Consultora jurídica da ANR explica MP 927 e sua aplicabilidade nos  contratos de trabalho - ANR Brasil

Instituto lembra que medidas não consideram participação dos sindicatos e nem levam em conta as condições de saúde e segurança no trabalho

As medidas contidas na Medida Provisória (MP) 927 “só atenderam o setor empresarial e se baseiam unicamente na redução das prerrogativas dos trabalhadores”, diz o Dieese em nota técnica. O instituto cita a possibilidade de alterar regras como jornada, férias, turnos de revezamento e vigências de acordos e convenções coletivas, na medida em que a MP prevê negociações individuais, enfraquecendo o trabalhador.

“Sabe-se que a negociação individual entre empregado e empregador é totalmente desequilibrada em favor deste último, o que se acentua ainda mais num momento de crise e desemprego”,afirma o Dieese. “Portanto, na prática, a renegociação dos contratos se constitui em carta branca para os empregadores imporem os próprios interesses em detrimento dos trabalhadores. E, para viabilizar a soberania do empresário, o governo tolhe ainda mais as prerrogativas dos sindicatos em defender os trabalhadores a entidade representa.”

Depois da reação negativa, o governo retirou o artigo 18 da MP, que permitia suspender contratos e pagamento de salários por até quatro meses. Mas a medida contém outros itens negativos para os trabalhadores, e existe pressão para que o Congresso devolva o texto ao Executivo.

Sem negociação coletiva?

Na nota, o Dieese faz dois questionamentos sobre o conteúdo da MP, divulgada na noite de domingo (22). “Se a crise atinge o conjunto dos trabalhadores, por que não subordinar eventuais soluções à negociação coletiva com os sindicatos, numa hora em que o trabalhador, individualmente, encontra-se tão fragilizado? Como impedir que um empregador inescrupuloso force um acordo individual amplo e o caracterize como ‘com vistas à manutenção do vínculo de emprego’ – termo por demais genérico –, sem sequer assegurar de fato esse vínculo?”

O instituto observa que as medidas apresentadas pelo governo não garantem a manutenção do emprego, nem a remuneração. “Logo de início, o texto faz menção à hipótese de ‘força maior’, prevista no Artigo 501 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), para caracterizar a situação de calamidade pública. Nesse sentido, a MP autoriza, entre outras ações, a redução salarial de até 25%, sem correspondente redução da jornada, como disposto no Artigo 503 da mesma CLT”, diz o Dieese, lembrando que esse artigo é controverso: “A Constituição Federal condiciona a redução salarial à negociação coletiva”.

Outro item previsto é o do chamado teletrabalho, “adotado a critério do empregador, independentemente da existência de acordo individual ou coletivo prévio a respeito”, observa o Dieese. “Importa notar que o empregador não é obrigado a estabelecer o teletrabalho mesmo quando a situação epidêmica colocar em risco a saúde dos empregados, revelando que essa medida atende apenas o interesse de uma das partes.”

A entidade comenta ainda tópicos como antecipação de férias individuais e concessão de férias coletivas, feriados, banco de horas, saúde e segurança, postergação do pagamento do FGTS, prorrogação de jornada dos profissionais da saúde, suspensão da fiscalização e descaracterização do covid-19 como doença ocupacional, “exceto se houver comprovação do nexo causal”.

O Dieese destaca ainda a falta de participação das entidades sindicais nas ações, “tornando notório o desprezo do governo a qualquer processo de negociação entre empresas e sindicatos, o que enfraquece o lado dos trabalhadores nesse momento agudo de crise”. E considera “notório também o descaso com as condições de vida e de segurança do trabalhador, visto que não são propostas quaisquer medidas econômicas ou sanitárias nesse sentido”.

FONTE: REDE BRASIL ATUAL