O ministro Ives Gandra Martins Filho deixa no fim do mês a presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) com o sentimento de que a Justiça do Trabalho continua sob ameaça. E que sua sobrevivência poderá depender da forma como os juízes se manifestarão sobre a reforma trabalhista. Defensor aberto das mudanças, ele afirma que “se, eventualmente, a Justiça do Trabalho for refratária à reforma, os deputados que aprovaram o texto poderão ter interesse em extingui-la”.
O orçamento já foi ameaçado, em 2016. E depois de longas negociações lideradas pelo presidente, ele afirma que Justiça do Trabalho conseguiu sobreviver e mostrar a sua importância. Um corte de R$ 2 bilhões havia sido proposto pelo relator-geral do orçamento da União daquele ano, deputado Ricardo Barros (PP-PR).
Na ocasião, de acordo com o ministro, o próprio relator dizia que, como a Justiça do Trabalho mais prejudicava do que colaborava com as relações do trabalho, não merecia um orçamento tão ampliado. Neste ano, assim como no anterior, foi mantido integralmente.
Nos dois anos à frente do TST, Martins Filho enfrentou a resistência de colegas e da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). A sua atuação nas audiências públicas sobre a reforma e na cerimônia de sanção do texto pelo presidente Michel Temer incomodou os colegas – a posição favorável às alterações está longe de ser unânime e majoritária no TST.
Em junho de 2016, um grupo de ministros do TST divulgou documento que criticava a flexibilização dos direitos dos trabalhadores. O texto foi assinado por 19 dos 27 integrantes do TST.
No mesmo ano, Martins Filho foi alvo de críticas por parte da Anamatra, após ele pedir a retirada de projetos de lei em tramitação na Câmara dos Deputados sobre a criação de cargos na Justiça do Trabalho. “Na relação entre a Anamatra e a presidência do TST, nunca houve um período tão conturbado”, afirma o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano, sobre os últimos dois anos.
A tensão com a entidade envolve também a reforma trabalhista. “A Anamatra sempre viu alguns vícios no texto e o ministro sempre identificou um texto bom para o país”, diz Feliciano. Para ele, a participação pró-ativa do ministro na reforma não foi a mais adequada. “Como jurista não teria problema, mas da maneira como foi talvez tenha sido equivocada”, diz.
A reforma trabalhista está em vigor desde novembro e sendo seguida em decisões judiciais. O TST ainda não uniformizou a posição de seus ministros sobre o texto. No início do mês, a Corte realizou uma sessão para discutir mudanças na jurisprudência e a aplicação do texto a todos os contratos e processos ou apenas aos posteriores a sua edição.
A Comissão de Jurisprudência do TST, formada por três ministros, havia distribuído parecer sugerindo a limitação da reforma aos contratos novos em muitos casos. Já o presidente entende que ela se aplica a todos os contratos, com raríssimas exceções – por exemplo, no caso de uma gratificação que já está incorporada ao ganho de trabalhador em cargo efetivo. “Não existe direito adquirido a regime jurídico”, afirma.
Já quanto aos processos, o ministro é favorável ao afastamento da cobrança de honorários advocatícios em ações antigas de trabalhadores, anteriores à reforma. Para ele, a parte não pode ser surpreendida pelas novas regras.
A possibilidade de limite temporal para a aplicação das mudanças divide os ministros e foi o que gerou o adiamento da sessão sobre a reforma. Foi criada, então, uma comissão para estudar o assunto. “Minha preocupação era, pelo menos, colocar a bola em jogo e foi isso que eu consegui”, afirma Martins Filho.
Segundo o presidente, para muita gente, o simples fato de o TST editar uma instrução normativa sobre súmulas soaria como se estivesse legislando. “Qualquer solução vai ter reclamação. Sempre digo que a Justiça desagrada 50% da clientela”, afirma.
Advogados que representam empresas em ações trabalhistas costumam elogiar a gestão do presidente. Martins Filho é visto como um ministro que segue seus princípios. E são posições firmes. O presidente é declaradamente católico, tem voto de pobreza e castidade. Algumas de suas posições pessoais vieram à tona quando foi cogitado para a vaga do ministro Teori Zavascki no Supremo Tribunal Federal.
No TST, algumas marcas da gestão foram a busca pela eficiência financeira e jurisdicional, segundo advogado Daniel Chiode, do Mattos Engelberg Advogados. E também o resgate de papel de Corte Superior e não de instância recursal. Um dos mecanismos para esse resgate está na reforma trabalhista. É o princípio da transcendência, que limita a admissão de recursos.
O sucessor de Martins na presidência, ministro João Batista Brito Pereira, é considerado menos polêmico por advogados. “São pessoas que têm formação, posturas e posicionamentos bem diferentes”, afirma advogado e professor Ricardo Calcini. “O Brito Pereira é um conciliador, acho que a gestão será marcada por diálogo.”
O advogado Luis Marcelo Gois, do BMA Advogados considera que o atual presidente foi corajoso na sua gestão, mas que o ministro Brito Pereira é mais flexível para lidar com questões polêmicas. “Ele tem um bom jogo de cintura.
Fonte: Valor Econômico