Previdência brasileira, que permite a mais ricos se aposentarem sem idade mínima,  reduz PIB
 
Os salários dos profissionais brasileiros que se aposentam antes dos 65 anos e continuam trabalhando cai entre 30% e 80%, mostra estudo de Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia) da FGV, e Bruno Ottoni, também do Ibre e da plataforma IDados.
Segundo os economistas, o resultado é provavelmente explicado por mudanças de emprego ocorridas nessa transição, que acarretam uma redução da remuneração recebida por hora.
“As quedas salariais que encontramos são muito expressivas para pressupor que o indivíduo está fazendo a mesma coisa”, diz Ottoni.
Essa diminuição na renda do trabalho explica uma parte substancial do impacto negativo do que os pesquisadores chamam de aposentadorias precoces sobre a economia brasileira.
Outras causas de perdas são a saída definitiva de parte dos profissionais do mercado de trabalho após a concessão do benefício —que reduzem a produção do país.
Pelos cálculos de Ottoni e Barbosa Filho, todos esses fatores somados subtraem entre 0,3% e 0,7% do PIB brasileiro. Em 2014, ano estudado pelos economistas, a perda equivalia a algo entre 
R$ 17 bilhões e R$ 40 bilhões.
Ou seja, a produção de bens e serviços do país naquele ano teria sido maior em algumas dezenas de bilhões se ninguém tivesse se aposentado antes dos 65 anos propostos como idade mínima pelo projeto de reforma da Previdência elaborado no fim de 2015, cuja tramitação está paralisada.
“Somando essa perda ano a ano, vai ficando cada vez mais relevante, e a tendência é aumentar”, afirma Ottoni.
REGRAS ATUAIS
 
As regras atuais do sistema previdenciário brasileiro são consideradas um incentivo à aposentadoria precoce.
Como não há idade mínima, quem tem acesso ao trabalho com carteira assinada se aposenta em geral apenas pelo tempo de contribuição —30 anos para mulheres e 35 anos para homens.
Isso retira do mercado de trabalho profissionais em idade produtiva. Pesquisa Datafolha que investiga os valores e hábitos das faixas etárias brasileiras mostra que são 70% os aposentados brasileiros que pararam antes dos 60 anos de idade (20% se retiraram antes dos 50).
O levantamento aponta que esses trabalhadores são, em sua maioria, qualificados. Na fatia com ensino superior, 60% se aposentaram entre os 50 e os 60 anos, e a média de idade foi de 55,2 anos.
Os brasileiros com ensino médio são os que requerem o benefício mais cedo: em média aos 51,2 anos, sendo que 38% parou antes dos 50.
Os que esperam mais tempo para pedir aposentadoria —em média, aos 57,8 anos— são os brasileiros com ensino fundamental. Entre esse grupo, 35% pediram o benefício após os 60 anos.
Uma especificidade do regime previdenciário brasileiro é a possibilidade de acumular o beneficio previdenciário com renda do trabalho. Essa regra é incomum no contexto internacional, já que, em muitos países, a aposentadoria está associada à incapacidade para trabalhar.
DESIGUALDADE
 
O estudo de Ottoni e Barbosa Filho não tinha como objetivo identificar o destino desses brasileiros que seguem ativos, embora aposentados, mas, segundo eles, é possível que alguns desses profissionais migrem do setor formal para o informal. Isso ajudaria a explicar a significativa perda de renda que eles sofrem na transição.
O aumento da informalidade provocado pelas aposentadorias precoces tem impacto negativo sobre as contas públicas, o que também reduz o crescimento do país.
“Aumenta a informalidade, já que não faz mais sentido contribuir para a Previdência. E isso reduz a arrecadação do governo”, diz Ottoni. Outro impacto negativo da aposentadoria precoce é sobre a desigualdade de renda.
Um levantamento feito por Rogério Nagamine Costanzi e Graziela Ansiliero, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mostra que uma grande fatia dos brasileiros que requer o benefício antes dos 60 anos e segue trabalhando vem de estratos de renda mais altos.
Em 2014, eles identificaram que 86,3% das aposentadorias foram concedidas para pessoas com menos de 60 anos de idade.
No total, naquele ano, havia quase 1 milhão de aposentados que continuavam ocupados na faixa etária de 45 a 59 anos para homens e 45 a 54 anos para mulheres (grupos de idade selecionados de forma a excluir benefícios concedidos por idade). Entre os aposentados ocupados, 78% pertenciam ao grupo dos 30% mais ricos do país.
MUDANÇA DE INCENTIVO
 
Para especialistas, os efeitos negativos das aposentadorias precoces tornaram a aprovação de novas regras inevitável, mas a reforma parou. A expectativa é que a nova proposta de mudanças seja feita somente pelo próximo governo.
“A reforma da Previdência é uma questão de ajuste das contas [públicas], mas mais do que isso é fundamental para termos um país viável”, diz Vladimir Kuhl Teles, vice-diretor da Escola de Economia de São Paulo (EESP) da FGV.
Barbosa Filho ressalta que, ao aumentar a idade mínima para a aposentadoria, mais brasileiros permanecerão na ativa e, provavelmente, com salários mais altos. “Isso terá o efeito de aumentar nosso PIB per capita”, diz.
Um desafio, porém, segundo a demógrafa Simone Wajnman, será a inserção dos trabalhadores mais maduros no mercado de trabalho.
“Resta saber se vai ter espaço para essa parcela da população”, diz ela, que é pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Ela diz acreditar que a recém-aprovada reforma trabalhista facilitará esse processo, pois aumentou a flexibilidade nas relações trabalhistas.

“O trabalho remoto é um exemplo. Imagine um idoso duas horas no trânsito só para chegar ao trabalho em grandes metrópoles”.

Fonte: Folha de S. Paulo