No Brasil, falta emprego para 27,6 milhões de pessoas, dos quais mais de 12 milhões na condição de desempregados. Muitos desses brasileiros vão às urnas no dia 28 para decidir o futuro representante do país. Um dos assuntos mais discutidos durante os debates desse segundo turno foi o desemprego. Mulheres, negros e jovens são os que mais sofrem com a falta de oportunidade. Um público delicado, que precisa escolher em poucos dias quem é o mais indicado para colocar de volta no mercado de trabalho.
“A piora no mercado de trabalho nos últimos anos pegou todo mundo, mas atingiu mais fortemente alguns setores específicos”, explica Maria Andréia Lameiras, técnica de planejamento e pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Macroeconômicas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Um dos pontos mais graves dessa situação é que ela não é explicada por eventuais diferenças no nível de educação entre esses grupos.
“Negros e mulheres enfrentam essa desigualdade há muitos anos. E não é por questão de escolaridade, já que mulheres, em geral, têm escolaridade maior do que homens. Há um componente discriminatório claro, um tratamento diferencial”, observa Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
A taxa de desocupação no Brasil no 2º trimestre de 2018 foi de 12,4%, mas com diferenças significativas entre homens (11%) e mulheres (14,2%), apontou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). As mulheres também se mantiveram como a maior parte da população fora da força de trabalho no país (64,9%). Embora sejam maioria entre as pessoas em idade de trabalhar — 52,4% do total, segundo os dados mais recentes do IBGE —, as mulheres também são o grupo que menos consegue empregos.
"Negros e mulheres enfrentam essa desigualdade há muitos anos. E não é por questão de escolaridade, já que mulheres, em geral, têm escolaridade maior do que homens. Há um componente discriminatório claro, um tratamento diferencial"
Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Ibre-FGV
Em todas as regiões do país, os homens predominam entre as pessoas ocupadas, com 56,3% do mercado: 63,6% dos homens brasileiros estão ocupados, enquanto, entre as mulheres, a fatia é de 44,8%. Katt Lorrayne, de 25 anos, está há três anos desempregada.
Fazendo bicos de cabeleireira e manicure, ela conta que teve que parar a graduação por não ter mais dinheiro para manter a faculdade. “Eu trabalhava como recepcionista em uma empresa, mas, com a crise, ma ndaram várias pessoas embora e uma delas foi eu. Agora, minha vida é entregar currículos e economizar para não faltar nada em casa. Até a faculdade eu tive que deixar para depois”, lamenta.
Morando com os dois filhos e o marido, Katt conta que a renda do companheiro é que sustenta a casa. Ele ficou desempregado na mesma época que ela, mas já voltou a trabalhar. “Nós ficamos desempregados no mesmo ano e entregávamos até currículos juntos”, lembra Katt. Ainda que com nível de escolaridade menor do que o dela, apenas com ensino fundamental, foi mais fácil para o marido conseguir recolocação no mercado de trabalho. Para Katt, homens conseguem ser empregados de forma mais fácil. “Parece que as empresas preferem sempre eles”, acrescenta.
Há também estudos que mostram que mulheres preferem trabalhar em tempo parcial quando têm essa opção. E até mesmo quem consegue uma oportunidade sofre com o trabalho excessivo e remuneração inadequada. Foi o que ocorreu com Aniela Lira da Silva, de 20. Ela conta que trabalhou durante um mês em um supermercado no qual era atendente de caixa, mas saiu porque a carga horária era de 10 horas por dia. “Eu tenho dois filhos para criar sozinha, não tinha como eu passar 10 horas trabalhando”, explica. Ela reclama que, apesar de receber o equivalente a um salário comercial, não tinha os direitos resguardados pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS).
Com o marido preso, Aniela diz que nem o auxílio-reclusão recebe. Dessa forma, vive do dinheiro do Programa Bolsa-Família e da ajuda de familiares, que somando, ainda não chega a ser um salário mínimo. “É bem pouquinho. Mas é o que a gente tem para viver”, conta.
SEM ESCOLARIDADE Entre os mais afetados pelo desemprego, também estão os que têm menor escolaridade. “Principalmente os trabalhadores só com ensino fundamental incompleto são os que mais sofrem”, afirma Maria Andréia, do Ipea. Um dos motivos é que, à medida em que a sociedade brasileira tem se qualificado mais, os menos preparados perdem espaço. “Cada vez há mais pessoas escolarizadas no mercado de trabalho”, lembra.
Outra razão é conjuntural. Em momentos de crise, quem é pouco qualificado fica mais tempo desempregado. Tanto é assim que uma em cada seis pessoas desalentadas (que desistiram de procurar emprego) atualmente têm ensino fundamental incompleto, segundo a pesquisadora do Ipea. “Quando você está com uma economia com muita mão de obra disponível, você pode escolher quem contratar. Pelo mesmo valor, ninguém vai optar pela pessoa com escolaridade mais baixa”, explica.
Os jovens enfrentam nível de desemprego mais alto em todo o mundo. “Em geral, é um grupo que tem uma incerteza para o patrão contratar. Muda muito de emprego, porque não sabe o que fazer, tem mais tendência a sair”, explica Fernando de Holanda, da FGV. “Não é específico do Brasil.”
Embora cheguem no mercado de trabalho mais escolarizados do que as gerações anteriores, têm pouca experiência e acabam tendo mais dificuldade de conseguir trabalho por isso. “E quando a empresa demite, costuma demitir os mais jovens primeiro. Eles são os que mais perdem emprego”, ressalta a pesquisadora Maria Andréia.
Há várias explicações. Entre elas, está o fato de que o custo de rescisão do contrato é menor. “E tem a questão da experiência. Quem manda embora manda quem ele acha que vai fazer menos falta no processo produtivo. Então, manda o que tem menos experiência. Por mais que os jovens cheguem escolarizados o fato da experiência acaba pensando, principalmente em momento de recessão”, diz a pesquisadora.
SALÁRIO DESIGUAL A desigualdade de salário também é alarmante, quando a mulher consegue um emprego. “Mulher negra e nordestina ganha bem menos do que um branco do Sudeste, na mesma função e com o mesmo grau de escolaridade”, aponta Fernando de Holanda. Para ele, embora haja uma lei que proíba que se pague diferente para pessoas que exerçam a mesma função, ela precisa ser melhor fiscalizada. “Será que a gente pune empresas que não cumprem?”, questiona.
Além disso, o modelo de licença maternidade também pode ser revisto para beneficiar as mulheres, seguindo o exemplo de países que transformaram o benefício em licença parental, sugere o economista. “A licença maternidade, na visão de alguns empresários, significa que contratar mulher custa mais caro. E aí ele não contrata ou contrata pagando menos para não ter prejuízo”, explica.
FONTE: JORNAL ESTADO DE MINAS