IMAGEM: gCaptain
 

Via de regra, a armação estabelecida em nosso país não é controlada por capital nacional e um oligopólio formado por três empresas detém 99% dos contêineres movimentados na cabotagem brasileira. A primeira, a segunda e a quarta maiores empresas mundiais de transporte marítimo dominam o mercado nacional e definem como esta atividade ocorre.

Por conta do modelo de desenvolvimento adotado no país, há várias décadas os custos do transporte rodoviário definem os limites que os armadores utilizam para estabelecer os fretes oferecidos aos usuários brasileiros, sem que haja de fato competição entre navios.


O oligopólio que controla o transporte de contêineres no mundo


Mesmo sem satisfazer as demandas dos usuários, a armação vai garantindo lucros impressionantes de forma consistente. O crescimento anual das empresas que atuam no transporte de contêineres no Brasil superou os 12% na última década, margem que não se observa em outros setores da economia. Em 2010, eram sete os navios de contêiner a operar no país. Hoje, esse número triplicou, ao mesmo tempo em que a capacidade de carga transportada por cada embarcação também cresceu, segundo o Anuário Estatístico de Transportes do Ministério da Infraestrutura.

No outro extremo, o mercado de trabalho no setor marítimo brasileiro ainda não se recuperou do desequilíbrio causado pela tese infundada da armação de que ocorreria um “apagão marítimo” no país a partir de 2015. Devido ao discurso das empresas de suposta falta de oficiais da Marinha Mercante, houve aumento de vagas nos cursos de formação, o que acarretou excesso de oferta de mão de obra e oficiais formados para o desemprego, que foi às alturas. Nunca houve carência de brasileiros para tripular navios em nossas águas, pelo contrário. O fato é que os armadores que operam no Brasil desejam eliminar os trabalhadores locais, como já fizeram em outros países, e só empregam marítimos nacionais porque a nossa legislação assim o exige.

Nas condições oferecidas no programa BR do Mar, a tripulação brasileira a bordo poderá ser o último elo genuinamente nacional entre o país e a sua cabotagem. A presença dos marítimos brasileiros em percentual significativo a bordo agrega mais segurança ao transporte de cargas entre os nossos portos, proporcionando um compromisso maior com a sociedade brasileira no cumprimento da legislação, na proteção do meio ambiente, nas ações para evitar a poluição marinha e na prevenção de acidentes. É fundamental que tenhamos navios comandados e chefiados por brasileiros e tripulados por 2/3 de marítimos nacionais se os interesses genuínos do país forem considerados pelos legisladores.

Exemplos da importância da marinha mercante para uma nação com as dimensões do Brasil não faltam. Um país frequentemente citado como modelo de liberalismo econômico – os Estados Unidos – é o que mais protege a sua cabotagem. Para navegar entre os portos daquele país, até o aço utilizado na construção dos navios deve ser produzido lá, da mesma forma que o armador, a tripulação e a bandeira de registro da embarcação precisam ser norte-americanos. Os EUA têm arraigada em sua cultura a importância de controlar a cabotagem e o transporte marítimo para garantir liberdade econômica.

Não esqueçamos também da lamentável lição que recebemos da China há alguns anos, um exemplo emblemático de como uma nação pode atuar em defesa de seus interesses marítimos. A Vale havia lançado os maiores navios de carga da época, os Valemax, com capacidade de até 400 mil toneladas, especialmente projetados para transportar minério de Carajás (PA) para portos chineses. A China, porém, proibiu a entrada de navios desse porte e eles foram banidos do país por quase 10 anos, com a justificativa de proteção à cabotagem chinesa.

O que leva países de economia forte a darem tanta importância à questão marítima é o fato de terem compreendido há muito tempo que não existe soberania econômica de fato sem marinha mercante nacional. Na realidade, toda a manobra realizada pela China buscou criar condições para que ela adquirisse o controle das operações de transporte marítimo, reduzindo, assim, a possibilidade de o Brasil e a Vale terem alguma influência maior sobre os fretes, com impactos geopolíticos evidentes.

Sobre a questão dos custos para o usuário, não temos dúvidas de que ela jamais será resolvida, ou mesmo corretamente abordada, enquanto a mentalidade que mantém a cabotagem brasileira competindo com o caminhão não cair por terra. Nenhum projeto irá satisfazer o usuário nacional no transporte marítimo doméstico no quesito custo se não for promovida efetiva competição entre navios e empresas de navegação.

Ao valorizarem em demasia a interlocução com as empresas de transporte marítimo ditas nacionais – as quais, em geral, são subordinadas aos interesses econômicos das grandes transportadoras multinacionais que dominam o setor no longo curso – as autoridades e os parlamentares brasileiros podem estar fortalecendo ainda mais o oligopólio hoje existente, em vez de coibi-lo.

Os trabalhadores marítimos brasileiros podem apoiar iniciativas que busquem o aumento da concorrência em nossa cabotagem e do volume de carga transportada por navios, mas não temos como concordar quando o que se pretende é abandonar as proteções na legislação que ainda permitem ao Brasil manter alguma soberania em sua cabotagem, com preferência para contratação de navios arvorando a bandeira brasileira, complementados por embarcações de outras nacionalidades, comandados e chefiados por brasileiros e operados por, no mínimo, 2/3 de tripulantes nacionais.

Carlos Müller
Presidente do Sindmar e da Conttmaf