Não incidência do AFRMMIMAGEM: RBNACONSULT

Agronegócio vê novas alíquotas do AFRMM como oportunas diante do cenário econômico e geopolítico. Estaleiros temem impacto na quantidade de projetos para indústria naval.


A redução de alíquotas do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) sobre o frete do transporte marítimo dividiram indústria e usuários, que já manifestavam posições divergentes durante a tramitação do BR do Mar. Para representantes da construção naval, o efeito sobre a arrecadação pode prejudicar novos projetos da indústria. Já o agronegócio considera que as novas alíquotas estabelecidas para o AFRMM estabelecidas na semana passada vieram como solução oportuna neste momento com a conjuntura econômica muito pressionada.

A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) observa um cenário que, antes da guerra na Ucrânia, já convivia com fatores que aumentaram os fretes, como o fechamento de portos na China durante a pandemia, em meio a novas cepas da Covid-19 e à redução do ciclo dos contêineres no transporte marítimo. “É um problema global que tem reverberado no país e aumentado o custo de produção”, explicou a assessora técnica da comissão nacional de logística e infraestrutura da CNA, Elisangela Pereira Lopes. Ela citou os fertilizantes, cuja dependência brasileira pode chegar a 90% na importação de alguns produtos, o que traz preocupação ao setor agropecuário nacional em termos de aumento de custos e recepção de insumos.

Elisangela lembrou que a desoneração do adicional é um pleito antigo de segmentos da indústria e do agronegócio e que a CNA, historicamente, defendia a extinção do AFRMM. Ela ponderou que, após conversas com outros atores do setor durante a tramitação do BR do Mar, se chegou a esse denominador para o momento atual, levando em consideração o desenvolvimento da navegação interior. A avaliação é que os 8% são importantes para fomentar o transporte de cargas pelos rios. A assessora identifica que a atividade ainda é incipiente e que é necessário desenvolver um marco regulatório para que os rios navegáveis recebam investimentos e melhorias para serem considerados hidrovias, citando o Mississipi como exemplo.

“Mesmo sabendo que o FMM possui recursos suficientes que poderiam ser retroalimentados com a devolução do financiamento com juros, acredito que não haveria necessidade de arrecadação do AFRMM para o fomento do setor aquaviário. Como vislumbramos um crescimento a partir do BR do Mar que não conseguimos mensurar, vamos aceitar 8% por mais 5 ou 10 anos. Se o setor lá na frente perceber que pode desonerar o AFRMM por inteiro, medidas serão tomadas”, comentou.

Elisangela citou uma nota técnica do Ministério da Economia de 2020 que avaliou que, na hipótese de extinção do AFRMM, haveria redução de 4,4% na cesta básica dos brasileiros. Para a CNA, esse percentual não representa ganho para o setor produtivo, e sim redução no custo do fertilizante que se refletiria na ponta para o consumidor final.

Durante sessão conjunta na última quinta-feira (17), deputados e senadores derrubaram vetos ao BR do Mar (Lei 14.301/2022) que, na prática, resultarão na redução das alíquotas do AFRMM. O recolhimento do adicional passará de 25% para 8% no longo curso, exceto para o transporte fluvial e lacustre de granéis líquidos nas regiões Norte e Nordeste, cujo frete continuará com o encargo de 40%. Já a alíquota da cabotagem caiu de 10% para 8%. Os textos aprovados na sessão conjunta serão incorporados à Lei 14.301.

O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) avaliou que a redução do AFRMM é mais uma medida ‘equivocada’ do governo. “Reduzir [as alíquotas] nas regiões Norte e Nordeste, por exemplo, significa inviabilizar inclusive o agronegócio porque parte dos recursos do AFRMM nessas regiões utilizavam para para construir barcaças para transporte de grãos. E, à medida que reduzem isso, pode tornar inviável o transporte de grãos no Norte e no Nordeste”, disse o vice-presidente executivo do Sinaval, Sérgio Bacci.

