Pode-se dizer que o voto vencedor foi menos constitucional e mais político; alinhado com o mercado, que a lei favorece e protege, e ao capital, que se beneficia com a precarização das relações de trabalho advinda da Reforma Trabalhista, cujo principal ator social em defesa dos trabalhadores (os sindicatos) tenta-se escantear e até mesmo fazer desaparecer política e fisicamente pela asfixia financeira.
Marcos Verlaine*
O plenário do Supremo concluiu, nesta sexta-feira (29), o julgamento da ADI 5.794, que questionava o comando da Lei 13.467/17 determinando que a contribuição sindical seja facultativa. Foram 6 votos a 3. O resultado não deve nos causar surpresas. Embora tenhamos torcido muito para que fosse diferente. A vida é dura mesmo.
Isto porque, ultimamente, sempre que a Corte foi provocada a mediar embates e conflitos entre o capital e o trabalho prevaleceu o capital.
Esta análise preliminar está fundada num histórico recente que não nos deixa ter outra interpretação. O STF tem decidido, em geral, contra o movimento sindical. Houve até confusões e comparações esdrúxulas, como a que compara e confunde a CLT com a Carta del Lavoro, fascista, de Mussolini. Ora, a comparação não é só absurda nos planos formal e legal. O é também do ponto de vista histórico.
A CLT é 1 código de proteção ao trabalhador, ou pelo menos era, antes da Reforma Trabalhista. Quando foi promulgada, em 1943, tinha 921 artigos. Tratava-se de 1 consolidação de leis. A Carta del Lavoro continha apenas 30 comandos e nem lei era. Desses, somente 11 “leis” estão em ambos os documentos. Era, como foi chamada, 1 carta, de “intenções”. Fazer comparações demonstra, portanto, desconhecimento histórico ou má fé.
Como considerar fascista 1 lei que garante direitos como férias, 13º salário, aposentadoria e que proíbe o trabalho escravo e infantil? Não há lógica ou coerência nessa comparação!
Votaram contra o relator, favorável a ADI 5.794, os ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e a presidente, Carmen Lúcia. Acompanharam o relator os ministros Dias Toffoli e Rosa Weber. Estavam ausentes Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.
Por que não houve surpresas?
Ao longo dos anos de 2014 a 2016, o Supremo sempre que se deparou com demandas coletivas dos trabalhadores decidiu contra esses e em favor daqueles. Foi assim quando apreciou as questões da ultratividade, do direito de greve e da desaposentadoria.
Assim o fez quando admitiu a precarização da Justiça do Trabalho, porque o órgão perdeu recursos orçamentários. Permitiu a “prescrição quinquenal de FGTS”, quando declarou a inconstitucionalidade das normas que previam prazo prescricional de 30 anos para ações relativas a valores não depositados no fundo. E permitiu a contratação por meio de organizações sociais (OS) na Administração Pública. O que na prática se configura como privatização de serviços públicos.
E também, antes de ser aprovado pelo Congresso, no âmbito da Reforma Trabalhista, já havia admitido que a negociação prevalecesse sobre a lei. Todas essas informações estão esmiuçadas neste artigo: Supremo retira direitos e antecipa reforma trabalhista.
Portanto, não há porque ficar surpreso com mais esta decisão de hoje. Surpresa, boa, seria se o sindicalismo tivesse imposto, na Corte Suprema, revés ao capital e ao mercado, que ao fim e ao cabo, querem enfraquecer o sindicalismo e, se for possível, suprimi-lo da vida brasileira. Sim, porque, com a extinção peremptória da contribuição sindical obrigatória é isto que desejam, apenas não confessam, pelo menos em público.
Porque só assim terão mais condições de impor a agenda econômica que está em curso, cuja regressividade violenta os trabalhadores e o povo.
Essa decisão do Supremo, via de regra, atendeu à lógica do capital, que “quer ampliar seu poder sobre o trabalho”, como bem delineou Antônio Augusto de Queiroz, em seu artigo: Fim da contribuição sindical tem apoio patronal. Por quê?
O voto daqueles que consideraram a lei constitucional, no quesito da facultatividade da contribuição sindical, desconsiderou a Lei Maior “à luz do tripé da Constituição de 1988 que dá sustentação à organização sindical, formado pela unicidade sindical (art. 8º, II), a representatividade compulsória (art. 8º, III) e a contribuição sindical (art. 8º, IV, parte final)”, analisou Antônio Queiroz em artigo “Supremo Tribunal decidirá sobre contribuição sindical”.
Assim, pode-se dizer que o voto vencedor foi menos constitucional e mais político; alinhado com o mercado, que a lei favorece e protege, e ao capital, que se beneficia com a precarização das relações de trabalho advinda da Reforma Trabalhista, cujo principal ator social em defesa dos trabalhadores (os sindicatos) tenta escantear e até mesmo fazer desaparecer política e fisicamente pela asfixia financeira.
Que fazer
Diante desse quadro de “terra arrasada” é importante pensar saídas e alternativas jurídicas e políticas ao fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. Agora consolidado pelo STF. E pensar juntos, pois caso não haja solidariedade nesse processo tudo ficará mais difícil.
Isto é, aquele ambiente de disputas por espaços, às vezes conseguido à custa de métodos abomináveis, precisa ser substituído por ambiente de unidade de ação, solidariedade e muita reflexão conjunta.
Avalio que perdemos 1 batalha, não a guerra! Há, ainda, muita água para passar debaixo da ponte.
(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap