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Por que a verdadeira mudança para as mulheres no mar exige mais do que políticas?
Durante anos, a indústria naval prometeu inclusão. Campanhas foram lançadas, slogans criados, painéis convocados. No entanto, em 2025, as mulheres ainda são uma visão rara na maioria das pontes de comando e salas de máquinas. A questão não é a capacidade, mas sim a estrutura. O mar em si não discrimina, mas os sistemas construídos ao seu redor ainda discriminam.
Entre armadores, gestores de tripulação e líderes de bem-estar, um consenso crescente se formou: a questão não é mais como trazer mulheres para o mar, mas como reconstruir o setor marítimo para que elas permaneçam.
Políticas e práticas
Karin Orsel, CEO do MF Shipping Group e ex-presidente da WISTA International, conhece os limites das boas intenções. Sua empresa trabalha em estreita colaboração com escolas e agências marítimas para recrutar mulheres em todos os níveis e criar um ambiente de trabalho onde elas possam prosperar. Mas, ela alerta, o progresso exige mais do que números. “Uma cultura inclusiva não surge por meio de políticas — ela cresce com a visibilidade e a confiança”, afirma. O MF Shipping destaca suas oficiais por meio de histórias, imagens e mentoria, ao mesmo tempo que adota uma postura de tolerância zero em relação ao assédio moral e sexual e garante que as necessidades práticas das mulheres a bordo sejam atendidas.
Ainda assim, Orsel reconhece que o próprio sistema precisa mudar: “Um melhor equilíbrio entre vida profissional e pessoal, ambientes a bordo mais seguros, programas de mentoria e planos de carreira claros são essenciais”. Ela defende políticas flexíveis — como opções de trabalho em terra durante fases importantes da vida — para tornar as carreiras marítimas sustentáveis ao longo da vida, e não apenas por alguns contratos.
Essa temática de políticas sem prática permeia grande parte do setor. Chirag Bhari, da organização beneficente ISWAN, afirma categoricamente: “Precisamos praticar o que pregamos. As políticas desenvolvidas pelas empresas de navegação precisam ser implementadas de forma eficaz”. Ele aponta para o básico — equipamentos de segurança adequados, medidas de higiene e conhecimento sobre carreiras marítimas — como áreas em que a retórica muitas vezes supera a realidade. “Políticas de apoio relacionadas à maternidade, casamento e oportunidades flexíveis em terra são fundamentais”, diz ele.
A verdade é simples: a infraestrutura de muitos navios continua projetada para um grupo demográfico que domina o setor há séculos. "Os homens a bordo e em terra precisam mudar sua mentalidade", afirma Tom Bonehill, da Norstar Shipping (Ásia).
Essa mudança de mentalidade está no cerne do argumento de Steven Jones. O fundador do Índice de Felicidade dos Marítimos acredita que a reforma sistêmica deve beneficiar a todos — não apenas as mulheres. "Não se trata de adicionar mudanças específicas para mulheres a um sistema fundamentalmente falho", diz ele. "Trata-se de criar condições de trabalho que qualquer profissional considere atraentes e sustentáveis."
Jones destaca que a maioria dos marítimos, independentemente do gênero, enfrenta dificuldades com longas jornadas de trabalho, descanso insuficiente e espaço ou apoio limitados. "Normalizamos condições insustentáveis", afirma. "Enquanto não quebrarmos esse ciclo e construirmos um setor que valha a pena, continuaremos falhando em diversidade, retenção e atração de talentos."
Projetando o transporte marítimo para todos
Se o primeiro passo é reconhecer a lacuna, o segundo é repensar a arquitetura. “Diversidade não é uma questão de marcar um item na lista — é uma mudança de paradigma”, afirma Ryan Kumar, da Direct Search Global, uma empresa de RH marítima com sede em Singapura. “Não se trata de abrir portas; trata-se de redesenhar todo o ecossistema.”
Kumar argumenta que o setor precisa passar de slogans para estrutura. “As jovens mulheres nas academias precisam ver exemplos reais — não cartazes. Mentoria, e não marketing, impulsionará a retenção”, diz ele. Para ele, a inclusão começa com a visibilidade: mulheres capitãs e chefes de máquinas precisam ser visíveis não como exceções, mas como precedentes.
Ele destaca três pilares principais: primeiro, projetar de forma inclusiva desde o início, com navios construídos para privacidade, segurança e dignidade — e não adaptados posteriormente para esses aspectos. Segundo, criar uma continuidade de carreira estruturada, para que as mulheres não precisem escolher entre a maternidade e a vida marítima. E, por fim, alinhar a cultura à conformidade, para que o profissionalismo prevaleça sobre o preconceito.
“Não precisamos que as mulheres se adaptem ao transporte marítimo”, diz Kumar. “Precisamos que o setor marítimo evolua para as mulheres.”
Essa evolução já está em curso em alguns setores da indústria. Carl Martin Faannessen, CEO da Noatun Maritime, elevou a representação feminina para mais de 6%, com a meta de atingir 10% no próximo ano. “Não é nenhum segredo”, afirma. “Selecionamos as melhores pessoas para o trabalho e defendemos seus méritos.” Para ele, o desempenho fala mais alto do que cotas. “Sistemas de cotas levam a recrutamento e retenção abaixo do ideal”, alerta. “Vamos nos concentrar na excelência — e deixar que as mulheres mostrem que elas elevam o desempenho dos navios.”
Faannessen reconhece o apoio progressista dos armadores à mudança, mas admite que “muitos gerentes em terra ainda acham que as mulheres a bordo são ótimas — só não em seus navios”. É aí, segundo ele, que ainda falta trabalhar a cultura.
