Auxílio-desemprego: uma história de sucesso que não é celebrada

Até onde sei, a maioria dos epidemiologistas está horrorizada com a corrida dos Estados Unidos para reabrir sua economia, e abandonar boa parte do distanciamento social que ajudou a conter a Covid-19.

Sabemos o que uma reabertura segura requer: um nível de contágio baixo, testes abundantes, e a capacidade de rastrear e isolar rapidamente os contatos de novos casos. Até o momento, não temos qualquer dessas coisas.

É claro que os epidemiologistas podem estar errados. Mas em cada estágio da crise, eles estiveram certos, enquanto as previsões dos políticos e seus asseclas quanto a um fim rápido da pandemia se provaram absolutamente incorretas. E se os especialistas estiverem certos mais uma vez, a abertura prematura pode resultar em centenas de milhares de mortes –e gerar resultados adversos mesmo em termos econômicos, já que uma segunda onda de infecções poderia nos forçar a voltar ao confinamento.
Assim, de onde vem essa pressão pela reabertura?

Parte dela vem dos malucos da direita. Apenas uma pequena minoria de americanos acredita que a liberdade inclui o direito de colocar vidas alheias em risco (e é isso que congregar grandes grupos de pessoas em meio a uma pandemia causa); que usar uma máscara seja antipatriótico, ou efeminado, ou algo assim; que a Covid-19 seja uma trapaça perpetrada pelos progressistas. Mas essa minoria tem imensa influência dentro do Partido Republicano.

Parte da pressão vem da obsessão de Donald Trump com o mercado de ações. Sua recusa inicial a fazer qualquer preparativo para a pandemia aparentemente se devia à preocupação de que reconhecer a ameaça, de qualquer maneira que fosse, “assustaria o mercado”. E a pressão pela reabertura pode refletir uma convicção semelhante de que voltar à vida normal seria bom para o mercado, mesmo que mate muita gente. Vamos morrer pelo índice Dow Jones!

Uma coisa que ouço com frequência é que devemos reabrir pelo bem dos trabalhadores, que precisam voltar a ganhar salários a fim de colocar comida na mesa para suas famílias. Por isso é importante compreender que esse é realmente um péssimo argumento.

 

Pois os Estados Unidos são perfeitamente capazes de proteger contra dificuldades econômicas severas os trabalhadores que perderam o emprego. Como disse Jerome Powell, o chairman do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, em uma entrevista televisada domingo, podemos e devemos adotar políticas que “mantenham os trabalhadores em suas casas, permitam que continuem pagando suas contas e mantenham suas famílias solventes”.

E o que realmente surpreende é que já estamos fazendo boa parte disso. A Lei CARES, o pacote de US$ 2 trilhões em assistência contra a pandemia aprovado no final de março, expandiu substancialmente a elegibilidade para o auxílio-desemprego e a generosidade desse auxílio. E os benefícios expandidos, a despeito de alguns tropeços iniciais, estão cada vez mais fazendo o que necessita ser feito.

É verdade que quando as solicitações de auxílio-desemprego começaram a disparar, em março, os escritórios que distribuem os benefícios –administrados pelos governos estaduais– ficaram sobrecarregados, o que levou muitos americanos que tinham direito a benefícios a não conseguir atendimento. E muitas famílias ainda não estão recebendo a assistência a que teriam direito.

Mesmo assim, um estudo da Brookings Institution indica que em abril o auxílio-desemprego cobriu cerca de metade dos salários perdidos por conta do confinamento –uma estimativa que confirma meus cálculos caseiros.

E esse “índice de substituição” deve quase certamente ter crescido de forma substancial nas últimas semanas. Os escritórios que administram o auxílio-desemprego estão gradualmente eliminando os atrasos acumulados no atendimento dos pedidos, e com isso o auxílio vem chegando a um número cada vez maior de trabalhadores desempregados. Ao mesmo tempo, as provas disponíveis indicam que os mercados de trabalho mais ou menos se estabilizaram, ao menos por enquanto, há cerca de um mês.

Por isso é uma aposta segura que, a esta altura, a maior parte, se bem que não toda, a perda de salários causada pelo distanciamento social esteja sendo compensada pela assistência governamental ampliada.

É uma história de sucesso que não está sendo celebrada; a maior parte da atenção da mídia se concentrou em outras partes da Lei CARES, especialmente o apoio às pequenas empresas, que está uma bagunça.

Mas o auxílio-desemprego, depois de problemas iniciais, está fazendo muito para ajudar os trabalhadores americanos. E o crédito por isso cabe aos democratas, que insistiram em que essa assistência fosse parte do pacote.

Suspeito que o sucesso do auxílio-desemprego ajude a explicar um aspecto chave da situação política com relação à reabertura –ou seja, que o clamor pelo fim das restrições não está vindo dos trabalhadores. As perdas de empregos se concentraram entre os trabalhadores de remuneração mais baixa, mas pesquisas de opinião pública indicam que a demanda por abertura rápida vem principalmente dos republicanos de alta renda.

Ou seja, fizemos um trabalho bem melhor do que a maioria das pessoas percebe em proteger os trabalhadores americanos contra dificuldades no período de confinamento. É claro que não foi um completo sucesso, e as primeiras semanas foram bem complicadas. Mas o fato é que o sofrimento foi bem menor do que se poderia esperar diante de um índice de desemprego real de provavelmente cerca de 20%.

Mas o auxílio-desemprego expandido que está apresentando resultados tão bons deve expirar em 31 de julho. Isso deveria causar medo.

Suponha que os epidemiologistas estejam certos, afinal, e que uma reabertura prematura leve a uma segunda onda de infecções. O que precisaremos nesse caso será de um segundo período de confinamento. Mas todas as indicações são de que os republicanos se opõem a prorrogar o auxílio.

O que eles querem, em lugar disso, são leis que isentem as empresas de responsabilidade legal caso seus empregados adoeçam.

Ou seja, querem forçar os americanos a voltar a trabalhar mesmo que isso os mate.

Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

FONTE: FOLHA DE S.PAULO