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Os desembargadores da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo deram por encerrado o julgamento da M5 Indústria e Comércio, proprietária da marca M.Officer, por submeter trabalhadores a condições análogas à de escravo, nesta terça (20). Ao analisar embargos declaratórios opostos pelos advogados da empresa, o TRT rejeitou a concessão de efeito suspensivo, prestando apenas esclarecimentos sobre a decisão que a condenou em novembro do ano passado.

Portanto, a decisão que confirmou a sentença de primeira instância foi mantida inalterada. Com essa confirmação, o governo paulista será comunicado para que dê início a um processo administrativo que pode levar a empresa a ser proibida de vender produtos no estado por dez anos. São Paulo conta com lei prevendo essa medida no intuito de combater a escravidão contemporânea.

Para o desembargador relator, Ricardo Artur Costa e Trigueiros, não houve contradição, omissão ou obscuridade na decisão de novembro. ”Expressou-se claramente, diante do amplo acervo probatório produzido nos autos, o conhecimento da situação das oficinas quarteirizadas no processo de produção pela M5, tudo a evitar seu flagrante envolvimento com a mão de obra em condições análogas às de escravo e a revelar, no entender desse relator, e dos demais componentes da Turma que sufragaram integralmente o voto condutor, a responsabilidade da embargante”, aponta seu relatório.

Na avaliação do relator, a empresa tentou uma nova análise dos fatos, o que não cabe a este momento processual, destinado a esclarecer a decisão.

A M5, através de sua gerência de responsabilidade social empresarial e comunicação, informou inicialmente que iria se pronunciar sobre o teor da decisão quando ela fosse publicada e a empresa oficialmente intimada. ”De qualquer modo, antecipamos que esta decisão do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo ainda está pendente de recursos constitucionais, portanto, não é definitiva.”

Após a publicação desta matéria, ela enviou um posicionamento na forma de um arquivo e solicitando que ele fosse divulgado. A empresa também afirmou que ”repudia e é absolutamente contrária a qualquer espécie de trabalho em condições análogas as de escravo, qualquer que seja sua forma, condição, circunstância ou motivação”.

De acordo com Rodrigo Castilho, procurador do Ministério Público do Trabalho responsável pelo caso, ”foi uma vitória importantíssima porque os recursos, tanto um especial para o Tribunal Superior do Trabalho quanto um extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, não podem mais analisar o acerto do juiz sobre as provas que foram apresentadas”. Segundo ele, os recursos são limitados à aplicação do direito, se houve violação da lei ou da jurisprudência de outro tribunal. ”Mas a comprovação de trabalho escravo está consolidada.”

Para o deputado estadual Carlos Bezerra Jr (PSDB), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo, ”a Justiça e o Estado protagonizam um momento histórico para nosso país, que tem se mostrado tão permissivo, omisso e covarde quando se trata de irregularidades e crimes. São Paulo está dando um recado a todos aos que exploram o trabalho escravo: aqui queremos trabalho, aliás o trabalho será sempre muito bem-vindo, mas somente as atividades que garantam a dignidade do trabalhador”.

Além de confirmar a indenização por dano moral no valor de R$ 4 milhões, que havia sido aplicada pela juíza Adriana Prado Lima, a 4a Turma do TRT-SP também reafirmou, em novembro do ano passado, que a M5 terá que corrigir os problemas detectados em sua produção e pagar outros R$ 2 milhões devido a dumping social – ou seja, por conta da subtração de direitos trabalhistas para reduzir custos e obter vantagens sobre os concorrentes. O valor será destinado ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A questão foi reafirmada pelo TRT na decisão desta semana. ”Relativamente ao dumping social ponderou-se, no entender desse relator, a negligência da empresa ré quanto às condições de higiene, saúde, segurança e sobretudo a exposição dos trabalhadores a condições análogas às de escravos de forma reincidente ao longo de toda a cadeia produtiva, ou seja, o desrespeito sistemático aos direitos sociais e fundamentais dos trabalhadores”, afirmou o desembargador Ricardo Trigueiros.

Lei Paulista – A regulamentação da Lei Paulista de Combate à Escravidão (14.946/2013) prevê que as empresas condenadas por trabalho escravo em segunda instância, nas esferas trabalhista ou criminal, tenham o registro do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) suspenso por dez anos. E, sem ele, é impossível vender no Estado. Além disso, seus proprietários ficam impedidos, por igual período de tempo, de exercer o mesmo ramo de atividade econômica ou abrir nova empresa no setor em São Paulo.

