Um fantasma ronda o Brasil: o espectro do desemprego. Os indicadores de ocupação de mão de obra, divulgados na última semana pelo IBGE, trazem números alarmantes e consolidam a tendência de um nível de emprego formal com carteira assinada declinante (32,8 milhões de trabalhadores), uma queda de 197 mil vagas em comparação com igual período de 2017.
Hoje, o Brasil tem 13 milhões de desempregados, indicando uma relativa estabilidade no índice percentual de desemprego por população economicamente ativa, de 12,4% a 12,8%. O que mais causa espécie é o número de brasileiros na informalidade, pois cerca de 37 milhões de pessoas vivem sobre esse regime e 65,6 milhões de brasileiros simplesmente deixaram de procurar emprego ou de exercer alguma atividade laboral, seja por conta própria, seja como autônomo ou empregado informal. Esses números dão uma dimensão do tamanho da crise brasileira quando analisamos em confronto com os 170 milhões de pessoas que compõem a chamada população em idade laboral (força de trabalho) no país, resultando um percentual de 36,4% da população em situação de desalento.
Para comparamos esse número com indicadores de população de outros países seria como se toda a população (somada) da Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai estivessem sem fazer absolutamente nada. Mais que uma França. Cabe ressaltar que uma boa parte desse universo de pessoas alijadas do mundo produtivo é composto de homens, mulheres, jovens e adultos em plena capacidade de exercer atividades produtivas.
Tal situação oferece um quadro desolador para a economia brasileira, fato mais do que explicitado pelos números e indicadores de atividade econômica do último trimestre, mesmo que uma ligeira recuperação esteja em curso, como podemos observar pela evolução do nível de atividade da indústria no mês subsequente ao desastre provocado pela paralisação dos caminhoneiros em maio. De fato, ainda é muito cedo para profetizarmos alguma mudança ou reversão de tendência e um crescimento maior do PIB em 2019. A despeito do comportamento neutro na taxa de juros (Selic) para o resto do ano (2018), indicadores recentes de crédito apresentam um aumento do endividamento das famílias como complemento de renda, ou seja, uma parcela das compras desse segmento está sendo realizada contra renda futura.
Mudanças na trajetória das taxas de juros e um eventual e inevitável ajuste fiscal em 2019/2020 que tenha eficácia em curto e médio prazo terá o efeito de diminuição dos gastos públicos, com efeitos sobre a chamada demanda agregada, impactando na realocação do investimento público e privado, o que pode implicar em um quadro, no primeiro semestre do próximo ano, em que o nível de atividade e o volume de emprego fique estagnado, justamente quando os efeitos do déficit fiscal colossal (herança) vão ser apresentados com toda a sua feição e trajetória explosiva, dando ensejo a um ajuste e cortes de despesas públicas, em volume proporcional a R$ 300 Bilhões ou algo como 2,5% do PIB, da mesma forma que algum aumento de tributação e mudanças em alíquotas de imposto devem ocorrer em compasso com uma ampla reforma administrativa (diminuição de cargos e comissionamentos, redesenho de estruturas e planos de carreiras de servidores públicos, com cortes de privilégios de castas do judiciário e do legislativo), o que deverá ser feito por qualquer candidato que for eleito, independente da coloração de sua agremiação partidária ou posição no espectro ideológico.
A questão relevante do ponto de vista econômico é sobre que setor ou faixa da população os encargos de tamanho ajuste incidirão de forma mais expressiva.
Nesse ponto, a questão da coloração ideológica passa a ter maior importância, pois os recentes movimentos de aglutinação e coligações partidárias revelam um fenômeno conhecido na física: a tendência das forças (dominantes) a buscarem um estado que ultrapassa o conceito da inércia; a noção de que tudo que existe se estrutura de tal modo a alongar o máximo possível sua existência.
Os efeitos sobre a democracia
Em recente pesquisa divulgada pelo Ibope (02.08.2018) foi indicado que 45% dos eleitores estão pessimistas quanto às próximas eleições gerais. Apesar de 70% dos eleitores concordarem total ou parcialmente que a eleição pode mudar o país, 45% se dizem pessimistas ou muito pessimistas com a eleição para presidente.
A pesquisa também aponta que 38% dos eleitores afirmam que não têm “nenhum interesse” nas eleições de outubro, e outros 23% “têm pouco interesse”, o que soma 61% dos entrevistados. Já os que disseram ter “muito interesse” ou “interesse médio” somam 38%. Tudo isso revela mais do que uma decepção com o processo eleitoral e do pleno exercício da democracia como um instrumento de renovação e mudança. O que esta amostra nos indica é que o próprio Estado passa a ser questionado na medida em que o contrato social, elemento básico da cidadania, passa a ser aviltado.
Desemprego, violência, corrupção, decepção com o processo de representação popular e sentimento de descredito com a provisão da justiça, suspeita de desvios de conduta por agentes de controle motivados por tentações e identidade ideológica são elementos suficientes para uma profunda reflexão sobre os caminhos da democracia brasileira e a capacidade real de mudanças que venham a ter efeitos sobre a realidade que se desnuda.
A própria fragilidade do cidadão frente a essa situação de desalento e desencanto, quando majoritária, já serve de alerta para o sistema econômico em vigor.
Um capitalismo que aleija a maioria da população e segrega um terço dela em idade laboral deixa de ser visto como uma opção vencedora e passa a ser encarado como uma variante de processo de exclusão social, principalmente quando o discurso do empreendedorismo passa a ser vendido como o caminho e a passagem entre dois mundos, ao criar a falsa noção de que a vitória na vida e o sucesso são frutos exclusivos de talento individual, e que a visão do social é uma invenção preconizada pelos “esquerdopatas”, que dão azo ao comportamento agressivo e cínico de seus representantes para preconizar políticas de alinhamento de renda e combate às desigualdades como uma forma demagógica e populista de arrebanharem os “miseráveis”.
De fato, o Estado jurássico brasileiro que aprisiona o setor produtivo é fonte de ineficiência e raiz das inconsistências ao privilegiar setores oligárquicos, sendo refém secular de segmentos que capturaram a organização da gestão, da pratica legislativa e da promoção da distribuição da justiça, com o fito de uso e fruto de seus interesses.
No entanto não será a proposta de alienação das funções básicas do Estado que promoverá a reversão do quadro. Ao contrário, será o resgate do próprio Estado dessa “caverna” da dominação com o posterior redesenho de suas funções que poderá configurar um fortalecimento sustentável para a própria democracia e do próprio Estado.
FONTE: Jornal do Brasil