Para o Sinaval, a redução das demais alíquotas do AFRMM vai fazer com que os armadores tenham menos recursos, podendo reduzir investimentos no Brasil. “Com isso, o FMM ficará com menos recursos para poder incentivar a construção naval brasileira. É mais um ataque desse governo à indústria naval e à marinha mercante. Lamentamos que essa atitude seja tomada com apoio do governo”, afirmou Bacci.

O setor teme que a redução do percentual cobrado sobre o frete internacional de cargas e que compõem o AFRMM resulte num grande impacto nos estaleiros, principalmente os da Bacia Amazônica, gerando redução das carteiras de construção e a perda de empregos. A avaliação é que a construção de frotas fluviais e de cabotagem e sua manutenção e modernização, ao longo dos anos, só foram possíveis pelos financiamentos do Fundo da Marinha Mercante (FMM), que sempre contaram com os recursos do adicional.

O AFRMM teve arrecadação de R$ 13,5 bilhões em 2021, de acordo com o Ministério da Infraestrutura. A CNA ressaltou que, nesse período, apenas R$ 214 milhões (1,6%) foram para financiamento de projetos de embarcações, 37% a menos que no ano anterior (R$ 340 milhões). A entidade observa que não houve desembolsos para projetos de estaleiros no ano passado, ante R$ 10,8 milhões em 2020.

A indústria destaca que, nos últimos anos, o FMM financiou a construção de rebocadores portuários, muitos dos quais em favor do agronegócio na manobra de navios que chegam com insumos e saem com grãos dos portos brasileiros. O argumento é que a expansão do escoamento da produção de grãos pelo chamado Arco Norte, reduzindo significativamente o custo logístico para os produtores do Centro-Oeste, deve-se, entre outros fatores, à construção de uma frota de comboios fluviais com mais de 400 embarcações nos últimos últimos anos, totalizando cerca de R$ 2 bilhões financiados pelo FMM para os transportadores do agronegócio.

A expectativa é que a concessão da BR-163 e a implantação da Ferrogrão, caso concretizada, possibilitem que o volume de escoamento de grãos pelo Arco Norte continue em expansão. Para isso, será necessária a construção de comboios fluviais compostos de mais de 1.000 embarcações nos próximos 10 anos. A projeção do setor é que a participação do FMM será fundamental, com financiamentos da ordem de R$10 bilhões diretamente ao agronegócio.

A CNA pondera que grande parte dos recursos do FMM tem sido utilizada para construção de embarcações relacionadas ao setor de petróleo e que a participação dos projetos de embarcações para transporte de grãos ainda é muito irrelevante. Elisangela acrescentou que poucos estaleiros possuem disponibilidade para construção nos próximos cinco anos. “Vemos com bons olhos o potencial do AFRMM ser destinado para navegação interior, pois traz perspectivas ao investidor. É preciso um marco regulatório das hidrovias e um plano para garantir a manutenção dos rios para torná-los navegáveis o ano todo”, avaliou Elisangela.

A confederação entende que o agronegócio cresce a cada safra com desempenho muito superior à oferta de infraestrutura, que ainda tem a ser feito. Ela citou a bacia Tietê-Paraná, que ficou paralisada de outubro de 2021 a março deste ano, retomando a navegação no último dia 15 de março com capacidade menor de movimentação. A assessora técnica da CNA lembrou ainda do Rio Tocantins que é navegável apenas metade do ano por conta da necessidade de derrocagem do Pedral do Lourenço. Segundo a especialista, esses fatores geram insegurança jurídica e prejudicam investimentos e a competitividade.

Elisangela acrescentou que o escoamento de produtos ocorre predominantemente pelo modo rodoviário. No transporte de grãos, a utilização de caminhão é da ordem de 85%, o que reforça a necessidade de desenvolvimento da cabotagem e da navegação interior para ganho de competitividade. “Há muito que ser feito quando se fala em crescimento do modo hidroviário. Não tem sido na proporção que o agronegócio tem, especialmente em novas fronteiras agrícolas”, apontou Elisangela.

FONTE: Portos e Navios