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Ao menos dez países ratificaram acordo que estimula adoção de legislação específica contra práticas violentas no emprego 

O Brasil ainda não ratificou a Convenção 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), primeiro tratado que define padrões legais e éticos para conter todo tipo de violência no mundo do trabalho. A Convenção sobre a Eliminação da Violência e do Assédio no Mundo do Trabalho foi adotada na Conferência Internacional da OIT no dia 21 de junho de 2019 e entrou em vigor em 25 de junho de 2021. Neste período, pelo menos dez países já ratificaram o acordo. O Brasil deve começar a se movimentar nesse sentido a partir de março.

No Congresso Nacional, tramitam quatro indicações (três da Câmara e uma do Senado) que sugerem à Presidência da República que tome as providências necessárias para ratificação do texto. Para que ela seja válida no direito interno brasileiro, é necessário que a Presidência assine a Convenção e submeta o texto para análise do Legislativo. 

Se a Convenção 190 for aprovada pela Câmara e pelo Senado, em dois turnos, com pelo menos três quintos dos votos nas duas casas, a Convenção terá o status de Emenda Constitucional.  Se não passar pelo mesmo processo de proposta de emenda constitucional, a Convenção será considerada uma norma supralegal, que está acima das leis, mas inferior a uma norma constitucional. 

No início do mês, a Secretaria da Mulher da Câmara realizou debate sobre o assunto e programou para o próximo 9 de março uma grande mobilização envolvendo não só parlamentares, mas representantes do Judiciário e de grandes empresas que integram a Coalizão Empresarial Pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas.

Apesar da mobilização das bancadas femininas do Congresso e dos outros atores, a tramitação pode ser longa, a exemplo do que ocorreu com a Convenção Interamericana do Racismo, que foi aprovada pela Organização dos Estados Americanos em 2013, mas só foi promulgada pelo Congresso no início de 2021. Mas, especialistas apostam na pressão internacional de outros Estados e grandes empresas. O assunto foi debatido por elas no evento on-line “Diálogo entre jornalistas e especialistas sobre a Convenção 190 da OIT”, realizado pelo Instituto Patrícia Galvão, com apoio da Laudes Foundation, na última quarta-feira (23/2).

“A ratificação é para mudar uma cultura de violências reincidentes no mundo do trabalho. Enquanto a Convenção não é ratificada, ela pode inspirar convenções coletivas de trabalho, regulamentos das empresas e uma série de condutas para quebrar a cultura de violência e assédio que existe no Brasil e em outras partes do mundo”, destaca Luciana Conforti, vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra).

Entenda a convenção

A Convenção 190 da OIT é a primeira a definir em nível internacional o conceito de agressão no mundo corporativo, incluindo violência de gênero. O tratado reconhece o direito de todos os colaboradores a um ambiente de trabalho livre de assédio e traz uma definição abrangente para comportamentos inaceitáveis que podem ser praticados de forma sistemática ou isolada e inclui aspectos morais, físicos e psicológicos.

O texto da Convenção estimula os países a adotarem leis e políticas públicas específicas de prevenção e punição de casos de agressão no trabalho. Esta é uma das principais lacunas do arcabouço jurídico brasileiro, que já tem marcos importantes no combate à violência doméstica, como a Lei Maria da Penha, por exemplo, entre outros instrumentos, mas ainda não dispõe de legislação específica para conter práticas discriminatórias e agressivas no trabalho.

A representante adjunta da ONU Mulheres Brasil, Ana Carolina Querino, ressalta que a noção de violência doméstica já está bastante disseminada, apesar da necessidade de aprimoramento. Mas, é necessário endereçar de forma específica como essa violência se manifesta na vida pública, incluindo o mundo do trabalho. 

“Essa convenção traz no seu cerne que o trabalho decente não é só uma questão de igualdade salarial, de oportunidades, de emprego de qualidade. Na verdade, é preciso abarcar todas as situações que impedem que todas as pessoas na sua diversidade não enfrentem nenhuma barreira para sua vivência e produtividade”, afirma Querino.