A ação do caso da M. Officer foi a primeira em que o Ministério Público do Trabalho pediu a aplicação da lei. Em sua ação, os procuradores solicitaram que a Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo de São Paulo (Coetrae), ligada à Secretaria de Justiça e Cidadania, e a Secretaria da Fazenda fossem informadas do andamento do processo. De acordo com a regulamentação da lei, o processo que pode levar ao banimento de São Paulo só se inicia após a decisão de segunda instância, ou seja, de um colegiado de juízes.

A partir da decisão do dia 20, não há mais recursos possíveis por parte da M5 na Justiça do Trabalho para evitar o início do processo administrativo de cassação do registro estadual, que depende de uma decisão colegiada final, o que veio com o TRT. À decisão, cabe recurso ao TST e ao STF, como explicado acima. Mas as cortes superiores não fazem uma nova análise das provas.

”É importante frisar que o espírito não é cassar negócios promissores no Estado, mas coibir atividades criminosas e trabalho escravo é crime”, afirma o deputado Carlos Bezerra Jr, autor dessa lei. ”A sociedade não pode aceitar o discurso do ‘aceita que dói menos’. Vivemos momentos difíceis para a economia, com altos índices de desemprego, mas também momentos de mudança de paradigmas. Administrações, sejam públicas ou privadas, que causam danos à população, em pequena, média ou larga escala, não nos servem.”

De acordo com o procurador Rodrigo Castilho, ”o procedimento administrativo para a suspensão da inscrição estadual é uma outra jurisdição. A competência da Justiça do Trabalho se limita à declaração da existência de trabalho escravo. Nós vamos esperar a publicação da decisão no Diário Oficial. E, a partir daí, vamos solicitar ao Tribunal Regional do Trabalho e à Comissão Estadual para a Erradicação do Trabalho Escravo para que enviem um ofício à Secretaria da Fazenda a fim que seja aplicada a lei”. Segundo ele, a empresa também terá, nesse âmbito, garantia de ampla defesa antes de qualquer decisão.

De acordo com o procurador, o próprio Estado de São Paulo, através de sua procuradoria, é que vai buscar a aplicação da lei, ou seja, não depende mais da Justiça. ”O Ministério Público do Trabalho vai acompanhar e monitorar esse processo. Pois isso abre um precedente importantíssimo para o combate ao trabalho escravo”, diz Castilho.

A empresa responsável pela M.Officer afirmou que há decisões do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo ”que inocentaram a M5 das mesmas acusações que o MPT fez” na denúncia que levou a esta condenação. E cita dois casos: um de um mandado de segurança decidido em favor dela contra a obrigação, em 2013, de garantir o pagamento de trabalhadores resgatados, e outro de uma decisão do TRT a favor da empresa de 2017, mostrando que os trabalhadores não eram empregados da M5, mas donos de uma oficina.

Rodrigo Castilho, por outro lado, diz que a decisão liminar de 2013 é anterior à condenação da empresa pelos desembargadores, em novembro 2017, e confirmada agora, em 2018. E que o outro caso é uma ação individual de trabalhadores relativo a outro flagrante no qual a Justiça considerou que não havia provas suficientes. Segundo ele, os libertados acabaram voltando à Bolívia, restando os próprios donos da oficina, que se colocaram como vítimas e perderam a ação.

Terceirização e Reforma Trabalhista – O tribunal considerou na decisão de novembro de 2017 que, ainda que fosse formalmente lícita a contratação de confecções e oficinas para a produção das peças vendidas pela M5, a terceirização foi utilizada para mascarar uma forma de obter ”o menor custo possível, desvencilhando-se de sua responsabilidade” com os trabalhadores.

“O objetivo principal da terceirização feita dentro dos parâmetros legais não pode ser simplesmente o da redução de custos e tampouco a diminuição de encargos trabalhistas e previdenciários como pretendem certos setores do empresariado, porque essa prática levada ao limite, passa a ter efeito perverso no tocante ao desemprego no setor e precarização dos direitos sociais”, afirmou o acórdão do tribunal.

