Conheci o deputado Jair Messias Bolsonaro em 1995, em audiência no seu gabinete, na Câmara dos Deputados. Na proximidade dos 40 anos, ele era um jovem, assim como eu, e iniciava o segundo dos sete mandatos que viria a ter.
Tomamos a iniciativa de procurá-lo motivados por um companheiro – hoje, um admirado e querido irmão – que via em Bolsonaro um bunker de resistência nacionalista na luta, que na época travávamos, contra a intenção dos armadores de criar, no exterior, uma subsidiária integral com direitos de bandeira nacional. Talvez meu irmão ainda o veja assim.
Confesso que, ao sair da audiência, eu estava impressionado! Até então, nunca havia conhecido alguém que destilasse tanto veneno e raiva, para todos os lados, sem qualquer compromisso com a civilidade e a reflexão. Seguro de que ele jamais construiria algo que necessitasse de mandato, nunca mais o procurei. Voltei a vê-lo inúmeras vezes, tendo em vista que frequentar a Câmara Federal e suas Comissões foi e continua sendo importante no trabalho de dirigente sindical. Mas nunca mais conversamos, se é que podemos utilizar este verbo quando Bolsonaro nos dedica sua atenção.
Vinte e três anos depois, sou forçado a reconhecer que eu e mais 210 milhões de brasileiros e brasileiras carregamos elevada chance de tê-lo como presidente da República. Não é algo de pouca importância, especialmente após trabalhadores e trabalhadoras terem preenchido as cadeiras do Congresso Nacional com ocupantes de qualidade preocupante, fato que acarretará uma sobrecarrega nos ombros dos dirigentes sindicais, que terão dificuldades maiores, até intransponíveis, em conquistar e manter direitos trabalhistas.
Algumas perguntas nos rondam com insistência e constância só comparáveis às da gravidade terrestre. Uma delas é: o que leva quase 50 milhões de eleitores a acreditar que alguém com 28 anos de mandato parlamentar e uma extensa lista de projetos e emendas não aprovados possa articular soluções para os graves problemas que se abatem sobre a sociedade brasileira? Além disso, o que um candidato que gravita na política partidária com mandatos para sua família e se equilibra entre partidos sabidamente corruptos vem nos trazer de novo em termos de combate à corrupção? O que um político que se notabilizou no chamado “baixo clero” da Câmara dos Deputados por suas despudoradas afirmações, ferindo mulheres e minorias, é capaz de fazer por uma sociedade mais justa e civilizada, com menos ódio, menos rancor e mais garantias de direitos individuais e coletivos? São perguntas que o bom senso nos obriga a fazer.
A sensação é de que as eleições abriram a caixa de Pandora e, agora, podemos enxergar claramente o material de que é feita a sociedade brasileira atual. Vemos quanto autoritarismo, fascismo e individualismo corre em nosso meio. Vemos no que nos transformamos, embalados por uma mídia maniqueísta, adoradora da plutocracia, conservadora e tendenciosa até o limite do possível. Por uma imprensa que acabou por se autoimolar, após preparar o terreno para que candidaturas de sua evidente preferência, como os Alckmins, os Meirelles e os Amoedos, pudessem ocupar o espaço que ela tanto se esmerou em cavar, golpeando corações e mentes com a promoção da descrença nas instituições e na atividade política. É evidente o fato de que foi a própria mídia que gerou aquilo que ela mesma, hoje, considera o ovo da serpente.
Quando o que se esperava era um grito de revolta pela misoginia, um basta à exploração, uma ode à construção de políticas públicas que contribuíssem para a eliminação da miséria, da violência e da injustiça social, o que se viu foi quase meia centena de milhões de pessoas votarem pelo ódio, pelo rancor, pelo pensamento único e pela violência como formas de combater todos os males, inclusive, a própria violência.
No próximo dia 28, teremos a oportunidade de confirmar o que grande parte da população brasileira gritou ao mundo, no primeiro turno das eleições, ou de corrigir a direção e o sentido apontados pelas urnas.
O voto é secreto, mas não me furto a expressar o meu. Cabe ao Sindicato não apenas a busca pela melhoria das condições salariais e sociais, mas, também, a defesa das liberdades individuais e da justiça social. Portanto, como dirigente, sinto-me na obrigação de orientar meus companheiros e companheiras, expressando as preocupações decorrentes da vivência sindical, experiência que nos possibilita uma visão bem mais ampla e crítica da realidade do que aquela possível aos que trabalham diariamente nas praças de máquinas e nos passadiços das embarcações.
Votei no candidato Ciro Gomes e defendi este voto junto a meus companheiros por inúmeras razões, duas das quais faço questão de expor aqui. Uma foi a qualidade do programa de governo que ele apresentou, sem dúvida, o melhor que tive oportunidade de conhecer até agora. A outra é que, no que pese o meu reconhecimento ao PT por ter reduzido, em muito, a miséria nos nossos centros, aumentando o poder aquisitivo do povo brasileiro e levando o mínimo de cidadania aos recônditos mais longínquos de nossa terra, muito me preocupa e incomoda esta predisposição à hegemonia que o partido carrega, desde a sua criação, em tudo em que se faz presente.
Severino Almeida Filho