Estudos mostram que a cor da pele é componente central na estruturação das desigualdades no Brasil, afetando o acesso ao emprego e a maiores níveis de desenvolvimento. No país, negros vivem, estudam e ganham menos do que brancos.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), o número de desempregados no terceiro trimestre do ano passado estava em 13 milhões sendo que, desse total, quase 64% eram negros.
Em 2010, 62% da população branca com mais de 18 anos possuía o ensino fundamental completo. Na população negra, esse percentual caía para 47%.
Quanto à renda domiciliar per capita, a média da população branca era mais que o dobro daquela da população negra: 1.097,00 reais contra 508,90 reais, respectivamente, segundo estudo do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Segundo a pesquisa, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal dos negros no Brasil tem dez anos de atraso comparado ao dos brancos.
“Desenvolvimento humano é quase um sinônimo de liberdade. Para que haja desenvolvimento humano é imprescindível que as oportunidades e capacidades existentes em uma sociedade sejam amplas, para que as pessoas possam escolher a vida que desejam ter”, disse Vanessa Zanella, integrante da equipe responsável pelo relatório do PNUD.
Para ela, a desigualdade nas oportunidades pode comprometer decisivamente o desenvolvimento humano. O acesso mais restrito à educação e ao trabalho formal tem reflexo direto na renda e, de forma mais ampla, no nível de desenvolvimento da população negra.
“Quando olhamos para o Índice de Desenvolvimento Humano e as dimensões consideradas para o cálculo — longevidade, educação e renda — vemos que educação e trabalho são inerentes ao índice e ao próprio conceito de desenvolvimento, possuindo peso duplo.”
“Infelizmente, a população negra está em desvantagem em todas as dimensões, por isso seu índice está abaixo da média brasileira”, declarou.
Acesso ao mercado formal e ao empreendedorismo
Assim como no caso de universidades, que implementaram ações afirmativas sem esperar por leis que tratassem em detalhe do assunto, as empresas podem fazer seus próprios programas de equidade racial, fundados no arcabouço legal da Constituição Federal, de tratados internacionais e outras normativas que, há décadas, já tornaram possível a adoção de ações afirmativas também no trabalho.
“Nos últimos 15 anos, o número de negros universitários triplicou. Portanto, as instituições públicas, privadas e do terceiro setor, nacionais ou internacionais, não têm mais justificativas para serem tão monocromáticas, vale dizer, brancas”, disse Daniel Teixeira, diretor de projetos do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT).
De acordo com Teixeira, a precarização das relações de trabalho tem um impacto maior nas famílias negras, já que seus membros têm, em geral, possibilidades menores de ingresso e mesmo de ascensão no mercado formal.
“As seleções de emprego muitas vezes incorrem no perfilamento racial, tendo em vista que os estereótipos ligados às populações negra e branca são opostos. Enquanto à primeira são conferidas características negativas como desleixo, incapacidade para comando, falta de higiene. À população branca confere-se o privilégio dos estereótipos positivos, tais como eficiência, capacidade de liderar, limpeza, etc”, declarou Teixeira.
Abrir o próprio negócio foi a resposta encontrada por alguns para driblar o racismo em processos de recrutamento de empresas.
De acordo com a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2016, realizada pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP) com o apoio do SEBRAE, os negros apresentam taxa de empreendedorismo superior à dos brancos: 38,5% no primeiro grupo e 31,6% no segundo.
No entanto, 34,8% dos empreendedores brancos recebiam de três a seis salários mínimos, frente a 21,2% dos negros. Segundo Mafoane Odara, coordenadora de projetos do Instituto Avon, é preciso enfrentar o racismo tanto em empresas quanto no universo do empreendedorismo.
“Vale lembrar que o preconceito institucional em todas as áreas, assédio moral e baixos salários são fruto do que chamamos de racismo institucional e, para lidar com ele, é necessário reconhecer que vivemos em um país que é desigual, sendo nossa responsabilidade enfrentar essa desigualdade”, declarou.
A especialista do PNUD Vanessa Zanella disse ser fundamental o comprometimento de toda a sociedade com a superação do racismo. No entanto, ela lembrou que o poder público tem um papel maior em zelar pela proteção e atendimento às populações afetadas por formas específicas de desigualdades, como é o caso da juventude negra.
“A implementação de ações afirmativas, de investimentos nos setores de saúde e educação e o comprometimento com a redução das desigualdades são algumas de nossas recomendações”, disse.
“Além disso, é necessário um aprimoramento das métricas para a produção de dados desagregados e atuais, para que haja maior compreensão da realidade concreta em que se encontra a juventude negra”, pontuou.
Embora sejam mais raros os dados oficiais a respeito do tema, cruzando raça e faixa etária, sabe-se que a juventude também tem sofrido de forma mais intensa com o desemprego no país. Em 2017, do total de pessoas desocupadas no Brasil, 32,6% tinham entre 18 e 24 anos.
Vidas Negras
Reafirmando o compromisso de implementação da Década Internacional de Afrodescendentes, o Sistema ONU Brasil lançou no Mês da Consciência Negra de 2017, a campanha nacional “Vidas Negras”.
A iniciativa busca ampliar, junto à sociedade, gestores públicos, sistema de Justiça, setor privado e movimentos sociais, a visibilidade do problema da violência contra a juventude negra no país.
O objetivo é chamar atenção e sensibilizar para os impactos do racismo na restrição da cidadania de pessoas negras, influenciando atores estratégicos na produção e apoio de ações de enfrentamento da discriminação e violência.
Fonte: Nações Unidas do Brasil