Para Luciana Conforti, que também preside a Comissão Anamatra Mulheres, o que a Convenção 190 traz de mais importante é o fato de extrapolar a noção do local de trabalho. Considera qualquer prática inaceitável em razão do trabalho, inclusive no trajeto de deslocamento entre a residência e a empresa. Além disso, traz questões de gênero, raça e outros grupos minoritários, como pessoas com deficiência e outros.

“Os espaços de trabalho refletem as violências da sociedade. Essas violências são levadas para o trabalho, onde as pessoas passam a maior parte do tempo. O espectro de abrangência dessa convenção é muito amplo, com relação a todos os tipos de atividades e pessoas que se envolvem no mundo do trabalho”, reitera Conforti.

Problema é maior contra as mulheres

Pesquisa da Agência Patrícia Galvão mostra que 76% das trabalhadoras já passaram por situações humilhantes e de assédio no trabalho. O estudo Percepções sobre o Assédio e a Violência contra Mulheres no Trabalho foi realizado em 2020 e revela ainda que 36% delas também relataram que não houve nenhum tipo de punição ao agressor.

Em outra pesquisa, realizada em 2019, pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), os resultados apontam que 12,5% das mulheres ocupadas economicamente no país sofreram algum tipo de violência nos 12 meses anteriores ao estudo, o que equivale a 3,3 milhões de mulheres. 

“É algo que precisamos endereçar com muita urgência. Precisamos atuar nos elementos mais comuns e mais visíveis em termos de violência e discriminação, mas avançar nessa barreira e identificar os outros elementos que impedem as mulheres de terem um vida plena, livre de violência”, diz a representante adjunta da ONU Mulheres Brasil.

Impacto econômico

A Convenção 190 sinaliza que o ambiente hostil afeta a sustentabilidade das empresas e que a violência e o assédio causam danos não só aos colaboradores, mas também diminui a produtividade e prejudica a imagem das corporações. 

O estudo da Fiemg também destaca o impacto econômico da violência de gênero. Segundo a Federação, no período de 10 anos, a violência contra a mulher provoca o fechamento de 1,96 milhão de postos de trabalho, com perdas de R$ 91,44 bilhões em massa salarial e de R$ 16,44 bilhões em arrecadação de impostos, o que acarreta um prejuízo de R$214,42 bilhões no PIB do país ao longo de uma década.

Ana Carolina Querino destaca que a questão econômica tem atraído muitas empresas para a causa. “Muitas empresas começaram a perceber que essa é uma agenda que precisa ser endereçada. As empresas que já estão sensibilizadas com essa agenda entenderam que ao não conceder igualdade de oportunidades estão perdendo dinheiro”, afirmou.

A representante da ONU Mulheres lembra ainda que o tema da violência de gênero integra os objetivos de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 e que práticas inaceitáveis de violência formam uma barreira contra o crescimento socioeconômico. E que seu enfrentamento depende de uma consciência ampla da sociedade, de recursos e não apenas de leis e atos punitivos. “Equidade e não discriminação são fundamentais para gerar produtividade e desenvolvimento. Precisamos tratar a violência não somente sob a ótica dos direitos humanos, mas também da ótica da base para se alcançar o desenvolvimento”, sinaliza Querino.

Luciana Conforti completa que também é uma questão de compliance e que é necessário combater tanto o assédio organizacional quanto o assédio pessoal, que depende mais do perfil dos colegas de trabalho. “É muito importante que as empresas estabeleçam tolerância zero a esse tipo de comportamento com políticas internas que não toleram esse tipo de prática e que tenha um processo de acolhimento das vítimas, esclarecimento para prevenir os casos e punição dos ofensores”, reforça Conforti.

 

FONTE: JOTA/DÉBORA BRITO