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O contrato de trabalho tem natureza especialíssima pelas suas próprias características, mantendo uma relação de fidúcia entre empregado e empregador, incomparável com outras modalidades contratuais. Por essa razão, os elementos basilares relativamente ao empregado, como a pessoalidade e a subordinação, são capazes de consolidar as razões efetivas do interesse e obrigações das partes na preservação da relação jurídica.
Assim, celebrado o contrato e com o início da prestação de serviços, tanto empregado quanto empregador se envolvem em deveres éticos e morais que vão além de jornada trabalho e salário. A materialidade contratual, simples e rotineira, sempre relevante, deveria funcionar como base estrutural para a construção de compromissos cuja finalidade é a instrumentalização de realização pessoal e profissional.
Dessa feita, durante a contratualidade há uma entrega recíproca: o empregador assume os riscos do negócio, transmite as orientações técnicas ou procedimentos do negócio e, de outro lado, o empregado entrega seu tempo de trabalho e a ele renuncia em parte, temporariamente, em troca de um pagamento de salário. Sobre esses momentos, que são contínuos, instalam-se as obrigações e os deveres de respeito relativamente às informações recebidas e à utilização da força de trabalho. Por essa razão, os artigos 482 e 483 da CLT apontam os comportamentos em que, durante o exercício do contrato de trabalho, a fidúcia se romperia e a parte ofendida pode denunciar o contrato de trabalho e, em algumas circunstâncias, aplica-se a culpa recíproca.
Portanto, durante o cumprimento do contrato de trabalho, a legislação é clara e se aplica de modo inquestionável a cada hipótese exaustivamente elencada pela CLT.
Como se dizia acima, a natureza especialíssima do contrato de emprego implica responsabilidades e comprometimentos que vão além da vigência contratual, trazendo dúvidas quando se trata de mau comportamento após a extinção do contrato de trabalho, condição que, em tese, objetivamente extinguiria as obrigações do quanto avençado para o cumprimento do contrato, satisfeito e acabado. Nesse caso, inexistente cláusula contratual de obrigações futuras.
Conforme frisou Paulo Eduardo Vieira de Oliveira ("O dano pessoal no direito do trabalho"), "é importante que se frise, que há uma relação intersubjetiva entre empregado e empregador muito acentuada, que dá oportunidade, pelo trato sucessivo da relação, a uma das partes (e até a ambas em dano pessoal recíproco) de um causar dano pessoal à outra ou, ainda, do dano acontecer reciprocamente".
A peculiaridade da intersubjetividade que surge no contrato de trabalho faz projetar seus efeitos para além da sua extinção, obrigando as partes ao dever de respeito mútuo, de modo que não se utilizem de informações sigilosas recebidas em benefício próprio ou para prejudicar terceiros. Em palavras outras, as obrigações de fidúcia geradas pelo contrato de emprego subsistem além de seu término e exigem comprometimento de lealdade e boa-fé sob pena de responsabilidade civil pós-contratual.
O sítio do TRT da 18ª Região trouxe a seguinte notícia: "Professor que teve nome usado indevidamente em site de universidade receberá reparação por danos morais".
Considerou o relator, desembargador Gentil Pio, da 1ª Turma (Processo 0010209-95.2020.5.18.0003), que o consentimento do reclamante seria essencial e "ainda que não lhe atinja a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, configura manifesto ato ilícito pós-contratual da ex-empregadora". E concluiu o relator que "embora entenda que a denominação de dano moral não seja a mais adequada, a reparação dá-se pelas razões aduzidas, por violação de dever inerente à relação empregatícia".
Essa é uma das demonstrações de que os deveres inerentes à relação empregatícia ultrapassam a vigência contratual, exigindo das partes ex-contratantes lealdade e boa-fé.
Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.
FONTE: REVISTA CONSULTOR JURÍDICO/CONJUR