IMAGEM: Eduardo Knapp/Folhapress

Demanda inicial e dificuldades na logística impedem escoamento do insumo do Nordeste para o Sudeste

Os grandes projetos de hidrogênio verde que começam a nascer próximo ao litoral nordestino ainda estão em fase de planejamento e construção, mas quando ficarem prontos vão mirar o mercado internacional, sobretudo o europeu. Devido a dificuldades tecnológicas para transportar o insumo, é improvável que haja escoamento da produção para a indústria nacional, hoje localizada em grande parte no Sudeste.

Essa situação cria desafios para a tentativa do governo brasileiro de fazer com que o país exporte produtos de maior valor agregado, em vez de apenas insumos energéticos. O hidrogênio verde é considerado uma commodity por alguns especialistas e, à medida que os projetos no mundo ganham escala, seu preço tende a cair –cenário ainda restrito à próxima década.

De acordo com um levantamento feito pela Folha com base em entrevistas próprias e dados da ABIHV (Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio Verde), o país tem hoje doze projetos avançados, sendo apenas um –bem pequeno– em operação. Desse total, apenas dois estão fora do Nordeste e só três estão sendo construídos especificamente para atender à demanda interna. 

Todos os outros sonham com o mercado europeu. Por dois motivos: 1) as políticas de controle de emissões da União Europeia são mais exigentes e alguns setores, como as refinarias, já correm para adquirir hidrogênio verde até o final da década. 2) A Europa tem pouca área suficiente para aumentar sua geração de energia renovável, base da produção do hidrogênio verde. É de lá, portanto, que virá a maior demanda inicial.

"A gente não vai escapar de exportar commodity. Para destravar projetos a gente precisa ter contratos de offtake de longo prazo, e os primeiros que estão surgindo são fora daqui, porque a Alemanha precisa muito de hidrogênio verde e criou agências para fomentar a produção em vários países do mundo, inclusive no Brasil", diz Luciana Costa, diretora de Transição Energética do BNDES.

Offtake é o termo técnico usado para contratos em que o comprador antecipa o pagamento do insumo, assumindo riscos, para propiciar a construção do projeto. A falta dessa figura no mercado atual, aliás, tem atrapalhado alguns negócios, inclusive na Europa.

Nesse cenário, é improvável que a primeira leva de grandes projetos de hidrogênio verde no Brasil seja para abastecer a indústria pesada nacional, como de aço, cimento, cerâmica, vidro e setor químico, as que mais precisarão do insumo.

Além disso, escoar o hidrogênio produzido no litoral nordestino para fábricas instaladas em outras regiões, inclusive do Nordeste, é hoje impraticável. Isso porque transportar o hidrogênio em forma gasosa só compensaria economicamente, segundo quem acompanha o mercado, se fosse em grandes volumes –nesse caso, porém, seria necessária uma rede de dutos mais extensa que a atual e o investimento não seria viável.

De acordo com a BloombergNEF, transportar hidrogênio via caminhão por uma distância superior a 100 quilômetros torna o insumo muito mais caro do que se transportado por gasoduto. E isso só seria viável se a produção fosse pequena. Já por cabotagem (navegação que faz rotas apenas dentro do mesmo país) seria caro demais.

Transportar o hidrogênio em sua forma líquida exigiria temperaturas abaixo de -252ºC –a temperatura mais baixa já alcançada no mundo foi de -273ºC.

FONTE: FOLHA DE S.PAULO