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Com testagem e pouca imunização, flexibilização pode aumentar número de mortes, diz pesquisa da NYU
Uma pesquisa recente indica que, para uma flexibilização segura de atividades econômicas, é necessária a vacinação diária de no mínimo 1% da população contra a Covid-19. Com essa taxa de imunização, os cientistas preveem que seria possível reduzir infecções e fatalidades mesmo que houvesse uma reabertura diária de 5% das atividades econômicas.
A pesquisa, feita por pesquisadores da área de engenharia da NYU (Universidade de Nova York) em parceria com outras quatro universidades americanas e italianas, foi publicada no periódico Advanced Theory and Simulations (Teoria Avançada e Simulações, em inglês). Os cientistas utilizaram padrões comportamentais dos moradores da cidade de New Rochelle, nos Estados Unidos, para simular matematicamente a disseminação da Covid-19 na cidade no contexto de flexibilização econômica e vacinação.
Ainda que tenha sido feito com dados relativos aos Estados Unidos, o modelo pode ser útil para entender a relação entre reabertura e vacinação quando as duas coisas acontecem simultaneamente, como está sendo feito no Brasil.
A média móvel dos últimos sete dias de vacinação no país foi de aproximadamente 0,27% da população total, conforme dados do consórcio de veículos de imprensa, do qual a Folha faz parte, abaixo, portanto, do patamar de 1% apontado pelos pesquisadores.
Uma das simulações do estudo avalliou, por exemplo, um cenário em que a quantidade de testes é baixa, a campanha de vacinação avança ao ritmo de 0,57% da população por dia e a reabertura econômica avança 1% diariamente. Nesse caso, os pesquisadores chegaram à conclusão de que pode ocorrer um aumento de 28% nas mortes por Covid-19.
Embora considerem a testagem importante para diminuir o alastramento do coronavírus, os pesquisadores ressaltam que a vacinação é primordial. Em um cenário com aplicação de testes em todas as pessoas e com uma taxa de vacinação de 0,57% por dia, qualquer ação de reabertura da economia resultaria em um aumento considerável de novas infecções.
Para frear a disseminação do vírus nessa situação, seria necessário aumentar a taxa de imunização diária ou não reabrir os setores econômicos.
O estudo também aborda os efeitos da testagem em massa. Segundo os pesquisadores, quando a margem de teste cai de perfeita (100% dos habitantes são testados) para baixa (uma pessoa sintomática tem probabilidade de 0,64% de ser testada, enquanto uma assintomática tem 0,44%), pode haver um incremento de dez vezes no total de infecções e de mortes.
O estudo usou como modelo New Rochelle, uma cidade com 79.205 habitantes no estado de Nova York.
Cada habitante do município é considerado um agente e são utilizados dados de fontes como o censo dos Estados Unidos e o Google Maps para entender demografia, arquitetura da cidade, mobilidade das pessoas, trabalho e estilo de vida dos moradores, entre outros critérios.
Os pesquisadores desenvolveram uma simulação que considerasse a propagação da Covid-19 por meio de quatro padrões comportamentais: (1) parte das pessoas trabalha fora da cidade; (2) elas utilizam diferentes meios de transporte para se deslocar ao trabalho; (3) é possível que os moradores frequentem espaços de lazer; e (4) as pessoas podem visitar umas às outras em suas casas.
Para medir a flexibilização das atividades econômicas, os pesquisadores consideram os eixos de aumento da frequência em espaços de lazer e as visitas para casas de outras pessoas.
Diante desses critérios, os cientistas realizaram simulações matemáticas a fim de entender qual deveria ser a taxa de imunização que permitiria uma reabertura segura de atividades econômicas. O resultado foi vacinação de no mínimo 1% da população por dia.
Na realidade brasileira, especialistas apontam que é necessário ter cuidado na reabertura econômica. “É possível abrir a economia de uma maneira mais acentuada quando tivermos duas doses da vacina em 70% a 80% da população”, diz Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da USP.
O professor diz que projeções matemáticas sobre vacinação e flexibilização não preveem situações como de novas variantes que podem ser mais resistentes aos imunizantes atuais, como é o caso da delta.
Para Rodrigo Fracalossi, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e autor de uma nota técnica sobre flexibilização de atividades nos estados brasileiros, é importante ter planos de reabertura transparentes e com critérios científicos, para que governantes não sofram pressões econômicas de flexibilização de atividades.
“Alguns estados não tinham critérios [de reabertura], como Goiás e Distrito Federal. Isso não significa que eles não seguiram [evidências científicas], mas indica que a decisão desses governadores não estavam necessariamente amarradas a esses critérios”, afirma Fracalossi.
Um exemplo brasileiro que indica a importância da vacinação e da testagem em massa da população para reabertura segura da economia é Araraquara.
Logo após o primeiro lockdown realizado em fevereiro, o município adotou políticas voltadas para testagem em espaços públicos, como escolas e comércio, e também fez mapeamento do contato de pessoas que tiveram teste positivo com outros moradores.
“Com essas medidas, nós temos mantido o controle, porque é preciso aumentar muito a testagem precoce para fazer o isolamento de pessoas infectadas a fim de evitar novos contágios”, afirma Eliana Honain, secretária municipal de saúde.
Embora as ações de testagem terem resultado em diminuição dos casos, o município precisou decretar um segundo lockdown no final de junho por ter atingido 20% de diagnósticos positivos de Covid-19 entre todos os testados.
Nesse contexto, a secretária diz que a vacinação foi essencial para diminuir a taxa de ocupação de leitos de UTI, que caiu de 80% para 50%.
FONTE: FOLHA DE S.PAULO