Com o avanço do conhecimento, a humanidade vem se deparando sempre com novos desafios e novas tendências. Sabemos, de maneira geral, que estamos na 4ª Revolução Industrial(1), caracterizada por uma descentralização de controle dos processos produtivos tendo como base a proliferação de dispositivos altamente tecnológicos.
Vale dizer que, atualmente, somos testemunhas que esta revolução que essencialmente se distingue das outras pelo uso de sistemas capazes de integrar os mundos físico e digital para satisfazer novas necessidades, em todo o campo do saber, tem um protagonismo capaz de mudar o ambiente de trabalho até então conhecido. Por isso, o Direito, como ciência, necessita e precisa sempre se portar como fonte de conhecimento sistematizado passível de observação, acompanhando o avanço das questões sociais para poder regulamentar avanços na sociedade.
Dito isso, a 4ª Revolução Industrial se destaca e se caracteriza pelo uso de algoritmos. Ao se verificar o que vem a ser um algoritmo(2), podemos entendê-lo como um conjunto de instruções, ou seja, uma sequência de regras e procedimentos lógicos definidos que levam à solução de um problema de maneira clara e objetiva.
Em outras palavras, são as diretrizes seguidas por uma máquina que atualmente são caracterizadas através de “machine learning” (uso de algoritmos na organização de dados e reconhecimento de padrões) e “deep learning” (parte do aprendizado de uma máquina que, por meio de algoritmos de alto nível, imita a rede neural do cérebro humano). Portanto, ao analisarmos e entendermos a definição de algoritmo, compreenderemos a sua influência e impacto no ambiente corporativo atual.
A relação de interação entre empregador e funcionário até então conhecida no mundo corporativo mudou.
A 4ª Revolução Industrial nos trouxe um novo modo de relação onde a atividade do funcionário começou em muitos casos a ser observada por algoritmos e não mais por humanos.
Isto, consequentemente, vem acarretando mudanças de conceitos em países e não poderia ser diferente no Brasil. Chegamos numa era onde a evolução tecnológica por meio do uso de aplicativos nos permite uma conexão constante, vale dizer, transformações nas relações pessoais, novas dinâmicas configuradas pela tecnologia e possibilidades de modernizações nos diversos tipos de trabalho acabaram por exigir novos conceitos, novos pensamentos, novas interpretações.
Nesse contexto, surgiram novos tipos de atividades laborais, como por exemplo, o “crowdwork”(3), que parte do conceito de trabalho em colaboração coletiva, trabalho tido como informal do século XXI , no qual podemos citar como típico exemplo os motoristas de aplicativos, daí o surgimento do conceito conhecido também como “uberização”(4) do trabalho.
Tais serviços, como se sabe, são prestados de forma flexível e baseia-se na autonomia e independência do prestador de serviço. Não obstante a essa característica, o desafio que o Direito do Trabalho está enfrentando é de enquadrar, ou não, essa espécie de prestação de serviço em uma nova forma de subordinação. Atualmente o algoritmo é capaz de possibilitar a escolha do cliente pelo próprio prestador de serviço, no caso, o motorista, os caminhos mais fáceis a serem percorridos, distribuindo os passageiros segundo a demanda e impondo o preço, de acordo com a procura. Seria tal procedimento uma nova forma de subordinação, enfatizando uma nova forma de relação trabalhista?
Apesar de existirem opiniões divergentes sobre o assunto, a 15ª Turma do TRT da 2ª região abriu um importante precedente sobre o exemplo acima citado, enfatizando o entendimento introduzido pela Lei 12.551/11 em seu Art. 6º da CLT, Consolidação das Leis Trabalhistas(5), segundo o qual “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalhado alheio”. Com isso a 15ª Turma no processo de n. 1000123-89.2017.5.02.0038 (RO)(6) considerou a existência de vínculo empregatício pelo uso de algoritmos, coisa inimaginável num passado não muito distante.
Ainda levando em conta as grandes transformações tecnológicas no ambiente de trabalho, podemos dizer que não foi somente a relação direta entre empregador e funcionário que mudou, o modo de se trabalhar através do uso de ferramentas tecnológicas no intuito de dinamizar o trabalho num mundo cada vez mais frenético, fez com que os funcionários ficassem cada dia mais conectados ao trabalho. Hoje em dia é normal o funcionário sair do trabalho e ao chegar em casa verificar e-mails através do seu smartphone, notebook, ou seja, continuar trabalhando mesmo estando teoricamente fora do seu expediente.
Consequentemente, devido a tal dinamização do trabalho surgiu o questionamento sobre a necessidade e importância da desconexão do trabalho(7) que pode ser entendida como o direito ao descanso do trabalhador. Alguns países já possuem legislação à respeito, como a França, onde desde 2017, empresas negociam com funcionários acordo entre as partes para definição de regras sobre o direito à desconexão, seguindo a mesma tendência, a Alemanha, que procurou adotar o direito de funcionários a se desconectarem ao fim da jornada de trabalho limitando o acesso dos mesmos à e-mails fora do expediente de trabalho.
Já no caso do Brasil, mesmo não tendo uma legislação específica, a nossa Constituição Federal em seu Art. 7º, atribuiu ao trabalhador o direito de descanso, que é entendido como status de direito fundamental, garantindo que o mesmo se recupere fisicamente e psicologicamente do cansaço e fadiga ocasionada pelo exercício do labor.
Ou seja, a nossa doutrina e jurisprudência entendeu que o direito à desconexão é inerente à dignidade da pessoa humana. Isto quer dizer que o direito à desconexão é um direito fundamental, pois tem influência também direta sobre a saúde, higiene e segurança do trabalho de acordo com Art. 6º da nossa CF, procurando evitar doenças como estresse, burn out (esgotamento) e o vício pela incapacidade de se desconectar.
Em suma, se por um lado, os meios tecnológicos na hora de se prestar um serviço não podem ser ignorados, por outro, também não podem ser usados como ferramentas para o cometimento de abusos.
Portanto, nossos tribunais precisarão analisar cada situação com a devida cautela, tentando encaixar as novas relações advindas da 4ª Revolução Industrial em categorias e critérios condizentes à uma sociedade em constante mudança. Lembrando que algoritmos podem ser mais precisos em muitas atividades, mas será sempre a decisão humana com bom senso e savoir-faire a prevalecer.
FONTE: JOTA/LOBO&VULPE ADVOGADOS ASSOCIADOS
Referências
(1) SCHWAB, Klaus. A Quarta Revolução Industrial. Edipro, São Paulo, 2019
(2) http://4s.adv.br/relacoes-trabalhistas/subordinacao-por-algoritmo-nas-relacoes-de-trabalho/. Acesso em: 01 de janeiro de 2020
(3) WAAS, Bernd. A Comparative Law Perspective. Editora Bund-Verlag GmbH, edição:1, Alemanha, 2017
(4) SLEE, Tom. Uberização, a nova onda do trabalho precarizado. Editora Elefante, São Paulo, 2019
(5) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12551.htm. Acesso em: 01 de janeiro de 2020
(6) https://www.migalhas.com.br/arquivos/2018/8/art20180824-04.pdfAcesso em: 01 de janeiro de 2020
(7) https://www.terra.com.br/noticias/mundo/europa/europeus-querem-o-direito-de-desligar-celular-apos-trabalho,34f4d0fe9be36410VgnCLD200000b0bf46d0RCRD.html. Acesso em:01 de janeiro de 2020