Reunião de líderes. Presidente da Câmara, dep. Arthur Lira (PP - AL)

IMAGEM: LUIS MACEDO/CÂMARA DOS DEPUTADOS

 

Na compra de imunizante, legislação atual prevê doação de 100% de doses ao SUS até a vacinação total do grupo prioritário; projeto reduz percentual à metade
 

A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira o texto principal de projeto que flexibiliza a compra de vacinas contra a Covid-19 por empresários. A proposta altera norma sancionada no mês passado que obrigava a doação de 100% das doses ao Sistema Único de Saúde (SUS) enquanto os grupos prioritários não fossem imunizados.  Caso seja aprovado também pelo Senado, o texto dará acesso à vacinação a empresários e funcionários antes do grupo mais vulnerável. Além disso, a obrigação do repasse ao SUS será reduzido para 50% das doses compradas.

A proposta, relatada pela deputada Celina Leão (PP-DF), foi apoiada por partidos do Centrão e pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Partidos de oposição, porém, ainda tentam obstruir a continuidade da votação. Parlamentares analisam na noite desta terça-feira destaques ao projeto, que podem modificar o mérito do texto.

No início do mês passado, o presidente Jair Bolsonaro sancionou lei aprovada pelo Congresso que liberou a compra de doses pelo setor privado. A lei, porém, impossibilita o acesso ao imunizante por qualquer pessoa antes da vacinação de idosos, pessoas com comorbidades e outros grupos listados no Plano Nacional de Imunização (PNI).

Em versões preliminares do texto, a relatora desobrigava a doação de qualquer dose ao SUS, mas a redação gerou resistência. Em plenário, depois de suavizar o texto, Celina Leão defendeu a proposta para acelerar o processo de vacinação da população.

— O atual contexto de combate a essa catástrofe sanitária se apresenta sombrio, pois há dificuldade de aquisição de vacinas, e a velocidade de vacinação da população está muito aquém do necessário — argumentou a deputada, que citou também o colapso do sistema de saúde: — Esse fato somado aos hospitais novamente lotados, filas imensas em vagas de UTI, descoberta de novas variantes mais transmissíveis e mais agressivas e o esgotamento da economia em razão do isolamento social nos impõem a adoção de todas as medidas legislativas que estiverem ao alcance do Congresso Nacional a fim de acelerar a vacinação.

No relatório da proposta, ela detalha o público que será beneficiado com a alteração da legislação: "empregados, associados, assim como de estagiários, profissionais autônomos ou empregados de empresas que prestem serviços a elas". A oposição tentou argumentar que o projeto atrapalharia o plano de imunização, além de criar a categoria "vacinação de camarote".

— O que está se votando aqui não é a convocação de empresas para comprar vacinas, o que está se querendo aprovar aqui é autorizar as empresas a vacinarem antes das pessoas prioritárias, é autorizar a fila ser furada, é dizer não para a vacinação do povo, é vacina para os empresários que compram. E aqui ninguém é contra empresário. Aliás, os Estados Unidos, que é um país que não é contra empresário, é a favor do capitalismo, não permitiram que essa vergonha acontecesse por lá, furar filar — discursou o ex-ministro da Saúde e deputado do PT, Alexandre Padilha (SP).

O projeto, apesar da resistência da oposição, impõe um obstáculo para a disponibilidade de doses no curto prazo. A compra feita pela iniciativa privada com os laboratórios que já têm contratos com o governo só poderá ser fechada "após a entrega já pactuada" com o SUS.

O projeto de lei também prevê a compra de imunizantes que ainda não foram aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A aquisição será autorizada se o imunizante for aprovado por "qualquer autoridade sanitária estrangeira reconhecida e certificada pela Organização Mundial da Saúde" ou por "estabelecimentos de saúde que tenham autorização para importar e dispensar vacinas".

Em seu relatório, Celina Leão destaca que o projeto permite que a importação seja realizada por "qualquer pessoa jurídica de direito privado, ao contratarem estabelecimentos de saúde privados autorizados, como hospitais, farmácias e clínicas de vacinação, para que realizem a importação das vacinas contra a covid-19 e, consequentemente, vacinem os seus empregados e demais colaboradores".

— O Plano Nacional de Imunização vai continuar a imunizar as pessoas. O que esse projeto aqui pretende é permitir que as empresas possam vacinar seus trabalhadores, seus funcionários, seus empregados, o caixa do supermercado, o caixa da farmácia, o motorista de ônibus, o empacotador do supermercado, enfim, os trabalhadores que também precisam ser vacinados. Furar fila é colocar novos grupos prioritários no Plano Nacional de Imunização. Isso que é furar fila — afirmou Hildo Rocha (MDB-MA), o autor original da proposta, que foi modificada por Celina Leão.

Durante o debate, vários deputados de oposição reforçaram o ponto de vista de que a proposta seria uma brecha para que pessoas com mais dinheiro pudessem "furar a fila" da vacinação.

— O que nós estamos debatendo aqui hoje não é uma pequena mudança. É para que esta compra pela rede privada, por empresas, para vacinar os seus funcionários, possa ser feita antes do que nós já aprovamos, antes das pessoas dadas como prioritárias pelo Sistema Único de Saúde. Por isso, está sendo chamada de fura fila, porque é antecipar a capacidade de mercado, de compra da iniciativa privada, sobre um critério, que é do SUS. Então, não é um detalhe de timing. Não é uma ampliação por universalidade. Na verdade, o princípio do SUS, de universalizar o direito da saúde, tem critério, e que não é o critério do mercado — contestou Marcelo Freixo (PSOL-RJ).

FONTE:OGLOBO