assegurar ao controle nacional o ritmo e o desenvolvimento da sua exploração.
Ainda no que tange ao aspecto político, o petróleo – cada vez mais – tem adquirido centralidade na economia mundial. Ainda que a transformação da matriz energética mundial seja imperiosa, o fato é que, pelo menos até os próximos 30 anos, o petróleo seguirá como o principal energético do planeta. Quem o controla tem poder, e quem tem esse poder exerce – com menores constrangimentos – sua soberania.
Do ponto de vista econômico as razões não são menos disruptivas. A força das grandes petrolíferas internacionais reside, justamente, na sua capacidade de ser “verticalizada”, ou seja, operando um processo de concentração e centralização de capitais que as permite controlar todas as fases do processo produtivo. Assim, o fatiamento da Petrobras é uma política que não encontra respaldo na estratégia de nenhuma das grandes empresas do ramo de energia. A integração vertical permite que a empresa não fique vulnerável as oscilações do preço do barril no mercado internacional. Assim, em momento nos quais o preço está deveras deprimido, ainda assim a empresa pode ter déficit na produção e exploração e ser lucrativa, uma vez que ela compensa com superávit no refino e/ou na distribuição. Da mesma forma, só uma empresa integrada e estatal pode operar uma política de redução do custo do combustível – a título de estratégia de política industrial ou de soerguimento econômico nacional – reduzindo as margens de lucro no refino e compensando na exploração. Assim, no agregado, a empresa permanece lucrativa.
A justificativa de alienação dos ativos da Petrobras amparada na falácia que ela está muito “endividada” também não encontra razão econômica. A Petrobras tem uma dívida elevada como qualquer empresa petrolífera. Nenhuma grande empresa financia ousadas investidas – como foi para descobrir o Pré-Sal – usando capital próprio. O que deve-se atentar na análise da dívida não é o seu valor nominal, mas sim a sua capacidade de solvência. O endividamento da Petrobras cresce concomitantemente crescem as reservas petrolíferas, ou seja - a sua renda – o que não constitui problemas de insolvência. Além disso, os investimentos feitos no Pré-sal têm maturação média de 10 anos. Ou seja, apenas a partir de 2020 começará, de forma mais célere, a geração de receita para amortecimento da dívida. Até aí tudo absolutamente normal para quem entende do setor.
Além disso, ao vender o controle das refinarias a Petrobras vai amortecer seu endividamento apenas do ponto de vista ilusório, no curto prazo. No longo prazo, porém, ela perde o direto ao recebimento da renda futura dessa atividade. Segundo o INEEP, apenas duas das refinarias que estão na lista, a Rlam e a Rnest – geraram mais de R$ 5 bilhões de receita operacional á Petrobras, o que significa que ela teve mais capacidade de gerar lucro ao seu acionista majoritário que é o Estado.
Por fim, ainda do ponto de vista econômico, a justificativa de abrir o mercado para gerar concorrência e isso pressionar a redução do preço ao consumidor é outro atentado a inteligência. Isso porque não existe concorrência nesse mercado. Vamos substituir um monopólio público por um monopólio privado. Você não vai trocar de estado da federação para abastecer seu carro porque o preço do posto que recebe gasolina da refinaria privada está mais caro. Ou seja, estamos na iminência de formar monopólios regionais.
A justificativa para esse crime de lesa pátria encontra respaldo na mesma lógica que sustentou, sorrateiramente, a Operação Lava Jato. A idéia de que mais Estado significa mais corrupção e distorção de preços. É mais um passo do Golpe que está vocacionado para solapar a soberania econômica, política e energética nacional.
FONTE: JULIANE FURNO/BRASIL 247