Como explicou o procurador Tiago Cavalcanti na época, então coordenador da área de combate ao trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho, ”a ilicitude da terceirização, reconhecida em primeiro grau e confirmada em segundo, não decorreu da atividade prestada pelos trabalhadores (atividade meio ou fim), mas da fraude ao vínculo de emprego entre a M.Officer (empregadora) e os trabalhadores resgatados”.

Ou seja, as novas regras trazidas pela Lei da Terceirização Ampla (que permite terceirização da atividade-fim de uma empresa) e confirmadas pela Reforma Trabalhista em nada alterariam o teor da decisão. Para os desembargadores, os trabalhadores resgatados foram considerados empregados da empresa condenada.

Vale ressaltar que o processo trabalhista é independente do criminal. Até porque a condenação trabalhista de uma empresa por trabalho análogo ao de escravo não depende de prova de sua intenção, ao contrário de uma condenação criminal. Nesse caso, a confirmação do dolo por parte de indivíduos teria que ser apresentada.

Entenda o caso – Em novembro de 2013, uma ação coordenada por auditores fiscais do Ministério do Trabalho resgatou duas pessoas produzindo peças da M.Officer em condições análogas à escravidão em uma confecção na região central de São Paulo. Casados, os trabalhadores eram bolivianos e viviam com seus dois filhos no local. A casa não possuía condições de higiene e não tinha local para alimentação, o que obrigava a família a comer sobre a cama, a mesma onde os quatro dormiam. Os trabalhadores tinham de pagar todas as despesas da casa, valor descontado do salário. Em maio de 2014, outra ação libertou seis pessoas de oficina que também produzia para a marca. Todos eram migrantes bolivianos e estavam submetidos a condições degradantes e jornadas exaustivas segundo os auditores do Ministério do Trabalho. O grupo trabalhava em uma sala apertada sem ventilação, um local com fios expostos ao lado de pilhas de tecido e sujeira acumulada.

A condenação em primeira instância da M5 ocorreu em 21 de outubro do ano passado e tem como base ação do Ministério Público do Trabalho de São Paulo. As procuradoras Christiane Vieira Nogueira e Tatiana Leal Bivar e o procurador Tiago Cavalcanti argumentaram que peças da M. Officer eram produzidas por trabalhadores em condições degradantes e sob jornadas exaustivas (que colocam em risco a saúde, a segurança e a vida), além de relacionarem o caso ao tráfico de pessoas. Segundo eles, isso “constitui um modelo consagrado de produção da ré, como forma de diminuição de custos, através da exploração dos trabalhadores em condições de vulnerabilidade econômica e social”.

Posteriormente, os procuradores também visitaram outros três fornecedores da M. Officer, a partir de investigação utilizando dados obtidos junto à Receita Federal. Segundo eles, “a degradação humana e a sonegação de direitos trabalhistas, sociais e previdenciários é nota presente em todas as oficinas visitadas.”

Em todos os casos, as oficinas de costura eram contratadas a partir de confecções e intermediários que mantinham o contato direto com a M. Officer. Segundo os procuradores, os costureiros eram informados detalhadamente sobre o tamanho das peças, suas cores, a quantidade, os modelos a serem costurados e a data de entrega. Também recebiam botões e etiquetas da M. Officer, além de modelos para fazer as peças.

Na época, a M. Officer afirmou que sofreu uma injusta perseguição “ideológica e desassociada da realidade”. E argumentou, entre outros pontos, que as próprias oficinas desenvolviam as roupas. Dessa forma, não teria qualquer “ingerência ou controle” sobre as atividades das empresas contratadas.

A juíza afirmou, em sua sentença, que o argumento da empresa “não é crível”: “A documentação demonstrou que a ré definia em detalhes a produção das peças que seriam comercializadas.”

Após a condenação em primeira instância, a procuradora Tatiana Bivar afirmou que a postura da empresa foi distinta de outras marcas de roupa flagradas com trabalho análogo ao de escravo, que buscaram, ao menos, sanar os problemas emergenciais dos trabalhadores. “Desde o início, a M. Officer recusou a responsabilidade e nunca mostrou sensibilidade ao tema. Não teve nenhum diálogo e eles se recusaram a firmar qualquer acordo. Foi uma conduta bem peculiar,” disse.

Fonte: UOL