Eva Rodríguez, diretora de RH da área marítima da Bernhard Schulte Shipmanagement, concorda que a inclusão precisa ser sistêmica. “Precisamos superar a mentalidade que privilegia grupos dominantes”, afirma. A BSM implementou programas de mentoria que conectam funcionárias em terra com mulheres a bordo e participou do projeto piloto Diversity@Sea do Fórum Marítimo Global, testando novas maneiras de tornar a vida no mar mais segura e inclusiva. “Igualdade de oportunidades é essencial”, diz ela. “Preconceito, estereótipos e trajetórias de carreira inflexíveis nos impedem de avançar. Somente criando ambientes inclusivos, seguros e justos poderemos atrair e reter mais mulheres.”
Da visão à prática
Para muitos líderes, a visibilidade é fundamental para quebrar o ciclo. “Quanto mais mulheres em posições de comando, mais outras pessoas se sentirão motivadas a segui-las”, afirma o Capitão Tanuj Balani, da Stag Marine. Essa visão é compartilhada por Peter Rouch, chefe da Missão para Marinheiros: “A visibilidade é realmente importante. Uma ótima maneira de superar preconceitos é fornecer exemplos reais de mulheres marinheiras bem-sucedidas”.
Rouch alerta, no entanto, que a visibilidade sem reformas corre o risco de soar vazia. “Mensagens positivas enquanto os problemas subjacentes permanecem sem solução podem não ser eficazes”, diz ele. Solidão, fadiga e isolamento continuam a desencorajar tanto mulheres quanto homens. “Precisamos equilibrar a promoção com o progresso prático.”
Algumas empresas estão tentando transformar a conversa em ação. A Wilhelmsen Ship Management, sob a vice-presidente de pessoal marítimo, Wiebke Schuett, estabeleceu uma meta de 10% para a admissão de cadetes mulheres (atualmente em 9%), apoiada por patrocínios financeiros da Fundação Tom Wilhelmsen. A empresa também auxilia as mulheres na transição para a vida em terra quando elas optam por isso — um passo fundamental para tornar a vida marítima uma carreira para a vida toda, e não um caminho restrito.
Na Ardmore Shipping, o vice-presidente sênior, Robert Gaina, destaca um novo programa de liderança, WAVES — Mulheres em Embarcações da Ardmore: Empoderamento e Sucesso — para construir uma comunidade entre as mulheres no mar e em terra. “Com 16 oficiais mulheres a bordo e nossa primeira chefe de oficiais nomeada, estamos orgulhosos do progresso”, afirma. “A colaboração entre nossas equipes cria a rede de apoio que as mulheres precisam para prosperar.”
Outros enfatizam a necessidade de conscientização em toda a indústria e responsabilidade compartilhada. O CEO do Grupo Wallem, John Rowley, lista “ambientes seguros a bordo, crescimento profissional justo, benefícios de maternidade, equipamentos de proteção individual personalizados e atualizações médicas” como essenciais — mas também defende treinamento sobre questões de gênero para todos os marítimos.
Vinay Gupta, da Union Marine Management Services, de Singapura, simplifica o problema: “Só é necessária uma mudança — uma mudança de mentalidade”. Políticas e infraestrutura podem ajudar, diz ele, “mas a menos que a mentalidade coletiva mude para priorizar a competência em detrimento do gênero, nada realmente muda”.
Esse tema — mentalidade antes de métricas — permeia a nova geração de liderança marítima. Simon Frank, da NSB Crewing, afirma que a indústria precisa aceitar que a carreira marítima feminina “pode ser diferente da masculina”. Aceitar isso, argumenta ele, torna a conversa mais honesta — e mais produtiva.
Mesmo entre as empresas mais progressistas, um alerta soa. Ronald Spithout, diretor administrativo da OneHealth by VIKAND, adverte contra promessas exageradas: “Os esforços para atrair mais mulheres só devem ser empreendidos quando as empresas estiverem genuinamente preparadas para apoiá-las. Sem sistemas robustos, o recrutamento corre o risco de criar falsas expectativas.” A verdadeira inclusão, diz ele, “não pode ser construída apenas por meio de campanhas — requer prontidão autêntica e compromisso visível.”
Um setor que vale a pena ingressar?
Quando a discussão sobre mulheres no mar começou a sério, há uma década, o foco era frequentemente a representatividade. Mas, como mostram os depoimentos de 2025, a questão mais profunda não é quem está faltando — é em que tipo de setor elas estão sendo convidadas a ingressar.
O alerta de Jones ressoa: “Até construirmos uma vida marítima que respeite os profissionais como profissionais, jamais atrairemos talentos diversos”. Em outras palavras, o verdadeiro teste da diversidade não reside no gênero, mas na qualidade — de vida, de liderança e de trabalho.
A esperança de Orsel é que a próxima fase da reforma marítima se concentre menos na acomodação e mais na integração. “Uma estrutura regulatória que possibilite o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, a mentoria e a mobilidade beneficiará a todos”, afirma.
É um sentimento compartilhado por Kumar, que define a diversidade como “não um exercício de conformidade, mas uma jornada de resistência a longo prazo”. O objetivo, acrescenta, não é contabilizar as mulheres, mas sim retê-las. “Quando as mulheres se sentem seguras, reconhecidas e apoiadas, todo o setor se fortalece”.
O mar sempre exigiu força. O que o setor marítimo precisa provar agora é que consegue aliar essa força à equidade — construindo não apenas navios, mas sistemas, que estejam preparados para o futuro.
FONTE: SPLASH2467.COM
