A reforma da legislação e do sistema de relações de trabalho no Brasil pretende atender às exigências do capital financeiro na busca pela expansão de riquezas em escala global, que acirra a concorrência e competição entre as empresas e impõe a flexibilidade da força de trabalho e a intensificação tecnológica.
Por Clemente Ganz*
A finalidade dessa reforma é reduzir o custo do trabalho; criar a máxima flexibilidade para a alocação da mão de obra por meio da introdução de contratos vulneráveis e ajustes da jornada; facilitar as demissões e minimizar seus custos; impedir a criação de passivos trabalhistas; restringir as negociações e incentivar a realização de acordos por empresa com representações laborais controladas, em detrimento de contratos e convenções com abrangência ampla; e inviabilizar a ação dos sindicatos.
Estudo da OIT, elaborado por Dragos Adascalitei e Clemente Pignatti Morano, analisou 642 mudanças realizadas nos sistemas laborais de 110 países no período de 2008 a 2014 e constatou que, na maioria, o nível de regulamentação existente foi reduzido. Em 55% dos casos, o objetivo foi diminuir a proteção ao emprego, o que atingiu toda a população e produziu mudança de longo prazo na regulamentação do mercado de trabalho.
Das medidas de desregulamentação, 74% são relativas à jornada de trabalho; 65%, a contratos de trabalho temporário; 62%, a demissões coletivas; 59%, a contratos permanentes; 46%, a negociações coletivas; e 28%, a outras formas de emprego.
Na Espanha, onde ocorreram mais de 50 alterações na legislação trabalhista desde 1980, a última reforma, implantada em 2012, visava a ajustar o custo do trabalho, de modo a recuperar a competitividade em uma economia de câmbio fixo. No conjunto, as medidas reduziram o custo das demissões, permitiram flexibilizar jornada e salário e limitaram o poder das negociações gerais ou setoriais.
No momento da retomada econômica, a utilização desses mecanismos acelerou a criação de ocupações precárias e provocou queda dos rendimentos do trabalho, uma vez que favoreceram a contratação por jornada reduzida ou em tempo parcial e estimularam a rotatividade da mão de obra, ou seja, o que facilita a contratação de trabalhadores com salários menores que os dos demitidos.
No México, como resultado da reforma laboral de 2012, quase 60% dos trabalhadores estão na informalidade. A rotatividade com flexibilidade reduziu os salários, levando mais de 80% da população ocupada a receber menos de US$ 5 por dia, o que equivale a US$ 150 por mês.
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Em fevereiro de 2017, foram impostas outras mudanças: retirada do direito de indenização para trabalhadores com menos de seis meses de contrato laboral; liberação da terceirização – situação em que os calotes sobre os trabalhadores se multiplicam; regras mais rígidas para servidores públicos, além de corte de salários dos grevistas; jornadas de trabalho flexíveis e pagas pelas horas efetivamente trabalhadas (aqui denominado “contrato intermitente”); reforma na Justiça do Trabalho; e reforma sindical.
Na Alemanha, o enfrentamento da crise de 2008 veio acompanhado de medidas que ampliaram as modalidades de emprego temporário. Na Itália, a “Lei do Emprego” somou-se a reformas anteriores para facilitar demissões e promover contratações temporárias. Cabe destacar que todos os estados membros da União Europeia convivem com o aumento do emprego temporário entre os jovens, fenômeno favorecido pelas regras e instituições reformadas com esse objetivo.
Agora a França, mais uma vez, encaminha a reforma trabalhista com flexibilização para que: as empresas negociem salários e jornada de trabalho diretamente com os trabalhadores, sem participação do sindicato; haja limite para a indenização por demissão sem justa causa; sejam reduzidas as possibilidades de processos trabalhistas; sejam apoiados programas de demissões voluntárias sem assistência sindical.
Expandem-se no mundo reformas trabalhistas que promovem diversas formas de ocupações inseguras e instáveis. O Brasil integra-se a esse movimento mundial, com a Reforma Trabalhista configurada na Lei 13.467 de 2017.
Os efeitos para as economias e sociedades são inúmeros e complexos, sejam os que afetam a dinâmica do crescimento sustentada pelos mercados internos, sejam os que recaem sobre as políticas públicas de proteção do emprego, da previdência e seguridade social. Essas, entre outras questões, colocam complexos desafios para os sistemas democráticos, para a construção da coesão social das nações e para o futuro do trabalho.
*Clemente Ganz é sociólogo, diretor técnico do DIEESE, membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.