Sob o discurso de combater privilégios, a proposta aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça possui muitas injustiças
Sob o discurso de combater privilégios, a proposta de Reforma da Previdência aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado possui grandes injustiças. A rigor, é uma reforma fiscal com foco na redução dos benefícios dos trabalhadores. Entre as injustiças, há pontos passíveis de correção por supressão de texto, o que sequer implica retorno da proposta para a Câmara dos Deputados.
A proposta prevê que os homens que começarem a trabalhar após a Reforma só poderão se aposentar depois de 20 anos de contribuição, aumento de 5 anos em relação à regra atual. Pelos dados de 2003 a 2017, 54% dos homens que se aposentaram por idade não conseguiriam o benefício.
O valor do benefício sofrerá enorme redução, pois não mais serão retiradas as 20% menores contribuições para calcular a aposentadoria. Além disso, só serão garantidos 60% da média até 20 anos de contribuição, se homem, e 15 anos, se mulher. Tais regras poderão causar perda de quase 50% do valor da aposentadoria. O restante irá para o ajuste fiscal de Bolsonaro e Guedes.
A diminuição do valor dos benefícios se estende à maior parte das pessoas que se aposentarem por incapacidade permanente. Se João, com 20 anos de trabalho, teve um câncer que o impede de trabalhar para sempre, ganhará apenas 60% da média rebaixada de todo o período em que pagou o INSS.
A pensão por morte passará a ser de 50% do benefício, mais 10% por dependente. Caso a condição de dependente seja extinta, o valor será subtraído da pensão. Veja o caso da Joana, trabalhadora doméstica com um filho menor de idade, que ganha um salário mínimo e ficou viúva do Pedro, que ganhava R$ 1.800. Maria terá R$ 1.260,00 de pensão. Quando seu filho for maior, a pensão será reduzida para R$ 1.080, quase o salário mínimo de 2020.
A aposentadoria especial, paga para pessoas que trabalham em atividades com exposição a risco grave para sua saúde, será praticamente extinta, já que passa a se submeter à idade mínima. José é um mineiro que começou a trabalhar com 21 anos e se aposentaria com 15 anos de efetiva exposição. Pela Reforma, ele poderá ficar no subsolo até os 55 anos de idade, exposto a gases tóxicos, à radioatividade e à falta de oxigênio. Será que José chegará vivo aos 55 anos?
O abono salarial, pago a trabalhadores formais que ganham até 2 salários mínimos, também está na mira. Só trabalhadores que recebem até R$ 1.364,43 poderão acessar o recurso, o que excluirá quase 13 milhões de pessoas. Para uma economia estagnada por insuficiência de demanda, a medida atinge em cheio o consumo, que responde por cerca de 2/3 do PIB.
Uma das mais nobres tarefas dos eleitos pelo voto popular é reparar injustiças. Por isso, o Plenário do Senado tem o dever de modificar o texto da reforma, agindo em favor dos mais vulneráveis.